Pesquisas com animais: necessidade com responsabilidade
Saúde

Pesquisas com animais: necessidade com responsabilidade


Clóvis de Paula Santos*

Você já parou para pensar como são produzidos os medicamentos ou equipamentos usados em hospitais ou clínicas no diagnóstico ou tratamento de inúmeras doenças? Se ainda não, é importante saber que, em alguma etapa do seu método de desenvolvimento, houve a utilização de animais, quer seja diretamente na pesquisa, ou para se avaliar a qualidade do produto a ser utilizado.

O uso de animais para fins científicos é uma prática adotada há séculos. Há registros que antecedem a Jesus Cristo, como o do filosófo grego Aristóteles (384 - 322 a.c.), que em seus estudos estabelecia semelhanças e diferenças funcionais e de conformação entre órgãos de animais e de seres humanos. Desde este momento inicial, com caráter mais descritivo, é notória a evolução das pesquisas utilizando animais. Hoje se reconhece que, sem isso, não teria sido possível chegarmos a todo o conhecimento dos mecanismos dos processos vitais, bem como ao aperfeiçoamento dos métodos de prevenção, diagnóstico e tratamento das doenças existentes e daquelas que irão surgir — tanto na medicina humana quanto na veterinária.

Um bom exemplo do quanto este conhecimento nos ajuda em nosso dia a dia — sem que muitas vezes nos demos conta — são as doenças cardiovasculares, que afetam milhões de pessoas no mundo inteiro. No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, este grupo de doenças — que inclui o infarto e o acidente vascular cerebral (AVC) — está entre as principais causas de óbito.

Pois bem, muito provavelmente você já ouviu falar em eletrocardiograma, cateter, angiograma, desfribrilador etc. Estas são algumas das metodologias de diagnóstico para avaliar o estado de funcionamento do coração ou sua recuperação e foram desenvolvidos tendo-se como base estudos, sobretudo em cães.

Outro exemplo é o tratamento do câncer. Para se ter uma ideia, na década de 1930, para cada cinco vitimas da doença, menos de uma tinha sobrevida de cinco anos. Hoje em dia quase metade das pessoas diagnosticadas sobrevive mais de cinco anos e, em muitos casos, nunca mais a doença reaparece. As galinhas foram um dos primeiros modelos para se explicar como o câncer cresce e se espalha. O uso de quimioterapia, radiação e cirurgia, que são métodos de tratamento, foram desenvolvidos sobretudo em camundongos, ratos, cães, macacos, dentre outros animais. As vacinas ou medicamentos que utilizamos são também outro bom exemplo. Antes que possam ser comercializados, tais produtos devem obrigatoriamente ter sua qualidade testada em animais. Portanto, devemos reconhecer que os animais foram e continuam sendo muito importantes para o desenvolvimento científico na área de medicina.

Para evitar o uso de animais de maneira indiscriminada e sem critérios éticos, existem hoje regras a serem seguidas, mas nem sempre foi assim. Durante muito tempo, existiu a visão de que não deveríamos ter nenhuma preocupação moral a respeito do uso dos animais em experiências científicas. Contudo, esta concepção vendo sendo alterada principalmente a partir do século 18. Algo extremamente relevante em relação aos aspectos éticos da experimentação são os princípios propostos por dois cientistas, Russel e Burch, em 1959. Segundo eles, o caminho da investigação cientifica deve se basear em três “R”: Replacement (substituição), Reduction (redução) e Refinement (refinamento). Ou seja, sempre que for possível, deve haver a substituição de animais por sistemas não sensíveis, tais como cultura de tecidos ou uso de plantas. A redução do uso de animais poderia ser conseguida pelo uso de experimentos bem desenhados e métodos estatísticos apropriados. Os procedimentos experimentais poderiam ser melhorados pelo refinamento dos métodos usados, tais como o uso de procedimentos menos estressantes ou animais mais baixos na escala evolutiva.

Além de critérios éticos, o uso de animais na ciência esta sujeito a questões legislativas. A Inglaterra foi um dos países pioneiros a criar e aperfeiçoar as leis regulando o uso de animais. Hoje em dia grande parte dos países tem a preocupação de regulamentar o uso de animais criados para experimentação e possui legislação semelhante à inglesa.

Recentemente o Brasil pôde enfim ter uma lei federal estabelecendo procedimentos de conduta para o uso científico de animais. A lei 11.794, de 08 de outubro de 2008, também denominada Lei Arouca, em homenagem ao falecido deputado Sérgio Arouca, foi regulamentada em julho do ano passado através do decreto 6.899/09. Estão previstas nesta legislação a criação, composição e funcionamento de um órgão em nível federal ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, já funcionando, denominado Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea). A criação ou utilização de animais para pesquisa ficarão restritas, exclusivamente, às instituições credenciadas junto ao devido conselho, ficando o credenciamento dependente da criação prévia de uma Comissão de ética no uso de animais (Ceua). Além disto, estão sujeitas a penalidades como advertência, multa, suspensão, interdição temporária e definitiva aquelas instituições ou pessoas que transgredirem atividades reguladas nestas leis.

Muitas instituições há anos antecederam a regulação da Lei Arouca e já contam com os comitês de éticas institucionais. Na UENF a Ceua foi instituída em 2002. Nestes oito anos de funcionamento, 124 projetos foram submetidos e, deste total, 99 foram avaliados, 16 estão em avaliação e oito foram cancelados. Dos avaliados, cinco caducaram, um foi reprovado e os demais foram aprovados. Os projetos abrangem diversas áreas, como Anestesiologia, Bem-Estar Animal, Cirurgia: Transplante, Aperfeiçoamento de Metodologias, Comportamento Animal, Farmacologia, Imunologia/Diagnóstico, Morfologia/Anatomia, Parasitologia, Parasitologia/Bioquímica, Parasitologia/imunologia, Reprodução, Terapia Celular, Nutrição, Virologia, Biologia Molecular e Patologia Clínica.

Embora já com este tempo de funcionamento, a maioria (80%) destes processos vem tramitando de 2008 para cá. Recentemente, recebemos apoio da FAPERJ. Com isto será possível adquirir e mobiliar um espaço cedido pela Reitoria e contratar serviço para desenvolvimento de base de dados e interface para gestão de projetos sob deliberação da Ceua. Desta maneira acreditamos que a comissão estará melhor estruturada para um pleno funcionamento.

(Artigo publicado na Revista Nossa UENF, nº 02, agosto/setembro de 2010)

* Professor e pesquisador do Laboratório de Biologia Celular e Tecidual (LBCT) da UENF e presidente da Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA) da UENF.





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