O perigo do "coma de tudo um pouco" e de uma "dieta variada"
Saúde

O perigo do "coma de tudo um pouco" e de uma "dieta variada"



Há uns tempos escrevi aqui no blogue a razão pela qual não devemos variar assim tanto na nossa dieta do dia-a-dia, e provavelmente terá sido o artigo alvo das criticas mais acesas. Isto porque está muito enraizado na nossa cultura nutricional que "devemos comer de tudo um pouco". "Nada faz mal se for só um bocadinho". Na verdade somos um povo moderado por excelência, e do "assim-assim mais ou menos". A meu ver, a mensagem de que podemos comer de tudo em moderação é perigosa, e sem sentido na verdade. Se uma coisa faz mal, não comas. Simples não é? E na verdade, um artigo publicado recentemente na PLoS ONE parece concordar comigo [link]. Aqueles com maior diversidade alimentar parecem ser também os mais propensos para doenças cardiometabólicas como a diabetes, e maior perímetro de cintura.

Será que isto vos faz algum sentido? A mim faz todo o sentido mas a moderação não é uma qualidade que me assiste. "Ah e tal... vou só comer desta vez, amanhã porto-me bem". Quem já não pensou assim para se sentir melhor consigo mesmo? E depois no dia seguinte não nos portamos assim tão bem, constantemente abrindo excepções que se tornam regra.

Os investigadores do estudo citado verificam que aqueles com maior diversidade alimentar tinham um aumento 120% superior no perímetro da cintura a 5 anos. Um bocadinho de tudo é no fundo um bocadinho de muita porcaria, muitas vezes ao dia. As pessoas com as dietas mais saudáveis tendem a focar-se numa gama de alimentos restritos, o que não é necessariamente mau. Depende dos alimentos, e da sua densidade nutricional. E descansem que não fica a faltar nada desde que sejam feitas as escolhas mais inteligentes. Além disso, como é sugerido num editorial do The American Journal of Clinical Nutrition, "a vida moderna apresenta muitas escolhas deliciosas às refeições. Demasiadas para pessoas que respondem à comida como se fosse uma droga aditiva. O problema da obesidade poderia ser eficazmente combatido se as escolhas alimentares fossem limitadas".

A sociedade moderna é caracterizada pela abundância e variedade. Uma variedade enorme de paladares e alimentos que são como fogo de artifício para os nossos centros sensoriais. É já sabido que uma grande variedade de alimentos no prato aumenta a ingestão calórica, favorecendo uma série de estímulos recompensantes diferentes que atrasam a saciedade. Da mesma forma, sabe-se que indivíduos obesos são mais susceptíveis aos efeitos da variedade na ingestão calórica numa refeição e que aumentar a gama de alimentos é uma boa estratégia para quem tenta ganhar peso.

Em psicologia e ciências do comportamento existe um fenómeno conhecido como "habituação". Trata-se de uma forma de "aprendizagem" em que se verifica uma diminuição da resposta provocada pela exposição repetida ao estímulo. Já vimos que a variedade numa refeição pode atenuar o processo de "habituação" a curto prazo, mas um estudo de 2011 [link] mostrou pela primeira vez que a exposição repetida a uma mesma refeição reduz consideravelmente a ingestão calórica expontânea. O trabalho, liderado por Leonard Epstein da Universidade de Buffalo, analisou o consumo alimentar de mulheres obesas e não-obesas que receberam uma refeição de macarrão com queijo todos os dias durante 5 dias, ou uma vez por semana durante 5 semanas. As mulheres no grupo que ingeriu a mesma refeição em 5 dias consecutivos reduziu espontaneamente a quantidade de alimento, independentemente de ser obesa ou não. O grupo com maior variedade de escolha, que ingeriu a refeição teste apenas uma vez por semana, não alterou o padrão alimentar. Na verdade, até se verificou uma tendência para aumentar a ingestão.

Os resultados deste estudo mostram precisamente o fenómeno de "habituação" a um estímulo repetido num curto espaço de tempo, consecutivamente. Promover a "habituação" servindo repetidamente as mesmas refeições parece promover uma redução espontânea na ingestão calórica ao longo do tempo. Ora, isto é precisamente o contrário da prática corrente, baseada num princípio de variedade de estímulos providenciados por múltiplos alimentos. É muito comum ver planos alimentares com diferenças substanciais entre os dias da semana e até com um grande número de alimentos diferentes numa mesma refeição. No paradigma das ciências comportamentais e de alguns estudos como este, esse princípio poderá ser contraproducente para o objectivo de perder peso.

A variedade em escolhas alimentares apelativas parece ser importante a determinar se a "habituação" e tolerância pode ou não desenvolver-se. Mas no nosso ambiente alimentar moderno, a monotonia é rara ou inexistente. É natural que um estímulo repetido se torne cada vez menos gratificante. Comer a mesma coisa consecutivamente reduz o prazer associado à refeição e, em consequência, diminui a quantidade ingerida de forma espontânea. Quem já não teve aquela sensação de "estou farto de comer isto"? O que não é necessariamente mau... A comida deveria estar associada o menos possível à componente hedónica, de prazer, que lhe é inerente. 

Concluindo, uma "dieta variada" é um conceito muito bonito e romântico, mas que na prática não funciona assim tão bem quando o objectivo é optimizar a composição corporal e perder peso. Para mais quando essa variedade é de produtos altamente apelativos como a famosa bolacha maria, alimentos light com substitutos do açúcar [link], entre outras coisas que fazem da "dieta" um prazer. Nós não precisamos que os alimentos sejam "gratificantes". Para isso que se faça uma cheat meal esporádica. Precisamos sim que os alimentos sejam funcionais. Isto não significa comer sempre a mesma coisa, mas limitar o número de estímulos distintos a que estamos expostos e tornar a nossa vida mais prática. Com a devida distinção, um leão não se preocupa se come girafa ao pequeno-almoço, gazela ao almoço, e bisonte ao jantar. Para não enjoar. Todos os animais, e nos fazemos parte do grupo, comem o que há disponível. Na Natureza não é assim tanto, no supermercado é bem demais. E na verdade, tirem o trigo e os lacticínios a 90% das pessoas e não sabem o que vão comer. Estamos a falar de dois alimentos. Isto sim é uma dieta monótona.




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