Mudando o paradigma do batido pós-treino: serão os hidratos de carbono mesmo necessários?
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Mudando o paradigma do batido pós-treino: serão os hidratos de carbono mesmo necessários?



Se existe um dogma em nutrição desportiva é que cada sessão de treino deve ser rematada com um batido de proteína e hidratos de carbono (CHO). A whey é a fonte proteica preferencial e o seu efeito anabólico foi já comprovado por diversos estudos no Homem e em modelos animais. A fonte de hidratos de carbono é já mais controversa, mas procura-se um alimento de fácil digestão e rápida absorção, como a maltodextrina, amilopectina/Vitargo ou mesmo dextrose. São geralmente alegados dois motivos para a adição de glícidos ao batido pós-treino: 1) reposição do glicogénio e 2) fomentar um balanço proteico positivo através do efeito anabólico e anti-catabólico da insulina. Embora o primeiro seja favorável em termos de rendimento, não tem grande sentido em modalidades de cariz estético e recreativo. Mas se o segundo for verdadeiro, teríamos o aumento de massa magra que todos ambicionam, seja para potenciar a performance ou apenas no culto do físico. Um estudo recente encabeçado por Aaron Staples desafia esse princípio e mostra que a insulina não é aditiva ou sinérgica à proteína quando os hidratos de carbono são co-ingeridos após o treino. Na verdade, eles são perfeitamente dispensáveis.


A hipertrofia é uma resposta adaptativa do músculo ao exercício apenas possível quando o balanço azotado é positivo, ou seja, quando a taxa de síntese proteica excede a sua degradação. Em jejum, o treino de força não resulta na acreção de proteína, mas a ingestão de proteína ou aminoácidos essenciais promove um balanço positivo que permite a hipertrofia muscular no período de recuperação.

O papel da insulinémia, potenciada pelo consumo de CHO, no anabolismo induzido pelo treino está ainda pouco clarificado. Embora alguns estudos sugiram que não existe um benefício acrescido em adicionar CHO à refeição pós-treino, outros mostram que a hiperinsulinémia estimula a taxa de síntese proteica no músculo e inibe o catabolismo, dois mecanismos que resultam num balanço global favorável.

Vários trabalhos foram já realizados para estudar o efeito da refeição pós-treino na recuperação e rendimento, mas curiosamente poucos simulam condições reais. Os métodos empreges resultam em hiperaminoacidémia e hiperinsulinémia sustentadas, algo que raramente acontece com alimentos normais. Glynn forneceu a atletas 20g de aminoácidos essenciais mais 30g ou 90g de CHO, não tendo notado qualquer diferença na cinética proteica pós-treino independentemente da quantidade de hidratos de carbono. Mas sem um grupo suplementado apenas com aminoácidos torna-se impossível saber se os CHO têm ou não um efeito sinérgico.

Staples propõe colmatar essa lacuna e estudar se uma dose de 50g de maltodextrina tem algum efeito adicional a 25g de isolado de whey, uma dosagem de proteína que já mostrou maximizar a taxa de síntese proteica. Para tal, recrutou um pequeno grupo de 9 jovens atletas, nos quais estudou a cinética proteica e vários sinalizadores celulares com reconhecido efeito anabólico, nomeadamente Akt, p70S6K, ERK1/2, 4EBP1 e eEF2.

Como esperado, a glicemia e insulinémia foram notavelmente superiores no grupo PRO + CHO (A e B). A concentração de aminoácidos essenciais foi significativamente inferior aos 60 e 90 min no grupo que apenas consumiu proteína (C), algo facilmente explicável pela captação mais rápida e eficiente por parte dos tecidos periféricos.



A equipa verificou também que não houve um aumento na taxa de síntese proteica ou inibição da degradação induzida pela proteína quando esta era co-ingerida com hidratos de carbono. O efeito de PRO + CHO era semelhante a PRO por si só.



Em relação aos sinalizadores intra-celulares, apenas se verificou uma diferença em relação ao Akt, expectável já que se trata de um factor que responde directamente à insulina. Quanto aos mecanismos potenciados por mTOR, não foi encontrada qualquer diferença entre PRO e PRO + CHO. Estes resultados indicam que a aminoacidémia e insulinémia derivada do consumo de 25g de isolado de whey é suficiente para maximizar qualquer eventual estímulo mediado pela insulina na síntese ou degradação proteica.

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Mas é possível no entanto que a hiperinsulinémia desempenhe um papel de relevo quando a dose de proteína é limitante, uma situação que não foi avaliada neste estudo. A insulina aumenta a perfusão dos tecidos, um mecanismo que pode auxiliar a nutrição muscular quando a aminoacidémia é moderada. Mas uma dosagem comum de whey, cerca de 30g, é suficiente para induzir hiperaminoacidémia e promover um balanço azotado positivo, independentemente dos hidratos de carbono ingeridos.

Portanto, se procura maximizar o desenvolvimento muscular com a nutrição pós-treino, a whey é tudo o que precisa. Esqueça os hidratos de carbono de absorção rápida, algo que irá ser bastante benéfico para aqueles com metabolismos intolerantes ou que pretendem perder gordura com o mínimo sacrifício de massa muscular. No entanto, se falarmos de performance, entramos num campo totalmente diferente. Mas será essa a primeira preocupação do comum atleta recreativo praticante de musculação? Muito raramente. Nestes casos talvez seja altura de deixar cair os hidratos de carbono.

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