Exercício na saúde cardiovascular: cardio ou musculação, intenso ou moderado?
Saúde

Exercício na saúde cardiovascular: cardio ou musculação, intenso ou moderado?



Os benefícios do exercício na saúde cardiometabólica são de um modo geral reconhecidos. Os médicos prescrevem e recomendam a prática de desporto como adjuvante terapêutico e preventivo das doenças cardiovasculares. No entanto, o que ainda estou para ver é a mudança do velho paradigma do treino de endurance, prolongado por intermináveis e massacrantes minutos, para o treino de alta intensidade e de força, comprovadamente mais eficaz e menos penoso. Nesse sentido, dou o meu contributo ao relata-vos os resultados de um estudo recente que mostra a superioridade do treino de resistência muscular e de alta intensidade em parâmetros de risco metabólico [link].


A Sindrome Metabólica (SM) é um dos principais factores de risco para doenças cardiovasculares e diabetes. Muitos autores sugerem que seja agrupada nos factores de risco tradicionais, como o sexo, idade, hábitos tabágicos, pressão arterial, e colesterol (damn!), naquilo a que se virá a chamar "risco cardiometabólico". A Síndrome Metabólica é um cluster de disfunções bioquímicas e fisiológicas que tendem a aparecer em conjunto em pessoas de elevado risco, nomeadamente obesidade abdominal, pressão arterial elevada, triglicéridos elevados, HDL-c baixo, glicémia de jejum aumentada, ácido úrico elevado, e, muito importante, resistência à insulina. Os critérios e valores de corte utilizados para diagnóstico variam mas os definidos no NCEP-ATP III são os mais utilizados:


Uma equipa de investigadores testou o impacto de diferentes programas de exercício físico aliados a uma dieta de restrição calórica (- 500 kcal/d, 1,2 g de proteína por Kg) em pessoas com SM (50-70 anos). Os programas consistiam nas módicas 15-20 h de treino por semana! 90 min de treino cardiorespiratório (endurance, E) todos os dias e 90 min de resistência muscular (R), treino de força, 4 vezes por semana. As intensidades variaram entre os 30 e os 70%: R moderado e E moderado (re), R intenso e E moderado (Re), e R moderado e E intenso (rE). Durante as primeiras 3 semanas os participantes foram acompanhados num programa residencial, seguido de um follow-up de 1 ano.

Os resultados são deveras interessantes e, de acordo com eles, a intensidade parece ser o factor determinante para o maior sucesso da intervenção. O treino Re, com resistência muscular intensa (70% RM) e endurance moderado (30 %), foi mais eficaz em vários parâmetros relevantes: aumento de força, melhoria significativa da HbA1c, um indicador do controlo glicémico, também da glicémia em jejum, redução da espessura da carótida (um indicador de risco cardiovascular), um rácio gordura/músculo mais favorável,  e, muito importante, maior perda de gordura abdominal:


Concluindo, e citando os autores, "o treino de resistência muscular de alta intensidade induz uma perda de gordura visceral mais rápida e, como tal, o potencial do treino de força não deve ser subestimando". Repito: "o potencial do treino de força não deve ser subestimando". Lembremo-nos que a acumulação de gordura na zona abdominal é um dos principais factores de risco cardiometabólico, estando até na base patofisiológica de quase todos os outros.

As melhorias mais significativas com o treino de força em parâmetros do controlo da glicémia só surpreendem os mais desatentos porque são consistentes na literatura e já foi tema aqui no blog [link]. O aumento da massa muscular ajuda a controlar a glicémia, não fosse o músculo um órgão exímio nisso quando estimulado. A contração favorece a captação de glicose do sangue por vias independentes da insulina. Além disso, o gasto acentuado do glicogénio com o treino de força aumenta a capacidade de retenção da glicose circulante no músculo. Por tudo isto, não entendo porque o treino de força ainda não é entusiasticamente recomendado para indivíduos com SM, resistência à insulina, ou diabetes.

É claro que tenho um grande problema com este estudo. Não acredito que pessoas com 50-70 anos, sedentárias antes do estudo, e em restrição calórica, tenham treinado 20 h por semana durante o follow-up em casa. Na verdade, espero mesmo que não o tenham feito. Parece-me uma carga absurdamente alta e sem aplicação prática na vida de um comum mortal, com emprego, família, e bom-senso.

Concluindo, os resultados deste estudo têm uma questionável aplicação prática devido ao volume exagerado de treino. No entanto, podemos dizer que o treino de força, em intensidade digna desse nome, é mais favorável na atenuação do risco cardiometabólico e redução da gordura abdominal. E se quer este tipo de resultados, agarre-se aos pesos, e agarre-se com força, complementando com algum trabalho cardiorespiratório.





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