Saúde
A teoria do colesterol fracassa de novo
Não poderia deixar passar mais um estudo recente sobre a relação entre factores de risco e mortalidade cardiovascular sem uma breve menção aqui no blogue. Um trabalho a ser publicado em breve na revista
Atherosclerosis mostra-nos a clara falta de associação entre a colesteremia e a mortalidade cardiovascular. E mais ainda... revela-nos que quanto menor o nível de colesterol no sangue, maior a probabilidade de morrer de AVC. Sim... leu bem.
Mark Hamer e sua equipa do University College London estudaram prospectivamente uma coorte de 82.380 Britânicos entre 1994 e 2004. Tratavam-se de homens e mulheres com uma idade média de 55 anos ao início da investigação. O objectivo do trabalho era diferenciar os factores de risco para AVC e doença isquémica cardíaca.
A actividade física, tabagismo e pressão arterial sistólica mostraram-se associados a ambas as patologias de forma robusta e no sentido esperado. O sexo feminino parece também menos afligido por estes problemas. Os níveis de colesterol total não revelaram associação com a doença isquémica cardíaca [HR=1.03 (0.92–1.14)], embora o HDL-C pareça de facto protector [HR=0.76 (0.65–0.89)]. Mais interessantes são os resultados da análise uni e multivariada dos factores de risco para AVC. O colesterol total foi relacionado de forma inversa com a mortalidade [HR=0.78 (0.69–0.89)], ou seja, quanto maiores os níveis menor a probabilidade de sucumbir à doença (ou evento melhor dizendo). O HDL-C não parece afectar significativamente o risco.
Claro que este estudo tem as suas falhas e limitações, tal como todos os outros que são usados em acusação do colesterol. É observacional e epidemiológico, sendo impossível estabelecer uma relação causa-efeito ou mais do que meros indícios e suspeitas. E é nisto que se baseia a teoria colesterol-coração... meras suspeitas. Os investigadores não obtiveram dados relativos à ocorrência da doença que não resultou em morte. Grande parte da informação foi recolhida através de questionários, um método sujeito a
bias e
missing data para segmentos particulares da amostra. No entanto, os parâmetros bioquímicos da lipidémia foram analisados. Resumindo, sofre dos mesmos problemas que a maioria dos estudos do género.
Este não é o primeiro estudo a demostrar uma relação inversa entre o colesterol e o risco de AVC. Na verdade o padrão é bastante consistente e a própria equipa evidencia esse facto. Outros autores como Uffe Ravnskov e Malcom Kendrick também nos falam em detalhe desse fenómeno, bem patente na população Japonesa com os AVC hemorrágicos. Infelizmente Mark Hamer não foi capaz de distinguir os acidentes vasculares hemorrágicos dos isquémicos.
Não é de estranhar que este estudo acabe publicado numa revista de menor impacto sem o suporte de grandes companhias farmacêuticas. É extremamente “desinteressante” e anómalo para um paradigma que interessa defender. O problema é que as “anomalias” são muitas. Ou melhor dizendo, as provas de que o colesterol está de alguma forma implicado na génese das doenças cardiovasculares são no mínimo ténues ou inexistentes. Mesmo em associação não significa que actue na iniciação da doença. Se a aspirina cura as dores de cabeça significa que as dores de cabeça sejam causadas pela falta de aspirina? Esta é a falácia da associação em medicina a que devemos ser prudentes. A hipercolesteremia pode ser um mero indicador da doença e até um mecanismo fisiológico de resposta à lesão. Não um factor causal.
Hamer M, et al. "Comparison of risk factors for fatal stroke and ischemic heart disease: A prospective follow up of the health survey for England".
Atherosclerosis (2011), doi:10.1016/j.atherosclerosis.2011.08.016
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