Fruta e sumo de fruta natural: serão alimentos comparáveis?
Saúde

Fruta e sumo de fruta natural: serão alimentos comparáveis?



Os sumos de fruta naturais, 100% à base de fruta, são vistos por muita gente como uma opção saudável para quem se preocupa com o peso e até saúde. Mas como se comparam à fruta no que diz respeito à saciedade, valor nutricional e controlo glicémico? Serão mesmo opções saudáveis ou bebidas a evitar? Há algum tempo fizeram-me esta pergunta, sugerindo um artigo sobre esse mesmo assunto aqui no blog. Não há altura melhor do que pleno Agosto, quando o calor aperta e chama por bebidas frescas, para falar um pouco sobre isso.

Os sumos 100% naturais estão "protegidos" pelo efeito auréola da fruta. Se são só fruta, então devem ser saudáveis. Mas é bom que entendamos que existem diferenças substanciais entre a fruta em si e o sumo que lhes é extraído. Apesar do valor nutricional em vitaminas e minerais, a fruta contém também açúcar: sacarose, frutose, e glicose. É por isso que gostamos tanto dela... É doce. Para fazer um copo de sumo, muito dificilmente chegará uma única peça de fruta, pelo que a quantidade de açúcar é maior comparativamente a uma porção de fruta intacta. Precisa de pelo menos 2 laranjas para fazer 200 ml de sumo. Mais açúcar, e mais energia de rápida absorção.

A disponibilidade do açúcar é também muito diferente entre o sumo e a fruta. Enquanto que na fruta temos os hidratos de carbono retidos essencialmente dentro das células - celulares -  nos sumos os açúcares são libertados para a solução durante o processo de extração que destrói as paredes celulares - hidratos de carbono acelulares. Ora, esta parede celular é de natureza fibrosa e de difícil digestão. A velocidade de extração dos açúcares presentes na fruta sólida é inferior à dos sumos, gerando picos de glicémia bem distintos - os sumos de fruta têm, de um modo geral, um Índice Glicémico (IG) superior.

Os alimentos líquidos são normalmente menos saciantes do que os sólidos. Se a velocidade de absorção é rápida e são gerados picos elevados de glicémia, a descida subsequente gera fome precoce. Uma espécie de hipoglicémia reactiva mas que na verdade nem precisa de descer abaixo do basal. Os nossos glucoreceptores cerebrais são sensíveis a flutuações na glicémia, e tão tanto a glicémias absolutas. Além disso, o tempo de retenção gástrica é bem distinto entre os sólidos e os líquidos, especialmente os de grande fluidez. Estes passam quase instantaneamente do estômago para o duodeno onde são rapidamente absorvidos para o sangue. Pelo contrário, os alimentos sólidos passam para o duodeno de forma pulsátil, reduzindo assim a velocidade de absorção intestinal. Deixo-vos um gráfico que compara as curvas de glicémia após ingestão de doses equiparáveis de arroz (BR), esparguete (SP), sumo de laranja natural (OJ), e um sumo de fruta açucarado (SSD) [link]. Clique na imagem para ampliar. Como pode observar, os alimentos líquidos geram picos mais acentuados de glicémia e quebras mais abruptas que os sólidos.



A questão do maior IG pode até não ser muito significativa em indivíduos com uma boa tolerância a glicose e sensibilidade à insulina. Na verdade, para algumas frutas como a laranja por exemplo, a diferença de magnitude do IG não ultrapassa as 10 unidades (se o sumo não tiver açúcar adicionado obviamente). Mas um problema com o IG é que depende da capacidade individual de controlo da glicémia. Além disso, o IG é insensível à dinâmica da glicémia e amplitude dos picos. Em diabéticos ou indivíduos resistentes à insulina, o impacto de um sumo de fruta pode ser bem distinto. Recupero aqui um estudo já antigo que comparou a glicémia em diabéticos após ingestão de gomos de laranja, sumo de laranja, ou coca-cola regular [link].


Como podemos observar nas curvas de glicémia, o sumo de laranja teve um impacto na glicémia semelhante à coca-cola. Isso mesmo. Não parecem existir diferenças entre as bebidas. Quando deixa de fazer parte das células e passa a solução, açúcar é açúcar, venha ele da fruta ou de um refrigerante. Claro que estamos apenas e só a comparar o impacto na glicémia, sem ter em conta o valor nutricional das bebidas.

Quando extraímos o sumo da fruta, a casca e muita da polpa são perdidas. Ora, é aqui que se concentra a fibra e muitos micronutrientes que serão excluídos no sumo. Quando faz um sumo, pelo menos garanta que incluí a polpa para aumentar o teor de fibra e valor nutricional, embora o impacto a nível da glicémia não seja significativo. Em solução, o açúcar livre está facilmente disponível, embora a fibra possa atrasar ligeiramente o esvaziamento gástrico.

Dito isto, não é de estranhar que alguns estudos epidemiológicos tenham associado o consumo de sumos de fruta naturais a muitos dos problemas que só imaginamos para os refrigerantes. O problema pode ser amplificado pelo efeito auréola que muitos vêem nestas bebidas. Sendo fruta, então podem beber mais porque é saudável. Mas a verdade é que se tratam de bebidas ricas em açúcar livre, mesmo com todo o valor em vitaminas e minerais que lhes pode ser reconhecido. Claro que são melhores do que qualquer refrigerante. Isso é indiscutível. Mas isso não significa que devam ser ingeridos com frequência, nem tão pouco que possam ser comparados à fruta no seu estado natural. Na verdade, até a fruta deve ser ingerida com moderação, embora possa muito bem fazer parte da dieta no dia-a-dia.






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