Estudo questiona a relação entre a obesidade e a longevidade
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Estudo questiona a relação entre a obesidade e a longevidade



Desde as primeiras décadas do séc. XX que os cientistas propõem a restrição calórica como um meio de prolongar a vida de roedores. O deficit energético está também muito associado a uma menor adiposidade, um aspecto que se julga importante para o efeito expansor da longevidade exercido pela restrição calórica, uma vez que o excesso de gordura está relacionado com o síndrome metabólico e diversas doenças degenerativas. Um estudo recente liderado pelo Dr. James Nelson desafia esta teoria e dá um novo fôlego ao paradoxo da obesidade.


Embora o aumento do tempo de vida com a restrição calórica (RC) em ratos seja há muito conhecida, os mecanismos fisiológicos por detrás não sairam ainda do campo teórico. Quem defende um contributo da perda de gordura fundamenta-se no papel do tecido adiposo para o desenvolvimento de uma série de patologias cardiomatabólicas. Esta hipótese foi comprovada laboratorialmente com a remoção da gordura visceral de ratos. No entanto, o aumento do tempo de vida em RC não se verifica para animais que não exibem doenças metabólicas e obesidade.

O paradoxo da obesidade é um fenómeno que captou a atenção dos cientistas durante algumas décadas mas que parece ser hoje ignorado e menosprezado. Ao contrário do que seria expectável à luz do paradigma actual, em pessoas saudáveis, a adiposidade parece relacionar-se com uma menor e mais tardia mortalidade. O argumento contra o efeito positivo de uma menor massa gorda na extensão da vida é contrariado por diversas observações. Ratos em RC com maiores reservas de gordura aparentam ter o maior prolongamento de vida e foram observadas relações positivas entre o tempo de vida e o peso corporal. No entanto, nenhum estudo testou se a redução na adiposidade per se está associada ao aumento da longevidade em ratos RC.

Os resultados da equipa do Dr. Nelson indicam que a redução nas reservas de gordura total correlaciona-se de forma inversa com a extenção de vida associada à restrição calórica. Estirpes com a menor redução de adiposidade exibiam uma maior probabilidade em ver a sua vida prolongada. Na verdade, nenhuma estirpe com aumento de longevidade induzida mostrou reduções no tecido adiposo total. Estes dados sugerem que a manutenção, e não a perda, de gordura com restrição calórica, ou efeitos subjacentes a ela, é importante para o efeito da restrição calórica no aumento do tempo de vida.

O motivo pelo qual a manutenção da massa adiposa está relacionada com a longevidade em ratos não é clara. Ao contrário da expectável relação entre a redução da temperatura corporal e a conservação energética, e consequentemente com a preservação da gordura, a equipa verificou que a massa e a temperatura corporais estavam correlacionadas positivamente: estirpes com uma menor temperatura em RC tinham menos gordura e peso. Curiosamente, a redução da temperatura corporal parece prever de forma inversa a extensão do tempo de vida.

Uma outra estratégia fisiológica para conservar energia é o sacrifício de massa magra, reduzindo assim a taxa metabólica do organismo. Ao contrário da expectativa de que a canibalização da massa magra seria maior nos animais que mantiveram a adiposidade, a equipa verificou que esta estava associada directamente com a perda de gordura, ou seja, quanto mais massa gorda perdida, maior o sacrifício da massa magra.

Os dados indicam que a redução da massa gorda abaixo de um limiar ainda não definido é um factor de risco para uma menor esperança de vida em restrição calórica. Estudos epidemiológicos mostram claramente que tanto ter muita como pouca gordura corporal  é deletério e a curva que relaciona a adiposidade com a longevidade tem uma forma de “U”.

As diferenças entre estirpes salientam a importante componente genética destes resultados. A relação inversa entre a longevidade e a perda de gordura em resposta a restrição energética sugere que estas duas características partilham um background genético. Segundo o Dr. Nelson, "alguns [indivíduos] têm grande dificuldade em perder peso enquanto que outros têm dificuldade em o manter. Se estes resultados se aplicarem aos humanos, eles sugerem que os indivíduos com dificuldade em perder peso podem beneficiar mais dos efeitos positivos da restrição calórica do que pessoas que o perdem facilmente". Enfatizo desde já o "se".

Convém salientar que este estudo apenas considerou a massa adiposa total, não excluindo a hipótese de uma redução localizada de gordura visceral. A restrição energética poderá não só redistribuir a gordura corporal como também modificar o padrão secretório de adipocinas, condicionando o metabolismo e inflamação. Por exemplo, a adiponectina aumenta em deficit energético e está envolvida na sensibilização à insulina e homeostase da glicose, exercendo também um efeito anti-inflamatório. A restrição calórica também reduz os níveis de TNF-α, uma citocina pro-inflamatória que promove a resistência à insulina e stress oxidativo.

O significado e importância deste trabalho são limitados mas desafia a corrente que considera a gordura corporal como um factor causal directo para uma reduzida esperança de vida descurando os factores genéticos, algo que é aliás posto em causa por vários estudos epidemiológicos. A perda de peso e gordura não parece relacionada com o aumento da longevidade que a restrição calórica poderá eventualmente promover. Convém no entanto reforçar que a extrapolação desta relação dos pequenos roedores para os humanos é abusiva e não existem provas de que comer em deficit aumente a esperança de vida. É uma teoria elegante e apelativa que tem sido defendida por alguns, mas que não passa disso mesmo: uma teoria (o exemplo de Okinawa não serve…).



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