O que acontece quando ingerimos o dobro da proteína recomendada? Perdemos mais gordura!
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O que acontece quando ingerimos o dobro da proteína recomendada? Perdemos mais gordura!




Já estamos na altura de re-avaliar a dose diária recomendada de proteína (RDA), ainda nos pré-históricos 0,8 g/Kg de peso baseados em estudos sem validade na "vida real". E pior do que isso, trata-se de uma recomendação que pode comprometer severamente a composição corporal de um indivíduo, independentemente do nível e tipo de actividade física. A parte boa é que poucos a cumprem e é já assumido por todos os que se interessam por performance que roça o absurdo para um atleta, seja ele recreativo ou de alta competição. E o que acontece se ingerirmos ou dobro ou o triplo da RDA numa dieta de restrição calórica, em conjunto com treino de força? Simples... Perdemos mais gordura e preservamos mais músculo. Nada de surpreendente mas são estes os resultados de um novo estudo publicado recentemente do FASEB J. Estes e mais uns pormenores interessantes...

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Um dos aspectos mais interessantes deste estudo foi o facto de ter sido efectuado em internato, numa metabolic ward. Quando se trabalha com militares tudo é mais simples. Sabemos exactamente o que comiam, quando comiam, quanto tempo dormiam (o que é fundamental quando falamos em homeostase proteica), como treinavam, quando iam à casa de banho... Enfim... Tudo. Os participantes foram submetidos a um déficit calórico de 40%, dos quais 30% dependia da dieta. Os restantes 10% eram estimados da actividade física, com exercícios cardiovasculares diários e treino de força 3x por semana. Um grupo ingeriu a RDA (0,8 g/Kg), outro o 2xRDA (1,6 g/Kg), e outro 3xRDA (2,4 g/Kg). A gordura alimentar foi mantida constante (30%) e os hidratos de carbono variavam de acordo com o total calórico a atingir - RDA - 272 g/d; 2xRDA - 199 g/d; 3xRDA - 121 g/d. A intervenção durou 21 dias em regime hipocalórico, após um período inicial de 10 dias com uma dieta isoenergética (aporte igual ao dispêndio).

Como podem ver no gráfico A em baixo, o grupo que ingeriu 0,8 g/Kg de proteína perdeu mais peso, em particular quando comparamos ao grupo intermédio (2xRDA) - 3,5 Kg vs 2,7 Kg. Mas se olharmos para o gráfico B, percebemos que as proporções de gordura e músculo perdidas foram bem diferentes. Enquanto que o grupo RDA perdeu 58% do peso como massa magra, o grupo 2xRDA apenas 30% e o 3xRDA 36%. Apenas 42% foi gordura no RDA, contra 70% e 64% nos grupos 2xRDA e 3xRDA respectivamente. 


Os investigadores avaliaram também marcadores de síntese proteica e a taxa metabólica em dieta. O grupo 3xRDA verificou um ligeiro aumento da síntese proteica pós-prandial, que não se traduziu em maior preservação de massa magra.  Apesar do reconhecido efeito termogénico das proteínas, a sua magnitude é relativamente pequena para ter impacto num período de tempo tão curto.

As conclusões são claras. Uma dieta com um teor proteico acima do recomendado favorece a perda de gordura e preservação da massa magra em dieta. De qualquer forma, um déficit de 40% é demasiado alto e, no mínimo, levou a uma redução da massa magra em 30%. É aconselhado uma restrição mais moderada, na ordem dos 20-30%, de forma a poupar mais músculo em detrimento da gordura. Convém também salientar que não se tratavam de indivíduos obesos nem com excesso de peso (cerca de 77 Kg em média). As reservas de gordura eram pequenas e é natural que a proporção perdida tivesse sido superior em indivíduos obesos, independentemente do aporte proteico.

Alguns de vocês devem estar a pensar porque razão os resultados foram piores com 2,4 g/Kg de peso. O catabolismo proteico é indutível, ou seja, quanto mais proteína ingerimos maior a actividade de enzimas que a degradam. Além disso, os hidratos de carbono "poupam" proteína, reduzindo a necessidade de gluconeogénese hepática. Poderíamos também pensar que este efeito anti-catabólico se deve à insulina, mas já sabemos que algumas proteínas estimulam a sua secreção certo? As concentrações plasmáticas de insulina necessárias para maximizar o efeito anti-catabólico são modestas (aprox. 180 pmol/L).

Dito isto, no grupo 3xRDA, mais proteína estaria a ser canalizada para a produção de glicose no fígado. A menor quantidade de hidratos de carbono ingerida e o excedente de proteína contribuíram para uma maior actividade catabólica da proteína e gluconeogénese. A proporção de gordura alimentar na dieta era baixa (30%), e a de hidratos ainda demasiado alta para activar mecanismos que reduzem as necessidades de glicose - cetogénese. Por outras palavras, 2,4 g/Kg pode ser demasiado para as escassas 121 g de hidratos de carbono por dia, para mais com a prática de musculação. A reposição de glicogénio é uma prioridade metabólica que requer produção de glicose quando não é ingerida a suficiente. Mas sem a prática de actividades de carácter glicolítico e anaeróbio estaríamos num cenário completamente diferente, e a necessidade de hidratos de carbono seria claramente inferior.

Um aspecto muito importante é que o grupo RDA na verdade REDUZIU o seu aporte proteico. Antes da intervenção eles ingeriam habitualmente 1,43 g/Kg. Quando a actividade enzimática responsável pelo turnover proteico está adaptado a um nível, demora tempo até se ajustar de novo. O catabolismo é mais elevado simplesmente porque o nosso metabolismo está a funcionar para um aporte superior. Este efeito é bem conhecido e, com o passar do tempo, serão previsíveis adaptações no sentido de poupar proteína com um consumo mais baixo, até nos ridículos 0,8 g/Kg. A pior coisa que podem fazer em dieta é reduzir o aporte proteico, ou os primeiros dias serão um autentico massacre ao músculo.

Este estudo vai ao encontro das recomendações que tenho feito por aqui. Entre os 1,6 e os 2,4 há um gap em que não sabemos o que acontece, mas os 2 g/Kg de peso ajustam-se perfeitamente para um indivíduo comum. É importante também entender que tudo isto tem de ser ajustado ao tipo e frequência de treino. Pessoalmente, não considero que o método seguido neste estudo seja o mais apropriado - aeróbios diários a 40-60%. Também tenho dito que a restrição severa de hidratos de carbono, mas sem chegar à cetose, pode ser contraproducente para quem pratica musculação. Mesmo em dieta de restrição. Mas falo em hidratos de carbono totais! E não apenas batatas, arroz e massa... A relação massa gorda/magra torna-se menos favorável, embora a perda de peso seja mais rápida.





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