Porque não deve exagerar na restrição de sal
Saúde

Porque não deve exagerar na restrição de sal



A par do colesterol e das gorduras saturadas, somos constantemente bombardeados com recomendações para reduzir o consumo de sal. A prevalência de hipertensão arterial em Portugal é das mais altas que se conhece, o que se traduz num elevado risco de doença cerebrovascular ou AVC. O sal, mais precisamente o sódio que o constitui, é de facto um dos vários factores que pode levar à hipertensão. O sódio pode causar alguma retenção de líquidos e hipervolémia, aumentando assim a pressão nos vasos sanguíneos - hipertensão. Mas será que as recomendações generalizadas para restringir o seu consumo são justificadas e "saudáveis"? As necessidades de sódio são iguais para toda a gente? Dirijo-me em particular aos entusiastas do fitness e culturismo que procuram na restrição de sódio um look mais "hard" e denso. Talvez não seja a melhor das ideias adoptar esta estratégia a longo prazo.


Quando alguém ligado ao fitness me procura, uma das primeiras perguntas que faço é sobre o consumo de sal. É impressionante a quantidade de atletas, recreativos ou não, que restringem severamente o consumo de sódio. Não utilizam sal para cozinhar, procuram alimentos baixos em sódio, e evitam, bem diga-se, todos os alimentos processados mais ricos em sal. E fazem isto sempre, durante todo o ano. Justificam-se com uma tentativa de reduzir a retenção de líquidos para um aspecto mais definido e "seco". A verdade é que esta estratégia poderá estar a sair furada.

Sempre que possível sugiro que façam uma análise sanguínea à aldosterona, um mineralocorticóide produzido nas suprarenais que controla o nosso balanço electrolítico. Quase invariavelmente verificam-se valores altíssimos! A aldosterona tem como função poupar sódio, e fá-lo aumentando a reabsorção renal. Se o consumo de sódio é muito baixo, a aldosterona dispara para preservar o pouco que está disponível. Se consumir-mos uma quantidade normal de sódio regularmente, que se situa nos 2600-4800 mg [link] dependendo da pessoa, a aldosterona é inibida e a retenção é menor. Somos mais eficientes a excretar sódio de forma a equilibrar o consumo com os níveis normais do organismo.

Isto não é apenas teoria e está de facto comprovado em ensaios clínicos. Feldman observou que a restrição dietética de sódio está associada a uma redução da excreção urinária [link], o que não é estranho, mas que essa redução não foi acompanhada por um abaixamento da tensão arterial. A concentração de sódio no sangue é muito regulada e os seus níveis variam pouco com as manipulações na dieta.

Mas os resultados de Feldman vão mais além. A restrição de sódio provocou uma diminuição no rácio glicose/insulina, o que sugere resistência sistémica à insulina. Por outras palavras, para uma mesma quantidade de glicose é necessária mais insulina para captação e metabolização das células - hiperinsulinémia. Já falámos um pouco desta questão aqui no blog [link]. O baixo consumo de sal pode de facto aumentar a resistência à insulina em pessoas saudáveis. Quando o volume de sangue baixa ou quando o consumo de sódio é insuficiente, os rins secretam renina. Esta renina promove a conversão do angiotensinogénio em angiotensina, que por sua vez estimula a produção de aldosterona. Este é o chamado eixo renina-angiotensina-aldosterona, fundamental para manter o equilíbrio electrolítico. O problema é que a angiotensina não é propriamente a nossa melhor amiga quando elevada de forma crónica. Está directamente implicada na resistência à insulina, produção de radicais livres nos vasos, e risco cardiovascular!

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Um dos efeitos dessa resistência à insulina é uma menor capacidade vasodilatação. Isto pode ser causado pela menor produção de óxido nítrico, onde a insulina desempenha um papel importante, ou pela produção exacerbada de radicais livres no endotélio. Estes radicais degradam o NO antes deste chegar ao músculo liso, onde promove relaxamento e vasodilatação. A angiotensina aumenta essa produção através de um estímulo às NADPH oxidases. Na verdade, a angiotensina é um dos principais factores que explica a resistência à insulina numa dieta demasiado restritiva em sódio. Sem sódio a capacidade de vasodilatar é reduzida. Esta menor vasodilatação induzida explica em parte um dos efeitos da restrição crónica de sódio em atletas - pouco congestionamento ("pump") no treino! Além disso o sódio é necessário para a contracção e produção de força, dependente da bomba sódio-potássio, um processo que fica comprometido quando a restrição vai longe demais.

A resistência à insulina é um estado hipercatabólico no músculo. Embora o efeito anabólico da insulina seja por demais sobrevalorizado quando a comparamos ao treino e à disponibilidade de aminoácidos, trata-se do melhor anti-catabólico que conhecemos. No fundo o resultado vai dar ao mesmo: um balanço positivo entre o anabolismo e catabolismo que se traduz em desenvolvimento muscular. A resposta à insulina é crucial neste processo, e a maioria das estratégias bem sucedidas passam por promover a sensibilidade como primer para o balanço proteico positivo. O treino por si favorece a sensibilidade à insulina, mas não é certo que compense por completo o efeito negativo da restrição de sódio, que poderá estar a comprometer os seus resultados do exercício. Na verdade até o pode estar a fazer engordar...

Se bem se lembram, quando falei da importância da cheat meal, disse que após essa "loucura" nos deveríamos ver mais vascularizados e "hard", e não com um aspecto inchado da retenção de líquidos [link]. Bom, mas isto é quase certo se andou a cortar demasiado no sódio durante a dieta, especialmente se essa cheat meal for mais rica em sódio do que o habitual! Não só estará mais resistente à insulina pelos motivos já mencionados, como também vai ingerir muito sódio numa altura em que a aldosterona está elevada. O resultado óbvio: uma retenção brutal de sódio e líquidos! 

Um outro aspecto menos falado prende-se com a própria saúde adrenal. A produção aumentada de aldosterona com níveis baixos de sódio induz stress na glândula que pode levar a uma disfunção - fadiga adrenal crónica. Neste estado, também a produção de cortisol fica afectada, comprometendo a capacidade do atleta em lidar com situações de stress. E um atleta está constantemente em elevado stress - treino! Isto pode amplificar ainda mais o problema e caminhar num sentido perigoso, muito difícil de tratar. A fadiga adrenal pode manifestar-se como cansaço, especialmente de manhã e início da tarde, desejos por alimentos doces e salgados, sono pouco regenerador, dificuldade em lidar com o stress quotidiano, quebras de tensão, sensibilidade ao frio, reduzida capacidade de recuperar de um esforço físico, entre muitos outros sintomas. É um síndrome sistémico com um impacto profundo da qualidade de vida.

Uma dieta hiperproteica descompensada pode favorecer também a aldosterona e angiotensina via renina. A aldosterona é igualmente estimulada quando o pH do sangue desce, o que se explica pelo papel que o sódio e outros catiões desempenham no equilíbrio ácido-base. O metabolismo dos aminoácidos gera ácidos orgânicos que reduzem o pH do sangue. No contexto de uma dieta equilibrada, rica em vegetais e alguns frutos alcalinizantes, esta questão é facilmente compensada. Mas infelizmente isto nem sempre acontece, e a ingestão proteica é desajustada para o baixo consumo de vegetais. O aumento o pH do sangue leva a uma maior produção de aldosterona para reter sódio, de forma a compensar a maior acidez induzida pelos ácidos orgânicos.

A restrição em hidratos de carbono favorece a excreção de sódio. Na verdade, a perda de líquidos é um dos primeiros fenómenos que experimentamos quando nos mantemos abaixo de um certo limiar de ingestão de glúcidos. A insulina promove a reabsorção renal de sódio e, como tal, os baixos níveis da hormona que se verificam em restrição calórica e de hidratos de carbono favorece a excreção. O aumento do teor de sódio da urina obriga a uma maior excreção de água e perda de fluídos. Assim, as "necessidades" dietéticas de sódio podem ser ligeiramente maiores nestas condições, sendo necessária uma compensação. Se falarmos de uma dieta tipo Paleo muito restritiva e fundamentalista, com muito poucas fontes densas em hidratos de carbono e isenta de alimentos processados, esta questão é particularmente importante quando se dispensa a adição de sal aos alimentos que confeccionamos. Numa dieta low-carb estilo Atkins não tanto uma vez que a junk food e alimentos processados fazem quase sempre parte do dia-a-dia... Se o sal é problema, geralmente é por excesso.

O sal, cloreto de sódio, é constituido por sódio e cloro. O cloro é mais "pesado" que o "sódio" e 1g de sal contém cerca de 400 mg de sódio. Se o consumo "normal", numa pessoa saudável, anda entre os 2600 e os 4800 mg, isto dá entre 6,5 e 12 g de sal, mais do que o recomendado e bem mais do que muitos atletas consomem, um grupo com necessidades acrescidas. Nem por um segundo me viram escrever que deveríamos ingerir grandes quantidades de sal e espero que ninguém entenda o artigo dessa forma. Mas para um atleta ou comum praticante de musculação com objectivos sérios, a restrição exagerada é contraproducente. Pondo as coisas de uma forma prática, a ingestão diária de sal deveria andar entre as 6-8 g, ou mais dependendo do peso. Garanto-vos que isto está bem acima do que muitos atletas com que me deparo consomem no seu dia-a-dia...

É importante entender que a manipulação do sódio tem o seu lugar no fitness quando um atleta se prepara para uma prova, ou eventualmente sessão fotográfica. No entanto, a restrição não deve ser feita de forma constante na dieta normal, e isso poderá ter consequências a nível de performance e saúde. Os alimentos processados e junk food são muitos ricos em sal, mas deverão ser logicamente evitados. Resta-nos o sódio presente naturalmente nos alimentos e o sal que utilizamos para cozinhar. As refeições devem ser preparadas com algum sal de forma a equilibrar o consumo com os níveis fisiológicos normais. Se é uma pessoa saudável e atleta, não restrinja demasiado o sal na sua dieta ou poderá vir a ter de lidar com as consequências. Não tem de comer refeições sem sabor. Por mais que goste de sofrer, isso não é necessariamente saudável.





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