Iodo no sal: limite entre proteção e riscos à tireoide
Saúde

Iodo no sal: limite entre proteção e riscos à tireoide


Larissa Araújo e Renata Reis, 2013

A adição de iodo ao sal no Brasil tornou-se obrigatória após uma endemia de bócio acometer diversas regiões e tinha como objetivo prevenir esta desordem que acomete a tireoide, o que efetivamente ocorreu. Porém, o aumento crescente do número de casos de hipertireoidismo e tireoidite de Hashimoto levou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) a reduzir o teor de iodo que deve ser adicionado pelas indústrias ao sal. Afinal, o problema está no iodo ou na quantidade de sal que é consumida pela população?

Figura 1 – Sal iodado Cisne (à esquerda) e esquematização da localização da glândula tireoide (à direita)


Apresentação do produto
Este trabalho será baseado no Sal Refinado Extra Cisne tradicional iodado (figura 1), cujas informações nutricionais estão mostradas na tabela 1, adquirido em mercado local, na legislação vigente relacionada à iodatação do sal e em dados relacionados ao consumo de iodo pela população da Organização Mundial de Saúde.


Tabela 1 – Dados do rótulo do produto

Informação Nutricional (Porção de 1g)
Quantidade por porção
% VD (*)
Sódio
390mg
16%
Iodo
25mcg
19%

Não contém quantidades significativas de valor energético, carboidratos, proteínas, gorduras totais, gorduras saturadas, gorduras trans e fibra alimentar.
* % Valores Diários de referência (IDR) com base em uma dieta de 2.000kcal ou 8.400kJ. Seus valores diários podem ser maiores ou menores, dependendo de suas necessidades energéticas.
Ingredientes: Sal Refinado Extra, Iodato de Potássio. Antiumectantes: Ferrocianeto de Sódio e Dióxido de Silício. NÃO CONTÉM GLÚTEN.


             A deficiência de iodo ocorre quando a sua ingestão é abaixo da recomendada e isso faz com que a tireoide não seja mais capaz de sintetizar quantidades suficientes de hormônios tireoidianos. Os baixos níveis desses hormônios no sangue (hipotireoidismo) é o principal fator responsável por danos ao cérebro em desenvolvimento e outros efeitos danosos conhecidos como desordens por deficiência de iodo, que vão além do bócio (hipertrofia da tireoide) e do cretinismo (deficiência mental em crianças provocada por hipotireoidismo congênito) [1].

Legislação
Na primeira metade do século 20, vários pesquisadores observaram uma alta prevalência de bócio nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil devido à carência de iodo na alimentação, o que levou à promulgação da lei nº 1.944, de 14 de agosto de 1953, obrigando a iodatação (adição de iodo na proporção de 10 mg/kg de cloreto de sódio) do sal refinado ou moído à venda nas áreas bocígenas do país [2]. Porém esta foi revogada pela lei nº 6.150, de 3 de dezembro de 1974, que obriga a iodatação do sal destinado ao consumo humano e dispõe sobre seu controle pelos órgãos sanitários [3]. A Resolução RDC nº 130, de 26 de maio de 2003, da ANVISA estabeleceu que o sal próprio para o consumo humano será considerado aquele com teor de iodo igual ou superior a 20-60 mg/kg de produto [4]. Recentemente, a ANVISA reduziu este teor para 15-45 mg de iodo/kg de produto com a publicação da Resolução RDC nº 23, de 24 de abril de 2013 [5].
Segundo a OMS [1], a iodatação é uma estratégia segura, custo-efetiva e sustentável para garantir a ingestão suficiente de iodo para todos os indivíduos e é muito efetiva no combate às desordens por deficiência de iodo, devendo a concentração de iodo no sal deve ser de 20-40 mg de iodo por quilograma de sal.

Fundamentos Bromatológicos
A dose diária recomendada de iodo, segundo a OMS, varia de acordo com a faixa etária conforme mostrado na Tabela 2.

Tabela 2 - Recomendações para ingestão de iodo.

Idade ou Grupo Populacional
OMS/DDR (mcg/dia)
Crianças 0-5 anos
90
Crianças 6-12 anos
120
Adultos > 12 anos
150
Gravidez e Lactação
250
Fonte: OMS - Organização Mundial de Saúde [1]

Um estudo epidemiológico realizado pela Faculdade de Medicina da USP e a Unidade de Tireoide do Hospital das Clínicas, em 2004 e 2005, constatou um aumento do número de casos de Tireoidite de Hashimoto em função do consumo excessivo de iodo contido no sal de cozinha [6]. A Tireoidite de Hashimoto é uma doença autoimune na qual o próprio organismo produz anticorpos contra a glândula tireoide, levando a uma inflamação crônica que pode acarretar o bócio e o hipotireoidismo. Isto ocorrerá na parcela da população geneticamente suscetível à autoimunidade.
Além disso, o iodo em excesso pode desencadear o hipertireoidismo, onde há altos níveis de hormônios tireoidianos (T3 e T4) e baixos níveis do hormônio estimulador da tireoide. Seus sintomas principais são taquicardia, perda significativa de apetite e peso, ansiedade, aumento de sudorese, fadiga e, no caso das mulheres, irregularidades menstruais.
Levando em consideração os dados do rótulo do produto escolhido (tabela 1) e as recomendações para ingestão de iodo da OMS (tabela 2) , será calculada a quantidade de produto a ser consumida para satisfazer a DDR de iodo para cada faixa etária e verificado se esta satisfaz as necessidades diárias sem prejuízos à saúde, resultados mostrados na tabela 3.

Tabela 3 – Resultados dos cálculos propostos

Idade ou grupo popu-lacional
DDR de iodo (mcg/dia)
Quantidade de produto que corresponde à DDR de iodo (g/dia)
Quantidade de sódio contida no produto que corresponde à DDR de iodo (mg/dia)
Crianças 0-5 anos
90
3,6
1.404
Crianças 6-12 anos
120
4,8
1.872
Adultos > 12 anos
150
6,0
2.340
Gravidez e Lactação
250
10,0
3.900

Discussão
           O produto escolhido apresenta um teor de iodo igual a 25 mg de iodo/kg de sal, estando de acordo com a legislação vigente (RDC 23/2013).
A OMS recomenda a ingestão diária de até 5g de sal e de até 2000 mg de sódio [7]. Sendo assim, a ingestão da quantidade de produto indicada na terceira coluna da tabela 3 é adequada para crianças de 0-5 anos e de 6-12 anos. Para adultos > 12 anos, a ingestão satisfaz as necessidades diárias de iodo, mas ultrapassa as de sódio, o que pode ser prejudicial por ser um fator de risco ao desenvolvimento de hipertensão. Já para gestantes e mulheres em lactação, seria recomendável a ingestão de um suplemento de iodo para suprir as suas necessidades diárias porque o consumo do produto escolhido levaria à ingesta de quase o dobro da necessidade diária de sódio.
Foi constatado pelo IBGE que houve um dobro do consumo de sal que deveria ser ingerido segundo a OMS, cerca de 12g por dia [8], o que aumenta significativamente o risco de se desenvolver hipertireoidismo ou tireoidite de Hashimoto.

Conclusão     
Sendo assim, pode-se concluir que a ingestão diária de sal deve ser adequada para garantir que se obtenha a quantidade recomendada de iodo para evitar o aparecimento de desordens da tireoide por carência ou excesso desse micronutriente e não se ultrapasse a ingestão recomendada de sódio, o que pode ser obtido através da ingestão de alimentos ricos em iodo como os de origem marinha (ostras, moluscos e outros mariscos e peixes de água salgada), leite e ovos (desde que oriundos de animais que tenham pastado em solos ricos em iodo ou que foram alimentados com rações que continham o nutriente) e vegetais oriundos de solos ricos em iodo [9].

Referências Bibliográficas:

[1] WHO. Assessment of Iodine Deficiency Disorders and Monitoring their Elimination: A Guide For Programme Managers, 3 ed. Geneva: WHO; 2007.
[2] BRASIL. Presidência da República. Lei ordinária nº 1.944, de 14 de agosto de 1953. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/L1944.htm> Acesso: 10/08/13.
[3] BRASIL. Presidência da República. Lei ordinária nº 6.150, de 3 de dezembro de 1974. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6150.htm#art7> Acesso: 10/08/13.
[4] BRASIL. Ministério da Saúde, Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução de Diretoria Colegiada RDC nº 130, de 26 de maio de 2003. Dispõe sobre o teor de iodo que deve conter o sal destinado ao consumo humano. D.O.U. - Diário Oficial da União; Poder Executivo, de 28 de maio de 2003.
[5] BRASIL. Ministério da Saúde, Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução de Diretoria Colegiada RDC nº 23, de 24 de abril de 2013.Dispõe sobre o teor de iodo no sal destinado ao consumo humano e dá outras providências. D.O.U. - Diário Oficial da União; Poder Executivo, de 25 de abril de 2013.
[6] Dr. Geraldo Medeiros Neto. Excesso de iodo nutricional provoca aumento de casos de doenças na tireoide.Disponível em: <http://www.nutricaoempauta.com.br/lista_artigo.php?cod=472> Acesso: 10/08/13.
[7] WHO issues new guidance on dietary salt and potassium. Disponível em: <http://www.who.int/mediacentre/news/notes/2013/salt_potassium_20130131/en/> Acesso: 10/08/13.
[8] PORTAL BRASIL. Campanha da Saúde vai alertar para o alto consumo de sal no País. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2011/07/22/campanha-da-saude-vai-alertar-para-o-alto-consumo-de-sal-no-pais> Acesso: 10/08/13.
[9] Coordenação Geral de Alimentação e Nutrição - CGAN. Deficiência de iodo. Disponível em: <http://nutricao.saude.gov.br/iodo_informacoes.php> Acesso: 10/08/13.



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