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Saúde

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Resultados


Vitória, capital do Espírito Santo, habilitado na Gestão Plena da Atenção Básica em janeiro de 1998, conta hoje com 28 unidades de saúde; destas, 24 Unidades de Saúde da Família e outros seis centros de referência (Centro de Especialidades Odontológicas, Centro de Referência em DST/AIDS, Centro de Atendimento ao Idoso, Centro de Controle de Zoonoses, Centro Municipal de Especialidades e Centro de Tratamento de Toxicômanos), destinados a atender a uma população projetada para 2007 de 320.824 habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, http://www.ibge.gov.br).

Ainda segundo o IBGE, apesar de possuir uma das mais altas rendas per capita do país e da bem estruturada rede de serviços básicos à saúde, a tuberculose permanece sendo um sério problema de saúde em Vitória. Em 2005, ano da coleta de dados desta pesquisa, foram notificados 184 novos casos, produzindo uma incidência de 60,15/100 mil habitantes. Pelo elevado número de novos casos e pela alta incidência, o Município de Vitória foi incluído pelo PNCT entre os prioritários para o controle da doença 13.

Com base no processo de seleção empregado, foram selecionadas sete Unidades de Saúde da Família onde estavam cadastrados 125 agentes comunitários de saúde, 33,8% do universo de 370 agentes comunitários de saúde que atuavam em Vitória. No momento da coleta de dados, 20 agentes encontravam-se em férias ou em licença médica, não comparecendo à unidade de saúde. Assim, a amostra foi composta por 105 agentes comunitários de saúde, 28,38% da população, que após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido responderam ao questionário fornecido.

Desses, a idade média e desvio-padrão foi de 34,5 (± 9,7) anos, variando de 18 a 63 anos. Quanto ao tempo em que trabalha como agente comunitário de saúde, obteve-se uma média de 3,1 (± 1,8) anos, sendo que o maior período foi de sete anos e o menor, referente a um recém-admitido, inferior a um mês. Dos 105 agentes comunitários de saúde entrevistados, 66 (62,9%) atuavam nesta profissão há um período igual ou inferior a três anos, ao passo que 37,1% (39/105) há quatro anos ou mais.

As variáveis incluídas no questionário foram agrupadas em três blocos temáticos, a saber: (i) conhecimentos do agente comunitário de saúde a cerca dos aspectos clínico-epidemiológicos da tuberculose (Tabela 1); (ii) informações sobre as atividades realizadas pelo agente comunitário de saúde no controle da tuberculose (Tabela 2); e (iii) percepção do agente comunitário de saúde quanto ao seu nível de conhecimento e sua importância no controle da tuberculose (Tabela 3).

Quando avaliado o conhecimento que o agente comunitário de saúde possui dos principais sintomas da tuberculose, verificou-se que a febre foi aquele mais presente nas respostas apresentadas, com 62,9% (66/105). A tosse por mais de três semanas, reconhecidamente o sintoma mais característico da tuberculose e fundamental para a identificação dos sintomáticos respiratórios, foi o relatado com menor freqüência sendo corretamente assinalado por 26,7% (28/105) dos agentes comunitários de saúde. Observou-se que parte dos agentes respondeu "tosse", porém, sem referência ao período de duração. Essa resposta não foi considerada correta uma vez que o fator tempo é fundamental para a caracterização do sintoma. O emagrecimento foi identificado como sintoma de tuberculose por 35/105 (33,3) dos agentes comunitários de saúde. Apenas 12/105 (11,4%) foram capazes de relacionar todos os três sintomas.

Já em relação à forma de transmissão do Mycobacterium tuberculosis, agente etiológico da tuberculose, menos da metade dos agentes comunitários de saúde (47,6%; 50/105) possuíam o conhecimento de que sua veiculação se dava através do ar, a partir da tosse, fala ou espirro de um indivíduo doente. Um percentual ainda menor foi obtido na compreensão do termo "sintomático respiratório", em que apenas 3/105 (2,9%) responderam corretamente a este questionamento.

Do conjunto de agentes comunitários de saúde, 84 (80%) mostraram saber que a principal forma de diagnóstico da tuberculose se faz por meio de exame do escarro. O raio-X foi identificado em 26 (24,8%) das respostas dadas. Quanto à "supervisão do tratamento de tuberculose", cerca da metade dos agentes comunitários de saúde (52/105; 49,5%) demonstrou conhecer esta atividade. Contudo, apenas 16/105 (15,2%) souberam relatar ao menos um dos três medicamentos usualmente utilizados no tratamento da doença.

Na Tabela 1 são comparados o nível de conhecimento dos agentes comunitários de saúde frente ao tempo em este desenvolve esta função. Observa-se que o tempo de atividade mostra-se um fator importante na proporção de respostas corretas para algumas questões. Dessa forma, diferenças significativas (p < 0,05) foram observadas no reconhecimento do emagrecimento como sintoma da tuberculose, do exame de escarro como método diagnóstico, do conceito de "tratamento supervisionado" e no conhecimento de, ao menos, uma medicação utilizada no tratamento dos pacientes. Para todos esses, um maior período exercendo essa atividade encontra-se associado com um nível de compreensão em torno da doença mais elevado.

Para analisar as atividades efetivamente realizadas no controle da tuberculose foram formuladas três questões. Na primeira solicitou-se ao agente comunitário de saúde que citasse quais as orientações que são usualmente oferecidas aos pacientes com tuberculose. Uma vez que as questões permitiam respostas discursivas, foram avaliadas quais se mostravam corretas e quantificadas, sem produzir escala de importância. Entre as instruções relatadas, que possuem descrições nos manuais oficiais de controle da tuberculose utilizados como parâmetros, podemos citar: tomada das medicações corretamente; não abandonar o tratamento; evitar bebidas alcoólicas e fumo durante o tratamento; manter o ambiente bem arejado; fazer uma boa alimentação; ingerir bastante líquido; procurar a unidade de saúde se sentir algum efeito colateral relacionado à tomada dos medicamentos; e a falta de necessidade de se separar utensílios. Dessa maneira, destaca-se que 24/105 (22,9%) não foram capazes de relatar ao menos uma orientação, ao passo que 50,5% (53/105) citaram duas ou mais instruções rotineiramente oferecidas aos pacientes diagnosticados com tuberculose.

Quando analisada a conduta tomada diante dos familiares e contactantes dos casos de tuberculose acompanhados, 32 dos 105 (30,5%) souberam relatar uma ou mais a serem seguidas, conforme os manuais oficiais. A identificação de novos casos de tuberculose, uma das atividades fundamentais do agente comunitário de saúde no controle da tuberculose, foi relatada por cerca de um quarto dos entrevistados (24,8%; 26/105).

Destaca-se a influência do tempo de serviço como agente comunitário de saúde sobre as ações desenvolvidas por este no controle da doença, com um aumento significativo (p < 0,05) na capacidade de oferecer orientações ao paciente com tuberculose sobre a doença, bem como incremento no número de instruções e condutas que são passadas aos contactantes dos casos. Porém não houve diferenças estatísticas (p < 0,05) entre as proporções específicas de cada conduta nem entre a identificação de casos de tuberculose em cada grupo.

Por fim, com a Tabela 3, busca-se analisar a percepção que os agentes comunitários de saúde possuem tanto de seu nível de conhecimento em relação à doença quanto a importância que ele e suas atividades possuem no efetivo controle da tuberculose. Diferenças significativas são encontradas nos níveis intermediários de conhecimento, em que se observa que os agentes comunitários de saúde com maior tempo de atuação auto-avaliam seu conhecimento como bom em uma proporção superior à dos que trabalham a menos tempo (p < 0,05). Já no nível regular ocorre uma inversão, predominando nesta faixa os agentes comunitários de saúde com três ou menos anos de serviço. Independentemente disso, 97,1% (102/105) dos agentes comunitários de saúde consideram que as atividades desenvolvidas por eles são de grande importância no controle da tuberculose.



Discussão

Ainda que a literatura seja restrita, tem-se observado um interesse crescente pelo papel e pelas atividades atribuídas aos agentes comunitários de saúde atuantes no Brasil. Uma recente revisão traz que cerca de 60% da produção bibliográfica sobre o tema concentra-se nos anos posteriores a 2000 14. Em nosso país, a primeira experiência relatada no sentido de utilizar agentes de saúde nos moldes propostos pela Conferência Internacional sobre Atenção Primária à Saúde se deu no Rio de Janeiro no ano de 1986, onde moradoras de favelas foram capacitadas, supervisionadas e remuneradas para desempenhar, em suas comunidades, ações básicas de saúde, em uma extensão de cobertura do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher e da Criança 9.

Tal qual em nosso estudo, a revisão mostra ainda que a metodologia mais empregada nos trabalhos publicados foi a experimental, fazendo uso de coleta de dados, grupos de comparação, estudos de acompanhamento ou estudos de casos. Contudo, não se encontrou estudos que buscassem avaliar o grau de conhecimento dos agentes comunitários de saúde em torno de um programa de saúde específico no qual este esteja inserido. Ainda que incorporados a diversos programas de saúde, como o combate à dengue, a saúde do idoso e a saúde materno-infantil, e desempenhando com eficiência uma série de atividades, em muitas outras circunstâncias os resultados não têm sido promissores. Sugere-se que isso se deva tanto à excessiva carga de atividades que estes recebem quanto a deficiências nos processos de seleção, treinamento e supervisão 15. Os achados deste estudo também apontam para a possibilidade de que as oportunidades inicialmente vislumbradas no processo de integração dos agentes comunitários de saúde ao controle da tuberculose não estejam se concretizando.

A realização da busca ativa de sintomáticos respiratórios para diagnóstico precoce de casos de tuberculose é uma das tarefas a ser realizada pelo agente comunitário de saúde nesta nova proposta de descentralização do PNCT. A fim de avaliar a incorporação dessa atividade, um estudo analisou a percepção dos enfermeiros supervisores do PACS de um distrito de saúde do Município de Ribeirão Preto, Estado de São Paulo. Da investigação dos discursos produzidos, debilidades referentes ao processo de conformação e organização do PACS foram levantadas. Dessas destacamos a capacitação insuficiente dos agentes 16. Tal constatação revela-se em nossos achados. De maneira geral, os agentes comunitários de saúde possuíam um conhecimento muito limitado da sintomatologia clássica da tuberculose, em especial no que se refere à tosse prolongada e, por conseguinte, quanto à definição de um sintomático respiratório. Apenas 3 dos 105 agentes comunitários de saúde souberam apresentar uma descrição correta do termo. Essa observação contrasta com o dado de que um quarto dos entrevistados (26/105) já havia identificado um novo caso de tuberculose. A consistência desse dado torna-se questionável quando avaliado que, de maneira geral, mesmo não entendendo a tosse prolongada como um sintoma importante, 20 das 26 identificações relatadas se deu por meio desta característica.

Chama a atenção o fato de o principal sintoma apontado pelos agentes comunitários de saúde ter sido a febre. Pela análise da cartilha distribuída aos agentes comunitários de saúde 11, esse sintoma é o que recebe menor destaque. A tosse e a falta de apetite/emagrecimento, além de explicitadas no texto, recebem ilustrações. Soma-se a isso o fato de esse ser o sintoma menos aparente da tuberculose. Além de indicar a falta de um treinamento específico sobre a doença, essas distorções nas informações apresentadas apontam a necessidade de investigações do processo de formação deste conhecimento.

No que tange ao conhecimento do processo de disseminação da tuberculose, os agentes comunitários de saúde entrevistados revelaram um nível de entendimento igualmente baixo. Apenas cerca da metade dos agentes comunitários de saúde foi capaz de oferecer uma resposta correta para essa questão. Em um estudo realizado na província de Tigray, Norte da Etiópia, que buscava avaliar os conhecimentos e o despreparo de agentes comunitários de saúde voluntários na supervisão de tratamentos de tuberculose pulmonar em uma região rural, registrou que 80,3% dos 279 agentes comunitários de saúde entrevistados foram capazes de reconhecer a tosse como principal forma de transmissão da doença, portanto superior ao observado entre os agentes comunitários de saúde entrevistados 17. Do estudo em Tigray sugere-se que as falhas no entendimento das causas e da transmissão da tuberculose podem levar a uma baixa adesão dos paciente ao tratamento, em especial pelas dificuldades que surgem da interação entre o cuidador e o doente.

Essa lacuna no conhecimento acerca da transmissão do M. tuberculosis possui implicações para além da orientação correta de pacientes e contactantes. Uma vez que, dentre suas atividades encontram-se a visita domiciliar e a supervisão da tomada da medicação, o agente comunitário de saúde torna-se, como os demais profissionais de saúde, exposto a um risco de infecção pelo bacilo superior ao da população em geral. Sabidamente, o contato com pacientes bacilíferos é o principal fator de risco para a infecção, evidenciado pela conversão tuberculínica 12. Essa percepção é confirmada em uma revisão sistemática da literatura sobre a tuberculose entre profissionais de saúde de países com baixa e média rendas, onde se observa que a tuberculose é um sério problema de saúde ocupacional entre eles 18. Ainda que na literatura esse risco não tenha sido quantificado entre agentes comunitários de saúde, a falta de conhecimento acerca da disseminação do agente infeccioso pode estar envolvida com a redução da sua capacidade de proteger-se de maneira adequada, intensificando este risco.

Deficiências importantes também foram observadas quanto ao entendimento acerca do tratamento supervisionado e da medicação utilizada. Por outro lado, o conhecimento sobre o diagnóstico revelou-se elevado. Pela avaliação do material educacional utilizado pelos agentes comunitários de saúde, não é possível compreender a distorção entre o conhecimento sobre cada área, uma vez que distinções aparentes não são feitas nas cartilhas. É possível, porém, que tal privilégio à detecção e não ao acompanhamento do tratamento se desenvolva na orientação dos agentes comunitários de saúde pelos seus supervisores nas unidades de saúde, devendo este processo de aprendizado ser alvo de investigação.

Pode ser observado por meio das respostas dadas ao questionário, tanto em relação às condutas a serem tomadas e orientações a serem dadas diante de um caso de tuberculose e aos seus contactantes, uma dificuldade no entendimento de ações necessárias ao manejo do caso. Esse achado contrasta com o nível sensivelmente superior de conhecimento acerca dos aspectos clínico-epidemiológicos da tuberculose. Resultado semelhante pode ser observado em estudo realizado no Iraque, onde os profissionais de saúde, entre os quais se incluíam os agentes comunitários de saúde, também demonstraram elevado conhecimento sobre a doença, mas grandes dificuldades no manejo do paciente suspeito de tuberculose 19. Também nesse sentido, a elevada proporção de casos de tuberculose falso-positivos encontrada em trabalho realizado em Burkina Faso indica um melhor treinamento desses profissionais 20. Disso sugere-se a necessidade de investimento não apenas em formação didática, mas também em um constante monitoramento das atividades por eles realizadas, no intuito de identificar suas fragilidades.

É importante também ressaltar que outra pesquisa realizada em Vitória por Maciel et al. 21 identificou que os enfermeiros e médicos possuem conhecimento suficiente sobre a tuberculose, no entanto, os resultados apontaram que não é o conhecimento, mas outros fatores os responsáveis pela manutenção desses índices da doença em nossa região. Esses resultados discordantes entre os dois estudos apontam para diferenças existentes entre as categorias profissionais e parecem indicar a pouca socialização do conhecimento na equipe multidisciplinar.

Um dos pontos que podem ser levantados é que, uma vez que o paciente chega ao serviço ele possui o atendimento necessário à sua demanda, talvez uma das principais dificuldades seja ainda a identificação destes pacientes de forma precoce na comunidade e seu acesso aos serviços de maneira adequada. Nosso estudo indica que a efetiva implantação dessa estratégia de busca ativa dos casos perpassa pelo investimento em treinamento dos agentes comunitários de saúde, que possuem um papel fundamental no controle da tuberculose.

Faz-se necessário, no entanto, apontar que as limitações do nosso estudo se referem principalmente à natureza do uso dos inquéritos do tipo "conhecimento, atitudes e percepções em saúde", pois como não realizamos a observação e avaliação efetiva da rotina dos agentes, nosso instrumento investigou apenas as dimensões cognitivas e valorativas dos agentes comunitários de saúde em relação ao controle da tuberculose e, portanto, as conclusões obtidas por este estudo refletem os enunciados dos entrevistados sobre suas ações, mas não podem descrever as atividades efetivamente desenvolvidas no cotidiano das unidades de saúde pelos agentes comunitários. Outro ponto a ser destacado é que em algumas perguntas houve um número alto de respostas em branco, o que pode ter influenciado a análise final com uma maior probabilidade de falhar em rejeitar a hipótese de que o tempo não tem influência sobre o conhecimento do agente comunitário de saúde, quando na verdade, esta hipótese deveria se rejeitada (erro do tipo II).

A despeito, porém, do nível de conhecimento apresentado por meio dos questionários, os agentes comunitários de saúde, em sua quase totalidade, acreditam que seu papel e suas atividades são importantes para o controle da tuberculose. Contudo, estes possuem uma percepção realista do seu nível de conhecimento acerca da doença e suas atividades. Um achado interessante é a influência produzida pelo tempo que o agente comunitário de saúde exerce suas atividades e a resposta dada quanto ao nível de conhecimento que possui. Maior proporção de agente comunitário de saúde com quatro ou mais anos de exercício nesta atividade avaliaram seu conhecimento como bom, ao passo que a maior parte daqueles com menos de quatro anos perceberam seu conhecimento como apenas regular, apresentando diferenças estatisticamente significantes. Em diversas outras questões o tempo de emprego revelou-se um importante definidor do nível de conhecimentos e das práticas realizadas, o que encontra subsídios no fato destes acumularem experiências no contato com os demais componentes da equipe de saúde e com a população, além da maior probabilidade de terem passado por treinamentos. No levantamento dos conhecimentos e das práticas dos profissionais de saúde realizado no Iraque, o conhecimento sobre a tuberculose esteve associado significativamente com a idade e o tempo de serviço 19.



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