Do combate ao suicídio
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Do combate ao suicídio



O efeito do combate sobre o risco de suicídio não termina com o combate, nem com a presença física na área do combate. Ele persiste, às vezes por muitos anos.

O conhecimento sobre esse efeito adveio da simples comparação entre ex-combatentes e uma população semelhante que não esteve em combate.

Essa recente pesquisa permite adiantar o conhecimento em duas frentes: ela estudou um batalhão, conhecido como o 2/7, o Second Battalion of the Seventh Marine Regiment, que esteve no Afeganistão com a missão de desalojar forças talibãs bem entrincheiradas em uma das áreas montanhosas do país. Seus participantes definem a região como hostil e difícil, e o inimigo como difícil e implacável. Foram batalhas com muitos mortos, dos dois lados. O batalhão foi dividido em muitos pequenos grupos, enfrentando um inimigo igualmente disperso. O “2/7” sofreu mais baixas do que qualquer unidade localizada nas montanhas. Um caso extremo de dureza e violência dos combates militares. Após voltarem para os Estados Unidos, os que regressaram à vida civil sofreram, como esperado, com os sintomas de PTSD (Desordem de Estresse Pós-Trauma). Ideações suicidas eram comuns entre eles.

Os resultados dessa extrema violência foram igualmente extremos. Os suicídios começaram durante o primeiro ano depois dos combates e continuaram durante os sete anos seguintes.

Como saber se as taxas de suicídio eram altas, fortalecendo a hipótese de que a exposição a situações estressantes, de combate, aumenta o risco de suicídio? Um artigo de um jornalista investigativo sério, Dave Phillips, mostra que a taxa de suicídios dos Marines ex-combatentes do “2/7” era quatro vezes mais alta do que a dos jovens homens ex-combatentes e 14 vezes mais alta do que a da população americana em geral.[i]

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Alguns desses ex-combatentes já chegaram mostrando problemas psicológicos. Após o regresso, suas vidas rapidamente deterioraram: muitos passaram a exibir sinais óbvios de depressão, sucumbiram ao alcoolismo e uso de drogas, que só pioraram as já difíceis relações com a família, levando a uma alta taxa de separações e divórcios, acrescida de problemas de relacionamento com amigos e conhecidos, inclusive os que eram definidos como amigos do peito. Vários se isolaram e/ou foram jogados no ostracismo. Esses são sinais de alerta para muitos que estão na estrada que leva ao suicídio.

Mas o suicídio não levou, apenas, os alcoólatras, drogados e solitários. Até veteranos que pareciam muito bem ajustados não conseguiam enfrentar as agruras da vida cotidiana e se suicidavam em grandes números.

O acompanhamento durou oito anos. A exposição de oito meses às difíceis condições daquela guerra continuava matando os ex-soldados oito anos depois. Dez vezes a duração do combate.

A sociologia e a psiquiatria aprenderam muito a respeito do PTSD e do suicídio estudando as vítimas de situações extremas, sobretudo de catástrofes naturais, como erupções vulcânicas, terremotos, enchentes, furacões e tsunamis. São, usualmente, exposições relativamente rápidas (o fenômeno durando minutos, horas ou dias), com consequências posteriores de longo prazo.

Guerras como a do Afeganistão significaram exposições a situações extremas que duraram, no caso desse batalhão, oito meses.

Podemos olhar ao redor e vislumbrar melhor o estresse e a dor de pessoas sujeitas à perda de entes queridos numa sociedade extremamente violenta, como a brasileira, e entender, também, o calvário de profissionais que passam não meses, mas muitos anos, expostos a situações estressantes intermitentes. Olhando ao redor, os policiais se enquadram nesses parâmetros. Sem concordar com um só caso de violência perpetrada ilegalmente por policiais, só temos a ganhar entendendo quão estressante é a vida dos policiais, sem deixar de fora a rejeição, que considero extrema e impensada, por parte de vários setores da sociedade, que é uma parte importante desse estresse. As altas taxas de ideações suicidas, trazidas à superfície pelas pesquisas do Gepesp. Afinal, como diferente dos militares do “2/7”, eles não têm sequer uma pátria onde são bem-vindos e bem tratados à qual voltar depois do combate.

GLÁUCIO SOARES - IESP/UERJ


[i] Dave Phillips “In Unit Stalked by Suicide, Veterans Try to Save One Another” The New York Times, 19 de setembro de 2015.





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