Famílias opressoras
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Famílias opressoras


Na maior parte dos casos, a existência de familiares é um fator positivo para seus membros, embora em quase todos a influência da família pudesse ser melhor. Há alguns casos não extremos, que não incluem alcoolismo, adição nem violência aberta, nas que a família, ou alguém dentro dela, pode ter um efeito deletério para a vida de um ou mais de seus membros.
As famílias variam no tempo e no espaço, não significam a mesma coisa em todos os lugares. Uma das características que varia bastante é a inviolabilidade do espaço individual ou do espaço de novas famílias. Minha ampla experiência nos Estados Unidos e, secundariamente, na Inglaterra, conjugada com ser filho único, me treinou a respeitar muito mais os espaços individuais, do que é tradicional nas culturas latinas. No Brasil, fico, às vezes, pasmo com o grau de interferência de familiares na vida dos mais jovens, inclusive nas famílias desses últimos. Muitos se intrometem, dão palpites, conselhos, opiniões, sem serem solicitados.
Mães e pais controladores e intervencionistas podem causar muito estresse aos filhos e filhas e seus cônjuges. Uma senhora que conheci recentemente, agora na casa dos 50, não se impõe limites ao tratar com a família dos filhos e filhas. Muitas coisas e áreas que, em outras culturas, não são da conta dos pais, são invadidas por ela. Um filho e a esposa, que foi rejeitada por ela, tiveram que mudar de sua cidade. Foram para bem longe, no sul do país, onde vivem felizes há muitos anos. Essa mesma senhora chorou copiosamente durante toda a cerimônia de casamento de outro filho porque achava que a nora não seria uma boa esposa. Pessoas como ela podem causar muita dor e muito estresse. São pessoas que combinam uma extrema arrogância (elas sabem o que é melhor para outros) com uma dose elevada de autoritarismo. É uma combinação letal. Esses traços negativos podem estar presentes em pessoas com muitas qualidades, generosas, devotas, dedicadas etc.
Em outro caso, de uma família nordestina extensa, uma das filhas casou com um homem com muito mais educação do que a família. O marido, americano, não estava habituado a ver problemas de casais debatidos com e por outras pessoas além da esposa e dos filhos, mas a família considerava que as relações do casal podem e devem ser discutidas "publicamente". Evidentemente, o marido se retraiu e evitou a família da mulher, o que gerou reações fortíssimas. Era gringo, frio, metido e o mais. A nacionalidade, por um lado, e o nível educacional mais alto, pelo outro, passaram a ser fatores negativos. A mulher passou a ocupar a posição nada invejável de amar o marido e ser puxada para longe dele por uma família que se intrometia no seu casamento. Na cultura americana é inconcebível que problemas matrimoniais sejam discutidos em assembléias familiares.
Falamos, frequentemente, a respeito da necessidade de impor limites aos filhos, mas é preciso discutir, também, a necessidade de impor limites aos pais, aos irmãos, aos tios, aos avós etc. Ao rejeitar um cônjuge, colocamos nossos filhos na difícil situação de escolher entre o esposo ou a esposa e a família de origem. É uma situação muito estressante que destrói muitos casamentos. O cônjuge rejeitado pode aceitar a rejeição e cuidar da sua própria vida, mas o filho ou filha não pode estar em dois lugares ao mesmo tempo. E os filhos deles viverão longe dessa avó e desse avô, perdendo esses contatos e fontes de carinho.
Esses problemas estão inseridos numa trama social maior. Em 20-25 anos, tempo que separa uma geração da outra, o nível educacional da população brasileira aumentou muito. Novos hábitos, como o uso de computadores e o acesso à internet, aumentaram a distância do conhecimento entre as gerações. Não se trata, apenas, de mais do mesmo, mas os valores e formas de pensar se modificaram. Ao mesmo tempo, o Brasil se urbanizou e pessoas que foram formadas para a vida em zonas rurais e cidades pequenas hoje vivem em cidades grandes e seus filhos e filhas nasceram e cresceram num mundo muito diferente. Casamento ou não, há muitos conflitos e um abismo cognitivo. São culturas diferentes.
Os dados mostram com clareza que a família exerce uma influência positiva sobre as pessoas, mas os dados se referem em sua maioria à família nuclear e não à família extensa, sobre a qual há menos informações sistemáticas.
Os comportamentos intervencionistas de membros das famílias provocam muitos conflitos. Pais e mães precisam saber quando devem permitir que filhos e filhas tomem suas decisões. Pais e mães que pretendem controlar e redirecionar a vida de filhos grandes, com freqüência mais educados, devem aprender a se controlar e se transformar em fontes de apoio e conversa e não de críticas e rejeição. O intervencionismo pode ser uma fonte de estresse e contribuir para depressões sérias. O autoritarismo pode surgir até em situações extremas, como a de um câncer, nas quais a família decide, usualmente com a conivência do médico, o que o paciente deve saber e o que não deve saber. Eu creio firmemente que é um direito do paciente saber qual a sua doença, qual a gravidade, quais as opções de tratamento. São decisões nossas, como pacientes adultos, e de mais ninguém.


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