Menos pais, mais crimes
Saúde

Menos pais, mais crimes


CORREIO BRAZILIENSE, 29/01/15     
 

A proporção de famílias incompletas, sem a presença do pai ou da mãe, é a que melhor prevê o nível de crimes violentos numa comunidade (bairro, município, área metropolitana). Tanto maior o número de clãs incompletos, tão mais elevado o nível de crimes violentos. Por quê? R. L. Maginnis enumera caminhos pelos quais os pais presentes previnem e controlam o descaminho dos filhos: há mais estabilidade econômica, menos crises e mais recursos materiais; os pais proporcionam exemplo, na maioria dos casos, positivo. Não tendo o modelo em casa, a criança ou adolescente o buscará em outros lugares, o que aumenta o risco de seguir trilha criminal. Mais: há mais segurança financeira, emocional e de outros tipos para a família; a presença paterna — sobretudo dos que contribuem financeiramente, participam das tarefas domésticas e dedicam carinho e tempo aos filhos — reduz o estresse das mães. Quando protetora e carinhosa, é essencial. Os jovens combinam o sexo e a coorte etária com maior propensão ao crime. Quais os efeitos, comprovados por pesquisas, de que a família incompleta prejudica os filhos? São muitos os comportamentos indesejáveis. Entre eles, maior risco de usar drogas; de pertencera gangues; de ser expulso da escola; de ser internado numa instituição penitenciária para menores, estilo Degase (Departamento Geral de Ações Socioeducativas); de matar alguém na adolescência. A família incompleta significa que os filhos passam menos tempo com alguém que os orienta para as necessidades, que os acompanha e aconselha. Sobra para a família mais ampla, para a vizinhança, para a escola e para a religião —quando elas existem — na vida do clã e dos adolescentes. As quatro instituições estão em crise no Brasil, o que reduz a influência eo número de crianças e adolescentes que conseguem ajudar. Nos Estados Unidos, em 1993, foi realizada a pesquisa Violência nas Escolas Públicas Americanas. Entre os resultados, 71% dos professores e 90% dos policiais achavam que a falta de supervisão dos pais era fator muito importante que contribuía para a violência nas instituições de ensino. Menos pais, mais crimes. Crianças e adolescentes também opinaram:61% dos alunos das escolas primárias e 76% das secundárias concordavam com essa opinião. Essa é apenas uma de muitas pesquisas feitas nos Estados Unidos que apontam na mesma direção. Não é “coisa americana”. Estudos em outros países chegaram a conclusões semelhantes. A idade conta. Levantamento britânico comparou mães muito jovens comas que postergaram a maternidade para além dos 20 anos. Foram usados dados do Environmental Risk (E-risk) Longitudinal Twin Study, com mais de 1.000 mulheres que pariram posteriormente. Entrevistaram as mães, observaram as crianças, que também fizeram testes e obtiveram respostas dos professores ao questionário. Visitaram as residências quando as crianças tinham cinco anos. Resultado: mais mães adolescentes, mais crimes. As mães não são iguais, em parte, porque os pais também não são. Os mais jovens se revelaram menos confiáveis, apoiavam menos as companheiras (em todos os sentidos) e eram mais frequentemente antissociais, abusivos e violentos. As mães jovens enfrentavam problemas socioeconômicos difíceis, tinham menos capital humano e social e mais problemas mentais. As crianças pagavam alto preço: tinham menos êxito na escola, menor educação, mais problemas comportamentais e emocionais, eram mais vitimados pelos pais, tinham mais doenças, acidentes e prejuízos de todo tipo. A desvantagem é persistente e, anos mais tarde, mães precoces e filhos continuavam muito pior. Há rupturas temporárias na família devidas a fatores como migrações e exigências do trabalho. Elas também prejudicam os filhos. Chok C. Hiew estudou militares canadenses e famílias japonesas separadas pelo trabalho. No Japão, é comum que o pai seja transferido, deixando a família por longos períodos. É tão comum que mereceu um descritor próprio: tanshinfunin. É nova forma de estrutura familiar. Qual é o resultado? As mulheres achavam que recebiam menos apoio social e mais discriminação. Os filhos tinham pior rendimento escolar. Temporária ou permanente, a ausência paterna é ruim para os filhos.

Menos pais, mais crimes.


GLÁUCIO SOARES

Sociólogo e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro






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