Sem açúcar, com afeto: segundo a empresa Línea, o adoçante sucralose é o único adoçante artificial que pode ser utilizado sem restrições. Mas, sem restrições? E o que podemos dizer sobre o que seria, segundo a mesma empresa, tido como "
escolha certa" para o uso de adoçantes sendo a sucralose um “primo” químico dos defensivos agrícolas, pesticidas e outros agrotóxicos? Isso poderia ter sérios riscos do ponto de vista toxicológico para ser dito que pode ser consumido “sem restrições”? E porquê teria, já que se trata de um "inofensivo" derivado do açúcar que adoçamos todos os dias os nossos cafezinhos?
Por Diego Lopes e Adrian Sena, 2011Legislação e Aspectos Históricos
Pela definição prevista na portaria n° 38, de 13 de janeiro de 1998, adoçantes são produtos especificamente formulados para conferir sabor doce aos alimentos. Assim, neste escopo, existem substâncias naturais e sintéticas que podem ser utilizadas para este fim. Entre os naturais temos a sacarose (o nosso bom e velho açúcar de mesa), glicose, manitol e steviosídeos, largamente utilizados pelo apelo natural, já que são extraídos da
Stevia rebaudiana, como exemplos de mais utilizados e entre os sintéticos, o que é observado neste trabalho, sacarina, ciclamato, sucralose, acessulfame K, aspartame como os mais utilizados. No Brasil, a sucralose é comercializada pela empresa Línea, que importa tal adoçante sob a denominação “Splenda” dos EUA. A regulamentação brasileira para o uso da sucralose deriva das regulamentações do FDA, que preconiza o uso de até 1500mg/dia/kg peso corporal – limite NOEL – No Observable Effects Limits – Limite para não observação de efeitos, do Codex Alimentarius, que preconiza entre 300mg/kg – como é observado no consumo de cafés e chás, o uso mais comum no Brasil – e 1500mg/kg – como é o caso das bebidas energéticas.
Fundamentos Bromatológicos: Química e Toxicologia
Quimicamente, a sucralose é o derivado clorado (ou melhor, que teve a sua estrutura química modificada por adição de átomos de cloro, tal qual os agrotóxicos) da sacarose, o açúcar de mesa, já falado, denominado, por isso por 4,1´,6´- triclolorogalactose. A substituição ocorre de forma seletiva nas hidroxilas 4, 1´ e 6´ conforme assinalados na figura abaixo e revelado na nomenclatura.
(Fig.1 – Sacarose, à esquerda, e Sucralose, à direita. Destaques para as hidroxilas, circundadas, azuis, e os átomos de cloro, em vermelho, que as substituem no derivado)
A sucralose é prontamente solúvel em água, em alcoóis de cadeia pequena (até 5 carbonos) e em pH neutro. Porém, pode sofrer hidrólise em pH ácido (estudos de estabilidade conduzidos em 1998 pelo SCF – Comitê Científico sobre Alimentos da EU – mostram que a hidrólise ocorre numa taxa de 0,3% a pH 3,0 em 20°C por seis meses) em dois fragmentos: o 4-deoxigalactose (4-CG) e o 1,6-dicloro-1,6-dideoxifrutose (1,6-DCF) os quais podem ser gerados a nível estomacal por ação do ácido clorídrico que pode variar o pH entre 1,0-2,0, a temperatura de aproximadamente 36°C (superior aos estudos de estabilidade do SCF, algo que poderia aumentar a velocidade de hidrólise). Um detalhe que vale a pena ser acrescentado:
são prontamente absorvidos pelo trato gastrointestinal.(Fig. 2 – 4-CG, à esquerda,
e o 1,6-DCF, à direita, com os átomos de cloro indicados em vermelho)
A sucralose teve seu consumo largamente explorado devido ao fato de não ser calórica, ter poder adoçante maior do que a sacarose em 600 vezes e ser termoestável. Além disso, não interage quimicamente com alimentos (razão pela qual pode ser utilizada como edulcorante em alimentos industrializados) e pode ser estocada, mantendo seu sabor. Outras características que são relativas à sucralose é sua não interferência à secreção de insulina, absorção e metabolismo da glicose (Claudio & Campos, 1995).
Porém, o JECFA (Joint Expert Comitte on Food Aditives) realizou, em 1999, estudos sobre a metabolização da sucralose e os riscos do seu principal metabólito: o 1,6-DCF (ainda que o 4-CG seja gerado, acredita-se que a tensão no anel de 5 membros torne o 1,6-DCF um metabólito potencialmente mais perigoso do que o 4-CG, que possui um anel de 6 membros). Os resultados preliminares indicaram que a sucralose não apresentava efeitos observáveis (NOEL – No Observable Effects Limit) na secreção de insulina além de não ser bioacumulado em fetos de roedores em gestação. Contudo, foi observado redução na massa corporal dos testes, sugerindo a impalatabilidade da sucralose adicionada aos alimentos (simulando o consumo humano para o adoçante) e não um efeito direto do próprio edulcorante que provocasse o emagrecimento.
Estudos mais recentes (ca. 2000) foram realizados pelo SCF, e revistos por Rodero, 2009, para atualizar os dados relativos à sucralose, incorporar fatores desconsiderados até então como: imunotoxicidade, alterações na flora intestinal e teratologia, além de responder de maneira mais conclusiva questões relativas ao uso da sucralose e variações do peso corporal – algo que foi atribuído anteriormente à impalatabilidade. Entretanto, a sucralose, administrada na dose de 1,0mg/kg/dia mostrou que não sofre metabolização e é eliminada em grande medida pela urina (78,3%). Outros estudos (John et al, 2000) empregando adminstração oral durante o período gestacional, utilizando 5 dias de administração com doses entre 1000, 1500 (preconizada como NOEL) e 3000 mg/dia,
não mostraram alterações na absorção e, por conseguinte, a eliminação renal foi mantida nas suas proporções, excretada de forma inalterada. Os produtos de hidrólise já comentados (4-CG e o principal, 1-6 DCF) foram também analisados.
São eliminados pela urina, tanto quanto a sucralose e são seguramente metabolizadas e eliminadas como conjugados ao ácido glicurônico (John, 2000). Estudos quanto à teratologia dos produtos de hidrólise (i.e. se há má formações) foram feitos em ratos em gestação nas doses de 500, 1000, 1500 e 2000mg/ dia e
não foram detectadas alterações quanto à formação fetal. Porém, os mesmos estudos mostraram que ocorriam alterações quanto à contagem leucocitária e também houve um aumento de nefropatias, provavelmente decorrente por sobrecarga renal, já que a via de eliminação é majoritariamente urinária. Os estudos feitos (Goldsmith & Meckel, 2000) com os metabólitos da sucralose, como o 1,6-DCF e o 4-CG (e também com intermediários destes metabólitos, como o 6-cloro-6-deoxifrutose, 6-CF) não revelaram efeitos teratológicos em ratos na dose de 16g/kg/dia – bem acima do recomendado pelo FDA – em concentrações de 1, 2 e 5%.
Os resultados mostram que, a 5%, ocorre as alterações hematológicas – como redução na contagem linfocitária – além de aumento de excreção de cálcio e magnésio.Discussão
A dose diária recomendada pelo FDA para o consumo de sucralose é 15mg/kg/dia. Considerando que os saches comercializados pela empresa Línea possuem 800mg cada, numa pessoa de peso médio de 70 kg, temos então o consumo de 1050mg/dia, contando apenas um sache. Embora os estudos mostrem que não ocorram alterações significativas quanto à captação e metabolização de glicose, secreção insulínica, alterações na formação fetal (o grande mote da empresa é a segurança do seu produto, de modo que qualquer pessoa pode utilizar, até crianças, idosos e gestantes, teóricos grupos de riscos), podemos ter quadros de alterações na excreção renal, alterações hematológicas já descritas e mesmo perda de importantes minerais. Estudos de Sazaki, 2002, mostraram que a sucralose está relacionada ao aumento da incidência de câncer do trato gastrointestinal. Ou seja, pode ser que o consumo “sem restrições” não seja assim tão livre, uma vez que envolve riscos à saúde. Um fato a se levar em conta é que os estudos utilizaram doses elevadas para os parâmetros estabelecidos como adequados ao consumo humano. Porém, poderíamos considerar que a freqüência com que se ingere a sucralose aliada com a persistência, i.e, o número de dias que é consumida, pode contribuir aos riscos associados ao consumo em grandes quantidades (um exemplo disso é o que frequentemente ocorre em escritórios:
quantos “cafezinhos” são tomados por dia? E quantos são adoçados com a sucralose? E o quanto isso representa ao longo de uma semana, um mês e até um ano?).
A Anvisa utiliza, como parâmetro base de sua regulamentação técnica para edulcorantes, as advertências da OMS, FDA e o próprio UE-SCF. Assim, o uso é liberado. A autoridade sanitária nacional afirma que os estudos feitos em outros países atestam a segurança da sucralose, algo que é endossado pelo aumento de consumo e mesmo prescrição por parte de médicos endocrinologistas e nutricionistas quando recomendam dietas com restrição calórica aos pacientes, em substituição ao aspartame e ao ciclamato monossódico.
Conclusão
Ainda que se mostre segura em termos toxicológicos, o consumo de sucralose não deve (ou pelo menos, não deveria) ser alardeada como “sem restrições”. Os resultados dos estudos mostraram que há sim riscos associados ao seu consumo e que podem contribuir, ao longo de anos, para problemas renais, hematológicos e mesmo câncer (ainda que este último não seja conclusivo). Como também não há estudos de toxicologia comparada, isto é, a comparação dos efeitos toxicológicos nas mesmas concentrações dos adoçantes no mercado, também deveria ser questionada a prática clínica de substituir os já existentes no mercado por um suposto adoçante mais seguro. Os riscos podem não ser compensadores frente aos efeitos adversos vindos do consumo durante de um período de tempo longo, e então se recomenda cautela quanto ao seu uso.
Referências Bibliográficas
RODERO, A. B.; RODERO, L. S. & AZOUBEL, R. Toxicity of sucralose in humans: a review. Int. J. Morphol., 27(1):239-244, 2009
SASAKI, Y. F. et al. The comet assay with 8 mouse organs: results with 39 currently used food additives Mutation Research/Genetic Toxicology and Environmental Mutagenesis, v. 519, n. 1-2, p. 103-119, ago. 2002.
EUROPEAN COMMISSION - HEALTH & CONSUMER PROTECTION DIRECTORATE-GENERAL - Directorate C - Scientific Opinions - C3 - Management of scientific committees II; scientific co-operation and networks. Opinion of the Scientific Committee on Food on sucralose
BRASIL. Resolução RDC n. 18 de 24/03/2008 – Regulamento Técnico que autoriza o uso de aditivos edulcorantes em alimentos, com seus respectivos limites máximos.
JECFA (1991) Evaluation of certain food additives and contaminants. Thirty-seventh
Report of the Joint FAO/WHO Expert Group on Food Additives. WHO Technical Report Series 806. WHO, Geneva.
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