Saúde
CONSULTOR: O DINHEIRO QUE VOCÊ RECEBE É LIMPO?
CONSULTOR: O DINHEIRO QUE VOCÊ RECEBE É LIMPO?
Marise Jalowitzki
De tempos em tempos somos bombardeados com uma reportagem que deflagra irregularidades organizacionais, principalmente envolvendo órgão públicos. Um dos casos mais recentes diz do desvio da verba pública para os chamados "Cursos de Desenvolvimento Humano", onde, periodicamente, vereadores e outros "legisladores", incluindo prefeitos e TODOS os familiares, usufruem de maravilhosas temporadas cinco estrelas, em locais turísticos atraentes, tudo por conta dos impostos que todos nós pagamos.Esse é um assunto "velho", por demais conhecido. Um ou outro repórter, geralmente jovem e iniciante na carreira, "assina embaixo", se expõe e expõe ridículas cenas de políticos correndo desabaladamente ao ser interpelados pelo repórter e sentir a filmadora sobre si. Essas notícias não interessam a tais políticos. Só aquelas em que eles aparecem com o dedo em riste para os outros. É tão vergonhoso um homem, cidadão público, adulto, pai de família, representante do povo, ter que bater em retirada ao ser pego em flagrante. Vergonha! Vergonha!... que eles não sentem! E, pior, fatos que, por mais evidentes que sejam, ainda procuram negar.Trabalhei por um longo tempo em órgão de economia mista e, como instrutora de desenvolvimento gerencial (esse era o nome), alguns dos primeiros congressos que assisti foram por conta da formação exigida para o cargo. Sempre tive paixão por Desenvolvimento Humano. Muito investi, por conta própria, em meu aprendizado. Em tais eventos (financiados pela empresa a qual estava vinculada), bebia cada palestra, cada oficina, tomava nota, criava resumos para publicar em um jornal gerencial de minha iniciativa, por vezes não saía à noite para colocar o material em dia. Vários de meus colegas riam de minha postura. Alguns desprezavam, olhando com desdém e me chamando de cdf (hoje, seria nerd... bem melhor!...). Saíam pela manhã ("fazer um tour"), por vezes não voltavam mais durante aquele dia. Quem não era de um ou outro time (ironia ou desprezo), ficava em silêncio. Ao sair daquela instituição e construir minha carreira solo, encontrei pessoas com igual postura absenteísta. Congressos em Recife, pessoas faltavam nos eventos e apareciam bronzeadas e molhadas por ter ido à praia em horário de atividades. Eventos em Florianópolis, idem. Em Curitiba, pessoas saíam para ir às compras ou fazer seu programa exclusivo. Em determinada instituição, em Mato Grosso do Sul, fui mal interpretada por não aceitar o convite para ir, com carro da empresa pública, comprar mercadorias em cidade de fronteira (mais pessoas do RH já haviam se programado e eu "furei" o programa!...). E assim por diante. A práxis é generalizada. Isso em relação aos participantes e à ocupação das horas programadas.E, que dizer da programação contratada com o consultor/facilitador?Qual o contrato que o consultor pode aceitar?Agora, quero salientar o papel do consultor empresarial, o facilitador de grupos de Desenvolvimento Humano. Publiquei, inclusive, um livro com essa temática "O Papel do Facilitador de Grupos nas Organizações".Como aceitar receber por programas "motivacionais" quando as condições de trabalho são insalubres, quando o cuidado com os empregados (colaboradores em que?) deixa a desejar até mesmo em relação ao ambiente de trabalho, que dirá alimentação, transporte, sem falar no primeiro ponto, que é o respeito, uma comunicação efetiva, postura gerencial em relação a sua equipe?Na reportagem mencionada no início desse artigo, chamou-me a atenção que, novamente, a abordagem estava centrada nos "legisladores", desvio de verbas públicas. E o contratado? O consultor que aceitou, que aceita receber um dinheiro que, sabidamente, está desviado? Dá para ficar sossegado alardeando Desenvolvimento Humano oferecendo tours, concedendo presença quando o indivíduo nem aparece, fornecendo certificados a pessoas que não comparecem (no episódio, até um político já falecido recebeu certificado, tamanha a desordem e falsidade...) ??? Não é hora de surgir um Conselho para supervisionar o papel do consultor externo? Sim, pois ser consultor virou moda. Assim como professor. Tantas e tantas pessoas se embretam no campo organizacional para ministrar cursos, se auto denominam "consultores" e/ou "professores" e, pronto! Está "certificado"! Por ocasião da contratação, muitas organizações sequer indagam pela metodologia a ser aplicada, dando margem a verdadeiras aberrações, como jogar um copo de água no rosto de uma participante por estar cochilando em sua cadeira após o almoço!... E ela pagou por isso!!!Em minha prática organizacional, certa vez, encontrei um consultor que estava "há oito anos" prestando serviços a uma mesma empresa (o que, aliás, nem é aconselhável!). Declarava, em sua palestra, verdadeiras barbaridades em relação ao tratamento interpessoal; eu estava na primeira fila e, creio, ele deve ter "lido" algo em meu semblante, mesmo que eu tenha me esforçado para não transparecer o que estava sentindo. Em dado momento, olhou focadamente em minha direção e exclamou: "Estou há 08 anos na.....(citou o nome da empresa)! Oito anos! Por alguma razão isso deve estar acontecendo, ou não? Devo ser bom, ou não?" ... e aquela empresa era conhecida nacionalmente pela pouca qualidade que legava aos funcionários, especialmente os da área operacional...Tempo de um consultor em uma mesma empresaPorque desaconselho a perpetuidade de um consultor externo na organização: pelos vícios de relacionamento. Os vínculos interpessoais que, de início, eram de parceria, acabam sendo de uma cumplicidade tal (com determinado gestor ou grupo) que começa a ficar difícil de dizer aquilo que pensa. Vira mentira-amor! Ou seja, para não "ficar de mal", já que "ele foi tão bonzinho até aqui", o profissional contratado deixa de dizer às claras o que precisa ser dito e enfrentado, deixando, preferencialmente, as coisas como estão e dando razão aquele que, muitas vezes, não a tem. A isenção só é obtida quando da inexistência de conchavos, do não recebimento de agradinhos e cuidando sempre para não tornar-se íntimo demais. Participar de festas familiares, passar temporadas em sítios, fazendas, etc. acabam, invariavelmente, comprometendo a isenção, tão necessária para a manutenção do foco nas intervenções do dia a dia no ambiente de trabalho.Por várias vezes, durante os mais de 15 anos em consultoria externa, sabia, conscientemente, quando eu mesma estava pondo um ponto final em minha contratação. Mas, seguia falando o que entendia ser preciso, assim mesmo! Em meu entendimento, não podia ser diferente! Quando comentava o ocorrido com um ou outro colega de consultoria, ele(a) exclamava:"- Sempre admirei essa capacidade de "peitar" a empresa, mesmo perdendo o contrato. Tem de ter muita coragem!" Respondo hoje do mesmo jeito como respondia à época: "- Não é coragem! São valores! É o pulmão precisando respirar"Como você vê questões como:- Dignidade- Valorização- Respeito às diferenças- Honestidade- Comunicação efetiva- Participação?A ética de um povo se constitui pelo juízo de valores concedidos à sua moral.
É hora de se perguntar: - O dinheiro que recebo é limpo? - Estou fazendo jus ao que me propus como consultor de Desenvolvimento Humano? - Estou auxiliando pessoas a fazer o seu melhor?- Como estou contribuindo para deixar o mundo mais evoluído?- Qual a minha ética?Em dias onde se fala tanto em responsabilidade social, somos todos responsáveis pela melhoria das condições sociais. Pela prática dos valores éticos. Pelo compromisso consciente.Em qual time você está? - Naquele que ironiza a ética? - Naquele que despreza as boas práticas?- Naquele que silencia, fazendo de conta que não lhe diz respeito? - Ou no time que denuncia e faz diferente?______________________________________________
MARISE JALOWITZKI é escritora, consultora organizacional e
palestrante internacional, certificada pela IFTDO-USA, pós-graduação
em RH pela FGV-RJ, autora de vários livros organizacionais.
[email protected] http://www.compromissoconsciente.blogspot.com/
http://www.marisejalowitzki.blogspot.com/
Porto Alegre - RS - Brasil
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