O efeito anti-depressivo da gordura
Saúde

O efeito anti-depressivo da gordura



Quem já não recorreu a um chocolate (só um?) ou à junk food mais junk que estiver à mão para afogar as mágoas? Os comportamentos alimentares emocionais de conforto são bem reconhecidos mas ainda pouco elucidados a nível neuroendócrino. Verdade ou mito? Uma desculpa para a indulgência? Não parece ser o caso. Uma equipa de investigadores Belga publicou recentemente no Journal of Clinical Investigation provas do efeito confortante da gordura, independente dos estímulos sensoriais. Estes resultados podem também explicar a espiral para a obesidade quando enfrentamos situações de stress.


A equipa liderada por Lukas Van Oudenhove submeteu 12 indivíduos com peso saudável a MRIs cerebrais após a infusão intragástrica de ácido dodecanoico (C12) ou de uma solução salina (0.9% NaCl). Os participantes foram sujeitos a estímulos musicais e visuais neutros e de tristeza. A aplicação directa do nutriente teste no estômago neutraliza a percepção orosensorial através do paladar ou olfacto.

Como esperado, os estímulos musicais e visuais induziam padrões de tristeza entre os voluntários. No entanto, os indicadores de humor eram cerca de 50% mais favoráveis após o consumo de gordura. A sensação de fome aumentou em resposta aos estímulos, mas era significativamente inferior com o ácido dodecanoico. O padrão de activação das áreas cerebrais foi consistente com estes resultados.

Para mim, um fanático da bioquímica picuinhas, o resultado mais interessante foi sem dúvida a inibição deste efeito anti-depressivo da gordura através da antagonização da colecistocinina (CCK), uma hormona gastrointestinal que contribui para a regulação da homeostase energética. Poderá ser também o elo de ligação entre a dieta e as emoções, aquilo a que se chama "emoções homeostáticas", um conceito bem patente nos trabalhos de A. Damásio e A. Craig.

Algo que me deixa inquieto em relação a estes resultados é o facto de não terem sido comparados outros nutrientes calóricos. Testou-se uma solução salina vs um ácido gordo. Teria sido possível reproduzir os resultados comparando a gordura ao açúcar por exemplo? O efeito deve-se às gorduras ou às calorias? São perguntas que ficam sem resposta neste estudo. No entanto, tendo em conta que a CCK responde primariamente à gordura e proteína alimentar, não é de excluir um efeito selectivo para determinados nutrientes.

Mas não consigo deixar de pensar em algo estúpido, muito estúpido. Assim sendo, será que as dietas low-carb/cetogénicas nos fazem mais felizes? Não me parece sequer concebível, mas pouco me surpreendia se este trabalho passasse a fazer parte dos argumentos da irmandade Taubiana.

Que a comida pode ser reconfortante não é novidade. Talvez o seja apenas para aqueles mais deslocados da realidade que consideram o comportamento humano totalmente dependente da vontade mental. Por mais desanimador que possa ser, existe um factor biológico, puramente mecanicista, que controla as nossas acções e em particular o nosso comportamento alimentar. Não se trata de uma mera desculpa esfarrapada para ceder à tal mousse de chocolate, mas de um impulso inato para aliviar a dor.

J Clin Invest. 2011;121(8):3094–3099. doi:10.1172/JCI46380.



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