Saúde
As relações de envelhecimento e desenvolvimento, por Ina Voelcker
Os acontecimentos mais recentes na área de políticas públicas internacionais para o envelhecimento populacional formam um panorama do desenvolvimento socioeconômico objeto de estudo da jovem alemã Ina Voelcker, pesquisadora e coordenadora de projetos do Centro Internacional de Longevidade Brasil (ILC-BR).
Quando veio para o ILC-BR, a gerontóloga Ina Voelcker já havia integrado a equipe de elaboração do Guia Global das Cidades Amigas do Idoso, da Organização Mundial da Saúde, disponível globalmente desde 2007. Foi pesquisadora da HelpAge International, organização onde participou da produção do relatório global "Envelhecimento no Século XXI: Celebração e Desafio", publicado pela UNFPA e pela HelpAge, em outubro de 2012. Ainda na HelpAge, fez parte do grupo que preparou o Global AgeWatch Index. Ina tem mestrado em Políticas Públicas e Envelhecimento pelo King’s College London.
O ponto de partida de seu trabalho é o Plano Internacional de Madri e sua revisão periodica, que enfatizam a necessidade de se realizar uma convenção internacional dos direitos humanos da pessoa idosa. Outro ponto ressaltado é a mais recente discussão sobre a nova agenda de desenvolvimento que substituirá os Objetivos do Milênio.
Envelhecimento e desenvolvimento no nível internacional
De Ina Voelcker
Quando elaborei este trabalho pensei bastante se ainda é interessante para pessoas que trabalham na área do envelhecimento populacional ouvir falar sobre a maior referência internacional, o Plano Internacional de Madri e o que aconteceu no nível internacional nos anos seguintes. Acho que a maioria das pessoas já sabe disso e talvez o que seja menos conhecido é o que está sendo discutido desde 2012, ano da segunda revisão do Plano de Madri. Por isso gostaria de dar mais destaque a duas agendas importantíssimas na área de políticas públicas do envelhecimento: a agenda dos direitos humanos e a agenda pós-2015.
Para entender os acontecimentos mais recentes é importante saber que aconteceu, em 2002, a 2a Assembleia Mundial do Envelhecimento em Madri, que gerou um novo plano de ação, o Plano Internacional de Madri. Esse é o atual documento de referência. m 2002, a 2a Assembleia Mundial do Envelhecimento em Madri, que gerou um novo plano de ação, o Plano Internacional de Madri. Esse é o atual documento de referência. O Plano Internacional de Madri foi criado como um documento abrangente, baseado em direitos, e relevante para políticas, que marca um ponto de virada na forma como o mundo aborda o desafio do envelhecimento populacional com o objetivo de "construir uma sociedade para todas as idades". Ele foi adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas e tem três orientações prioritárias: pessoas idosas e desenvolvimento, promoção da saúde e bem-estar na velhice, e criação de ambientes propícios e favoráveis.
O Plano é avaliado periodicamente, a cada 5 anos. A segunda avaliação foi conduzida em 2012. Os governos prepararam relatórios de progresso para a segunda avaliação na Assembleia das Nações Unidas. Ao mesmo tempo o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e a HelpAge International se juntaram para conduzir uma avaliação paralela. O objetivo era saber o que aconteceu em termos de políticas públicas para pessoas idosas a partir de 2002. A pesquisa foi constituída por dois passos: o levantamento das ações governamentais desde 2002 e uma pesquisa qualitativa com pessoas idosas. Os resultados destas pesquisas foram publicadas no relatório da HelpAge e UNFPA que foi lançado em 2012.
Vozes das pessoas idosas
Ciente de que nenhuma revisão de políticas pode ser considerada exaustiva sem incluir a opinião das pessoas que mais sentem as mudanças das políticas na vida cotidiana, neste caso as pessoas idosas, a HelpAge embarcou nesta pesquisa em 2011. A HelpAge é uma organização não governamental internacional que atua com mais de cem organizações da sociedade civil em 72 países.
Com a contribuição de muitas destas organizações da sociedade civil, a HelpAge, e apoio do Fundo de População das Nações Unidas, coletou as vozes de mais de mil e trezentas pessoas idosas de trinta e seis países. O Brasil também participou da pesquisa, aqui coordenada pela gerontóloga Laura Machado. As opiniões destas pessoas idosas foram coletadas através de discussões em grupos, questionários sociodemográficos e entrevistas individuais. Nos grupos focais foi explorado se, e como, as vidas deles mudaram desde 2002 e se elas notaram algumas melhoras. Os resultados resumidos são estudados segundo quatro áreas: participação, proteção, saúde e ambientes.
Os participantes avaliaram como essencial votar em eleições para a sua participação política. Eles também reconheciam o crescente poder político dos idosos enquanto os números de idosos aumentam. E acham que muitas mudanças recentes são resultado deste crescente poder político de idosos. As pessoas idosas ouvidas acharam importante a reciprocidade entre famílias e comunidades e a maioria delas faz algum tipo de trabalho. Falando sobre cuidado, eles avaliam importante ambos: cuidar e ser cuidado. Porém, sentem falta de mais apoio para poderem cuidar e ser cuidados.
Talvez pelo fato de muitos deles serem membros de grupos ou clubes, os idosos mostraram muito entusiasmo em trabalhar através destas organizações. Também falaram da crescente participação na tomada de decisões locais e nos resultados que este trabalho deu para a comunidade, como por exemplo, ilustrado na fala de uma pessoa da Sérvia.
O acesso a emprego foi identificado como problema sério quando falaram sobre renda. Os idosos mencionaram a discriminação por idade, as altas taxas de desemprego, os problemas de saúde e a falta de qualificação, além das condições precárias de trabalho, como causas para a dificuldade de acessar emprego.
A proteção social, como as pensões não contributivas, foi citada como a melhora chave desde 2002. Os participantes falaram sobre o impacto das pensões que diminuíram a vulnerabilidade deles e tiveram benefícios para a família inteira e a comunidade próxima.
Algumas pessoas falaram sobre problemas com o acesso a esse tipo de benefício. O obstáculo pode ser gerado, por exemplo, quando alguém tem bens - como uma televisão - ou quando recebe apoio de filhos que trabalham no exterior ou, ainda, por não ser capaz de ir até o ponto de coleta da pensão.
Os participantes relataram como outra melhoria nos últimos 10 anos os serviços de saúde. Porém, enquanto houve melhora nos serviços em geral, as pessoas não sentiram avanços em termos de atendimento específico ao idoso. Também falaram do alto custo de serviços, de remédios e dos problemas com o acesso. Algumas pessoas deram exemplos de atitudes discriminatórias por parte de profissionais de saúde. Eles falaram de casos em que doenças tratáveis foram chamadas intratáveis – "doenças da velhice contra as quais não se pode fazer nada".
No que tange ao ambiente físico, o transporte público foi identificado como o maior problema. Mais frequentemente mencionaram a falta de segurança, o acesso difícil a ônibus, o estado das ruas e o custo do serviço. Esse problema que não é novidade para quem é do Brasil: os motoristas em vários lugares não param no ponto quando há um idoso no ponto.
Ainda sobre discriminação por idade foram revelados casos de abuso como, por exemplo, brigas violentas acerca de dinheiro e propriedade e negligencia em situações de dependência. Também sentiram falta de respeito e de reconhecimento das contribuições deles.
As falas dos idosos resultaram em recomendações, como (i) maior foco na promoção de participação e um maior reconhecimento das contribuições; (ii) mais e melhores serviços e ambientes que são amigáveis ao idoso; (iii) maior proteção do direto a serviços básicos e a proibição de discriminação por idade, abuso e negligencia.
Este levantamento de situação foi muito importante para informar dois processos paralelos que estão em andamento desde 2012: o desenvolvimento de uma agenda de desenvolvimento que substituirá os "Objetivos do Milênio" e o momentum para uma maior militância.
Orientação de governos e a sociedade civil depois de 2015
Há um grande grupo de pessoas e organizações que lutam por uma convenção internacional de direitos da pessoa idosa. Esse movimento começou há muitos anos atrás, mas foi em 2010 que foi alcançado um grande sucesso: as Nações Unidas instituíram um Grupo de Trabalho de Composição Aberta para discutir sobre como melhor proteger os direitos da pessoa idosa. Neste grupo, governos, organizações intergovernamentais e a sociedade civil debatem sobre vários mecanismos legais para fortalecer os direitos dos idosos. Já foram formados quatro grupos desde 2010.
Um passo na direção de uma convenção foi alcançado com uma Resolução da Assembleia Geral da ONU de 2012, intitulada "na direção de um instrumento internacional abrangente e integral para a promoção e proteção dos direitos e da dignidade de idosos". Esta Resolução demanda que o Grupo de Composição Aberta apresente, para a Assembleia Geral, o mais cedo possível, uma proposta contendo, entre outros, os elementos chaves que deveriam constar em um instrumento legal internacional para promover e proteger os direitos que ainda não estão abordados o suficiente em mecanismos existentes e que, consequentemente, precisam de mais proteção internacional.
A conquista mais recente é uma Resolução de setembro de 2013, estabelecida por Decisão do Conselho dos Direitos Humanos da ONU, que nomeia um expert independente para avaliar a observância dos direitos humanos das pessoas idosas, a ser identificado.
Outro enfoque de grande importância é o debate sobre a agenda pós-2015 quando os Objetivos do Milênio acabam e os novos objetivos, por enquanto chamados "Objetivos do Desenvolvimento Sustentável", entrarão em vigor.
Os Objetivos do Milênio foram estabelecidos pela ONU em 2000, com o apoio de 191 nações e muitas organizações internacionais. Quando os oito objetivos foram estabelecidos, em 2000, ainda era incipiente a discussão sobre longevidade e envelhecimento populacional pela comunidade internacional.
Pontos cruciais que deveriam estar incluídos nos Objetivos:
Os direitos e necessidades específicas de pessoas idosas e seu impacto do envelhecimento populacional (pensava-se muito em mulheres na idade reprodutiva em crianças e em HIV).
A perspectiva de curso de vida, inclusiva de vários grupos populacionais, entre outros, idosos. Esta exclusão não apenas resultou numa falta de ação e investimento para estes grupos populacionais. Mesmo a falta de dados para se avaliar o progresso é resultado desta exclusão – ou seja, desta priorização de certos grupos etários ou sociais.
O Brasil avançou muito em relação ao cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e pavimentou o caminho para cumprir as metas até 2015.
Há bons indicadores, mas há muitos desafios a serem vencidos. Para cada um dos Objetivos existem políticas públicas que vêm aproximando o Brasil do cumprimento das metas. Em algumas áreas, o país tem que avançar. Em outras, os indicadores positivos já são realidade. Há legislação específica sobre a implementação dos objetivos no Brasil para cumprir com eles até 2015. Mas o que acontecerá depois?
Por causa deste passado que excluiu o idoso e o envelhecimento, no começo das discussões sobre a nova agenda, havia muita preocupação por parte da sociedade civil. Perguntou-se se de novo se o envelhecimento populacional será ignorado, como também as pessoas idosas e o curso de vida. Mas felizmente, durante as discussões sobre a nova agenda, o envelhecimento ganhou mais e mais espaço. Várias agências da ONU apoiam este processo de formular uma nova agenda, fornecendo evidências sobre o que funcionou e o que não funcionou e organizando uma "conversa global" para descobrir o que as pessoas querem.
As ações de militância já resultaram em conquistas concretas: o Secretário Geral da ONU reconheceu a importância do envelhecimento populacional para o desenvolvimento sustentável e pessoas idosas são incluídas em consultas. Ademais, o Secretário Geral reconheceu que é essencial saber mais sobre os indicadores da população e sobre o impacto de tendências demográficas no desenvolvimento.
O Secretário Geral também sugeriu várias ações aos Estados Membros, entre outros:
O reconhecimento da idade como uma das questões transversais que precisa ser refletida em todos os objetivos e metas,
A criação de um marco político baseado nos direitos humanos,
A erradicação da pobreza em todas as suas formas a para todas as pessoas,
A promoção de melhor responsabilidade (transparência) através de uma revolução de dados - com dados desagregados para que se possa mensurar e monitorar o progresso por idade, gênero e deficiência e identificar lacunas entre diversos grupos de população.
O relatório da Comissão de Alto Nível também faz uma recomendação importante que provavelmente é resultado das orientações específicas dadas pela sociedade civil: a coleta de dados o mais atualizados possível e de alta qualidade. Dados melhores nos permitirão avaliar o progresso que está sendo feito para pessoas idosas em cada país.
Esta "conversa global" inclui as vozes de mais de 1,5 milhões de pessoas que participaram de 100 diálogos nacionais, 11 reuniões temáticas e um portal online, MeuMundo.
O portal MeuMundo é um questionário online no qual a pessoa deve escolher os seis itens que são mais importantes para si e sua família. Há 16 opções e um campo para acrescentar outras prioridades. Os resultados foram publicados num relatório lançado em 2013, intitulado "Um milhão de vozes: O mundo que queremos".
Os votos das 1,2 milhões de pessoas participantes do portal online foram desagregados por país, sexo, nível de educação e idade. As quase 40.000 pessoas participantes tinham mais de 60 anos. As sete prioridades mais importantes para pessoas idosas são as mesmas prioridades para pessoas de qualquer idade, apenas em outra ordem. Pessoas idosas têm como prioridade principal melhores serviços de saúde, seguidos de uma boa educação. Para pessoas de todas as idades é o contrário.
Há variações dependendo do nível de desenvolvimento do país. Por exemplo, para pessoas idosas em países em desenvolvimento, melhor transporte e estradas ficam entre as primeiras sete prioridades. Em países de renda média, a proteção de florestas, rios e oceanos fica entre as sete prioridades.
Mesmo com alguns resultados positivos até agora, a inclusão do envelhecimento na agenda pós-2015 ainda não é uma realidade. Atualmente há esta sendo preparado um rascunho dos novos Objetivos do Desenvolvimento de um Grupo de Trabalho que será apresentado ao Secretário Geral e aos Estados Membro em setembro de 2014 e que servirá como base do conjunto final dos objetivos de desenvolvimento sustentável. Por isso é importante continuar ficar atento e militando. Espera-se influenciar esta discussão para ter certeza que o envelhecimento populacional e as pessoas idosas não serão excluídos novamente de uma agenda internacional que interfere nas políticas públicas nacionais, regionais e locais nos próximos anos.
Os Objetivos do Milênio ultrapassam a fundamentação de políticas públicas nos países, mas também influenciam os países doadores, pesquisadores e a sociedade civil.
Ainda há tempo antes de os governos decidirem sobre a nova agenda e assim criar um maior ativismo para assegurar que os direitos das pessoas idosas estarão refletidos na agenda pós-2015. Para quem quiser se envolver nestas discussões é só procurar mais informações no site da HelpAge, do grupo Beyond 2015 e, claro, participar da pesquisa online, Meu Mundo, que terá uma semana de ação global começando nesta segunda, dia 5 de maio.
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