É diabético ou tem peso a mais? Pela sua saúde, faça musculação
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É diabético ou tem peso a mais? Pela sua saúde, faça musculação



Durante muitos anos a estratégia de combate à obesidade e outros factores de risco cardiometabólicos, como a diabetes e resistência à insulina, centrou-se em intervenções no regime alimentar. Hoje é reconhecido, e bem, que o exercício físico e uma dieta saudável têm um efeito sinérgico no controlo destas patologias. São muitos os estudos que comprovam os benefícios do treino aeróbico, mas menos existem a abordar o efeito da musculação. Na verdade, os últimos anos foram férteis em indícios de que o treino de resistência muscular favorece o controlo da glicemia e do peso corporal, e, arrisco a dizê-lo, de uma forma mais proveitosa do que o treino aeróbio exclusivo.


A musculação ajuda a controlar a glicemia

Alguns ensaios comprovam que o exercício de resistência muscular reduz os níveis de HbA1c em diabéticos (um importante indicador do prognóstico da doença), potencia a acção da insulina no músculo e aumenta a tolerância à glicose. Estes efeitos não diferem substancialmente do treino aeróbio embora os mecanismos sejam algo distintos. Uma vez que a musculação induz um incremento de massa muscular e como a sensibilidade à insulina tem uma relação directa com o tecido magro (e inversa com o adiposo), vários estudos atribuíram os efeitos benéficos da musculação à hipertrofia muscular. Sabe-se hoje que os mecanismos são bem mais complexos do que isso.

Holten e colaboradores, e outros depois deles, verificaram um aumento na expressão de transportadores GLUT-4, glicogénio sintase, Akt e de receptores insulínicos (IR) após uma sessão de treino de resistência muscular. Se segue este blog, a AMPK já é familiar. Trata-se da enzima que regula todo o metabolismo energético através da sua sensibilidade à relação AMP:ATP. Em condições de carência energética, a AMPK actua no sentido de inibir os processos anabólicos e favorecer o catabolismo oxidativo de forma a gerar energia. Um dos processos promovidos pela AMPK é a translocação de GLUT-4 para a membrana celular, independentemente do efeito da insulina. De facto, é reconhecido que a actividade da AMPK ajuda no controlo da diabetes e na regulação dos níveis de glicose no sangue em pessoas com resistência à insulina.

Um dos sinais que activa a AMPK é a depleção do glicogénio muscular, um fenómeno rapidamente induzido pelo treino. Sabe-se que baixos níveis de glicogénio ajudam a controlar a diabetes e sensibilidade à insulina, o que aliás é um dos vários mecanismos através do qual as dietas low-carb exercem um efeito metabólico benéfico. Um outro mecanismo de activação directa da AMPK é a própria contracção do músculo-esquelético. O exercício físico estimula a captação de glicose do sangue pelo músculo em acção, independentemente da funcionalidade das vias metabólicas subordinadas à insulina. Portanto, em diabéticos ou em indivíduos resistentes à insulina, uma condição geralmente aliada ao excesso de peso, a musculação representa um potencial mecanismo de bypass às vias insulínicas disfuncionais, regulando a glicemia e atenuando os efeitos nefastos dos altos níveis de glicose.

O desenvolvimento de resistência à insulina está intimamente associado a uma inflamação nos tecidos metabólicos, particularmente no tecido adiposo. A obesidade mais que duplica os níveis séricos de citocinas pró-inflamatórias que contribuem para a dessensibilização do IR aos efeitos da insulina. Vários estudos sugerem que o exercício físico atenua a inflamação crónica que deriva da obesidade. Uma primeira explicação seria a redução da gordura corporal e consequente diminuição da produção de adipocinas pró-inflamatórias. No entanto, alguns trabalhos sugerem que os efeitos benéficos do exercício são independentes da redução no peso corporal e sabe-se que uma única sessão de treino é capaz de reduzir significativamente os níveis de certos marcadores inflamatórios como o TNF-alfa e CRP. Embora esta acção esteja bem documentada, pouco se sabe acerca dos processos bioquímicos que a suportam.

Um outro processo que induz a disfunção das vias insulínicas é a S-nitrosilação do IR, IRS-1 e Akt. A enzima iNOS, em resposta a estímulos inflamatórios, produz quantidades massivas de NO que reage e inactiva vários componentes das vias metabólicas dependentes da insulina. O treino parece inibir a actividade da iNOS e a AMPK parece ter aqui mais uma vez um papel de destaque. Pode parecer estranho para alguns este efeito deletério do NO já que muitas das intervenções no sentido de melhorar a performance procuram potenciar a sua produção. Mais uma vez, e esta é uma ideia em que pretendo insistir no blog, “a dose faz o veneno”. São 3 as enzimas que sintetizam o NO: eNOS, nNOS e iNOS. A última está intimamente relacionada com processos patológicos e produz grandes quantidades de NO que, como radial livre, reage com várias moléculas alterando a sua funcionalidade.

Manutenção de uma taxa metabólica e capacidade oxidativa elevadas

Qualquer actividade física tem evidentemente custos energéticos. O dispêndio energético durante o exercício aeróbico é geralmente superior a um treino de musculação e, portanto, é algo lógico pensar que seria um método preferencial quando o objectivo é a perda de massa gorda. Na verdade, não é assim tão simples e a musculação é bem mais eficaz em produzir resultados duradouros. À restrição calórica e treino de aeróbico está associada uma perda de massa muscular que deriva essencialmente do balanço energético negativo. Como o músculo tem um requerimento energético elevado, na ordem dos 17.6 kcal/kg, a sua manutenção é essencial para um metabolismo óptimo. Dois processos que estimulam o desenvolvimento de massa muscular e que inibem a sua degeneração são o treino de resistência muscular e as proteínas alimentares. Aqui reside a falha mais comum às dietas típicas que resultam inevitavelmente no fracasso. A perda de massa muscular e adaptação ao reduzido teor energético da dieta provocam uma queda da taxa metabólica que pode chegar aos 30%. Assim, é necessário consumir cada vez menos energia para continuar a perder peso ou simplesmente para não o ganhar novamente. Quando se retorna aos hábitos alimentares normais, é comum um ganho de gordura muito acentuado já que a deposição adiposa é bem mais rápida e favorável do que a síntese de massa magra.

O treino também promove a transição de fibras tipo IIx em IIa, metabolicamente mais activas, e aumenta a capacidade oxidativa das fibras musculares. Através da AMPK, a contracção muscular e o esgotamento das reservas energéticas estimulam a actividade de PGC-1α, um co-activador de PPAR-γ que promove a biogénese de mitocôndrias no músculo. Adicionalmente, a AMPK promove também um decréscimo nos níveis de malonil-CoA e, em consequência, uma maior actividade de CAT1 (carnitina acetil-transferase 1) que favorece a β-oxidação como processo de geração energética.

Portanto, o treino de musculação pode ser altamente benéfico para quem pretende perder peso uma vez que permite manter uma taxa metabólica elevada através da conservação da massa muscular, um aspecto em que o treino aeróbio e a restrição calórica falham redondamente. Para além disso, as alterações biológicas que ocorrem nas fibras musculares promovem um elevado dispêndio energético e capacidade oxidativa, mesmo em repouso, condições ideais para uma perda de gordura sustentada e que persiste além da sessão de treino e dieta.

É menos desgastante e mais rápido a exercer os seus efeitos

Todos podemos beneficiar das vantagens metabólicas que a musculação favorece mas existem dois grupos para os quais pode desempenhar um papel particular: os idosos e obesos. Um aspecto interessante e que sublinha a necessidade de promover a implementação do treino de resistência muscular em qualquer regime de perda e controlo de peso é o esforço reduzido na sua execução. A musculação exerce os seus efeitos benéficos a uma intensidade baixa, na ordem dos 20-40% da RM. É sem dúvida uma vantagem para incutir hábitos de exercício em indivíduos sedentários, relutantes em participar em actividades extenuantes e longas como o treino aeróbio, que geralmente só começa a mostrar resultados palpáveis acima dos 70% VO2 max. Adicionalmente, os benefícios induzidos pela musculação manifestam-se num curto período de tempo e os resultados surgem pouco depois da iniciação de um programa de treino. Não me refiro à alteração da composição corporal, que é um processo necessariamente longo e progressivo, mas às melhorais em parâmetros de risco cardiometabólico. Finalmente, a musculação em intensidade moderada diminui o risco de lesão em indivíduos obesos e sedentários, permitindo uma prática de actividade física contínua e agradável.

Por estas e outras razões, aconselho a adopção de um programa de musculação, exclusivo ou como complemento ao exercício cardiovascular e dieta. Só assim será possível conservar a massa magra que permitirá a manutenção de um peso saudável com uma dieta normal do ponto de vista calórico. Os benefícios metabólicos directos são também evidentes, especialmente em obesos, diabéticos e idosos, grupos mais susceptíveis aos factores de risco. Infelizmente, o treino de resistência muscular é muitas vezes posto de parte ou encarado com desconfiança e preconceito. “Não quero ficar muito grande e musculado/a” é um disparate que não é raro ouvir nos ginásios. Essa concepção deriva dos resultados de pessoas que dedicam uma grande parte da sua vida a treinos e dieta específicos, e que procuram maximizar o ambiente anabólico que lhes permite um aumento de massa muscular acima do ideal biológico. Ninguém fica grande por levantar uns pesos. Não é assim tão fácil…


Sérgio Veloso 



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