Saúde
O milagre das Cetonas de Framboesa (Raspberry Ketones)
Parece óbvio já em Janeiro qual vai ser o produto do ano para perda de peso. São já várias as pessoas que me contactam a pedir uma opinião sobre ele. Para esclarecer todos ao mesmo tempo decidi escrever este pequeno artigo. O Dr. Oz, um tal vendedor de banha da cobra Norte-Americano, tratou de impingir ao Mundo as cetonas de framboesa como o milagre que todos esperavam para emagrecer (coisa que ele faz de forma recorrente... Há mais milagres ali do que em Fátima). E em que evidências se baseia? Dois estudos: um em ratos e outro em cultura de células. E ela diz research, research, research...
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As cetonas de framboesa, menos conhecidas como 4-(4-hidroxifenil) butano-2-ona (percebe-se porquê...), são compostos aromáticos presentes em alguns frutos silvestres. Na verdade, e apesar do nome, elas foram isoladas pela primeira vez da amora e não da framboesa. Para além do novo uso que agora lhes foi dado, as cetonas de framboesa (vamos chamar-lhes RK, de Raspeberry Ketones) são há muito usadas como fragrância em perfumaria e como aditivo alimentar.
A investigação das RK como potencial agente lipolítico deriva da sua semelhança estrutural e química com outros dois compostos, a sinefrina e a capsaicina, também eles utilizados desde há muito em alguns produtos para perda de peso. Em 2005, uma equipa de investigadores Japonesa testa essa hipótese em ratos alimentados com uma dieta rica em gordura e verifica que as RK previnem o aumento de peso induzido pela intervenção hiperlipídica. Um aspecto muito interessante quando trabalhamos com ratos é que podemos administrar doses estupidamente altas sem que eles se queixem, como foi o caso. Por cada 100 g de alimento ingerido, 1 a 2 g eram cetonas de framboesa (1 e 2 % respectivamente). O efeito foi apenas evidente a partir desta dosagem e não com 0,5%.
Uma possível explicação apontada para o potencial efeito protector das RK no ganho de peso induzido pela dieta é a inibição da lípase pancreática, enzima que intervém na digestão das gorduras alimentares. Não havendo digestão, essas gorduras são eliminadas nas fezes sem que haja absorção. Mas, mais uma vez, as doses necessárias para potenciar esse efeito são também absurdamente elevadas (5%).
Dada a semelhança entre as RK e a sinefrina, é possível que exista um mecanismo comum entre os dois compostos. A sinefrina actua como um agonista beta-adrenérgico (semelhante à norepinefrina) que, via cAMP, activa a HSL (hormone-sensitive lipase) estimulando a lipólise nos tecidos. Por seu lado, as RK parecem não actuar directamente nos beta-AR, mas aumentando a capacidade lipolítica da norepinefrina (ou noradrenalina). Por outras palavras, as RK poderão aumentar a capacidade lipolítica endógena sem a induzirem por si. Não se conhece ao certo o mecanismo mas poderá estar relacionado com promoção da interacção entre a HSL e o "glóbulo" de gordura no adipócito.
Mais tarde, em 2010, investigadores coreanos avaliaram o efeito das cetonas de framboesa em adipócitos de cultura (in vitro). No fundo, este estudo veio apenas reforçar os resultados anteriores e sugerir também que as RK poderiam aumentar a produção de adiponectina no adipócito, provavelmente via activação do factor de transcrição PPAR-gama. Alguns efeitos anti-inflamatórios verificados poderão também ser explicados por este mecanismo, bem como a maior sensibilidade à acção da insulina. Outros trabalhos em animais apontam igualmente para um eventual efeito benéfico no tratamento e prevenção da esteatose hepática (fígado gordo), em grande parte pelo aumento da oxidação de ácidos gordos, menor lipotoxicidade e inibição da inflamação causadora de resistência à insulina. Tudo isto numa caixa de petri.
É bom sublinhar que as quantidades de RK presentes nos frutos, nomeadamente na framboesa, é muito pequena. Cada Kg contém entre 1-4 mg de RK, logo, para obter as 100 mg que eu penso ser a dose da maioria dos suplementos no mercado, teríamos de ingerir quase 50 Kg de framboesas. Obviamente que não é possível. O problema é que não existe uma dose efectiva estabelecida para humanos, simplesmente porque não há um único estudo com humanos. That simple. Os consumidores estão a fazer de cobaia. E se tivermos em consideração as dosagens utilizadas no estudo citado com ratos, 100 mg é bastante modesto.
Riscos para a saúde não é de esperar que existam, para mais nas doses relativamente baixas com que as cetonas de framboesa estão a ser recomendadas. Benefícios e um efeito na perda de peso é que eu também duvido. Não vou ser peremptório a afirmá-lo, mas não existe um único estudo em que me possa basear para acreditar no contrário.
Qualquer pessoa atenta ao mercado de suplementos alimentares se apercebe de que estas coisas são cíclicas. Todos os anos surge um novo produto milagroso. Em 2012 foi o óleo de coco. Agora são as cetonas de framboesa. Funcionam? Não sei... ninguém sabe. Estou certo de que agora, depois de toda este hype, irão surgir ensaios controlados e randomizados para testar as RK contra placebo. Só espero é que não sejam promovidos no show do Dr. Oz como aconteceu com o café verde... Peço desculpa se ofendo os fãs, mas o homem é um logro num espectáculo de pseudociência.
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