Saúde
Carga ácida da dieta e o risco de diabetes tipo 2
Embora seja um tema controverso, acredita-se que um dos grandes problemas da dieta moderna seja a sua elevada carga ácida, ou seja, o potencial dos alimentos ingeridos em gerar ácidos e baixar o pH dos fluidos. Mas a verdade é que em termos de evidência científica ela fica um pouco aquém do que seria desejável para afirmar com veemência que devemos transitar para uma dieta mais alcalina, rica em vegetais e alguns frutos. Um estudo de coorte agora publicado com mais de 60 000 participantes foi o primeiro de larga escala a associar a carga ácida da dieta com maior risco de doença, neste caso diabetes tipo 2. Segundo estes resultados, um PRAL (Potential Renal Acid Load) elevado associa-se a um aumento impressionante de 56% no risco de desenvolver diabetes em mulheres num período de 14 anos.
A dieta Ocidental é rica em alimentos acidogénicos, como o açúcar, cereais, lacticínios, e proteína, e pobre em alcalinos (vegetais e frutos). Esta descompensação no sentido de uma acidémia poderá ter implicações a nível metabólico e na gestão da glicemia. A acidose reduz a capacidade da insulina se ligar ao receptor, induzindo resistência à hormona e níveis erráticos de glicose no sangue. Além disso, a carga ácida excessiva pode também reduzir o output de hormonas tiroideias, aumentar a proteólise, provocar disfunção mitocondrial, comprometer a função imunitária, e provocar desmineralização óssea. Com todo este potencial patológico há todo o interesse em estudar a associação entre a carga ácida da dieta e o risco de doença, algo que nunca tinha sido feito num estudo de grande escala. No entanto, devo sublinhar que se trata de um estudo de coorte, epidemiológico por natureza. Associação não implica causalidade como tenho vindo a reforçar vezes sem conta aqui no blog.
Se analisarmos os dados com atenção, verificamos que há mais para além da carga ácida. Um dieta com um PRAL elevado era mais densa em energia (+15%), mais baixa em fibra (-20%), mais baixa em potássio (-23%) e magnésio (-22%), mais rica em sódio (+26%), com maior teor de proteína (+10%), em particular de origem animal (+4%). Bem sei que estes dois últimos pontos são bastante mediáticos e excelentes sound bites, tendo sido até enfatizados pela imprensa que comunicou os resultados deste estudo. No entanto, é provável que sejam os menos importantes tendo em conta que na dieta contemporânea os cereais contribuem sozinhos para cerca de 38% da carga ácida total. isto não significa que o excesso de proteína, quando não compensado por um aporte de vegetais, não seja um factor de risco por si para o desenvolvimento de acidémia metabólica. Mas eu daria bem mais atenção ao menor aporte de magnésio e potássio, dois micronutrientes alcalinizantes e deficitários na dieta moderna. Apesar de o sódio também apresentar um potencial alcalino, lembro que ele normalmente vem associado a um outro, o cloro (no sal), este com elevado poder acidogénico.
Apesar de se tratar de um estudo de associação, fica pela primeira vez um trabalho em larga escala que relaciona o desequilíbrio acídico da dieta contemporânea com doença, neste caso diabetes tipo 2. O excesso de carga ácida poderá comprometer a homeostase glicémica e reduzir a sensibilidade à insulina, dois factores que progridem em conjunto na patofisiologia da diabetes. Considero um alerta importante para um ponto muitas vezes negligenciado quer pelo indivíduo comum, quer pelo profissional de Nutrição. No paradigma actual existe interesse e urgência em equilibrar o consumo de alimentos potencialmente acidogénicos com alcalinizastes, nomeadamente vegetais e alguns frutos. Este problema é também exacerbado pela a carência endémica de minerais como o magnésio nas sociedades modernas.
Guy Fagherazzi et al. Dietary acid load and risk of type 2 diabetes: the E3N-EPIC cohort study. Diabetologia, November 2013
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