Psicopatas, sentenças e concentração do poder
Saúde

Psicopatas, sentenças e concentração do poder


Sabemos menos a respeito dos psicopatas do que as séries de televisão podem levar a crer. Do ponto de vista de um advogado de defesa, sabe-se ainda menos. A alegação de que o cliente é psicopata ajuda ou prejudica? É algo que se pode pesquisar e chegar a
conclusões válidas, com base em dados empíricos. 
O argumento tradicionalmente usado quando a psicopatia é aplicada pela defesa é que o réu é doli incapax, incapaz de dolo, porque não discerne entre o bem e o mal. Porém, os juízes não decidem somente na base dos atributos do réu. Juízes e jurados também estão, ou deveriam estar, empenhados na defesa da população. E a alegação de psicopatia significa alguém sem remorso, sem piedade, com um egoísmo profundo, que cometerá novos crimes se achar que não será preso e condenado por eles.
Como respondem os juízes, nos Estados Unidos, às alegações de que o réu é psicopata? Os resultados da pesquisa mostram que a “defesa baseada na psicopatia” é uma espada de dois gumes. Pode tirar um assassino de uma prisão comum e colocá-lo num hospital psiquiátrico, mas também pode aumentar a sentença. A revista Science publicou artigo que demonstra que essa condição também pode ser considerada fator agravante.
O que sabemos a respeito das relações entre psicopatia, crime e Justiça?
Primeiro, nem todos os psicopatas são criminosos ou violentos e, menos ainda, serial killers. Não obstante não sentem afeto nem empatia por outros, não sentem emoções como culpa, pena ou remorso. Pior: têm as taxas mais altas de recidiva — tendem a, uma vez soltos, voltar a cometer crimes, mais crimes e mais crimes.
Tecnicamente, a psicopatia é uma desordem de personalidade extremamente resistente a qualquer tratamento. Diagnósticos de psicopatia têm sido usados com frequência crescente pelos advogados de defesa. É uma tática da defesa e, com triste frequência,
os diagnósticos são feitos por “especialistas” pagos. Esse “defeito” impediria o réu de discernir entre o bem e o mal e impediria
a pena de morte ou sentenças muito longas. Um caso que ficou conhecido é o de Brian Dugan, que estuprou e matou muitas pessoas, porque seus advogados prepararam uma defesa técnica com imagens do cérebro do réu. Brian foi condenado à morte, mas essa sentença foi modificada quando o estado de Illinois baniu a pena de morte.
Um experimento mostra a debilidade dessa defesa nos Estados Unidos. Aspinwall, Brown e Tabery descreveram, para um painel de juízes, um caso no qual um ladrão tentou roubar um pequeno restaurante; como o dono resistiu, o ladrão o atacou a coronhadas, causando danos cerebrais permanentes, ainda que moderados. Perguntados, os juízes sentenciariam o réu a nove anos, na média. 
Em um segundo momento, os mesmos juízes foram divididos em dois grupos: um foi informado de que o réu era um psicopata e nada mais; o outro foi informado também de que a psicopatia tinha origem genética e biológica. Os dois grupos aumentaram a sentença. O primeiro condenou o réu a 14 anos e o segundo a 13, permitindo duas conclusões: a defesa de psicopatia aumentou a sentença; a explicação adicional de que a origem era biológica e genética retirou um ano do acréscimo, mas, mesmo assim, era quatro anos maior.
Nos países em que o conhecimento de biologia (e de criminologia) tanto por parte dos atores da Justiça (promotores, juízes,
advogados etc.) quanto por parte da população é baixo, num modelo que soma zero, a mídia exerceria uma função mais importante. Os psicopatas são o grupo com mais alta taxa de reincidência. Um psicopata, ex-preso, na rua é um criminoso sem remorso esperando a oportunidade para cometer mais crimes. Essas informações poderiam levar a população a pressionar politicamente em favor de leis mais duras. Não obstante, o subsistema judicial tem uma autonomia funcional muito alta no Brasil. Essa autonomia significa que o subsistema não responde, ou responde pouco, a pressões da cidadania. Em países com alta concentração do poder decisório, o resultado pode depender mais de uma “elite” de bacharéis, promotores, juízes e outros operadores do subsistema judicial do que da população, como deveria ser se rezássemos pela cartilha democrática.
GLÁUCIO ARY DILLON SOARES                                                          IESP-UERJ
Publicado no CORREIO BRAZILIENSE, Brasília, segunda-feira, 10 de setembro de 2012 , Opinião, pág. 11




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