Saúde
A dieta cetogénica Mediterrânea de Espanha: a arma derradeira contra o Síndrome Metabólico?
A restrição dos hidratos de carbono é benéfica, pelo menos para alguns, em parâmetros metabólicos de risco para doenças cardiovasculares e diabetes. Existem vários estudos que evidenciam uma melhoria considerável em indicadores como o BMI, perímetro abdominal, perfil lipídico, glicemia e insulina em jejum. Uma equipa da Universidade de Córdoba, Espanha, relatou recentemente num artigo publicado no
Journal of Medicinal Food que uma “dieta cetogénica Mediterrânea Espanhola” cura o Síndrome Metabólico. Mas do que se trata esta “dieta cetogénica Mediterrânea Espanhola”? Que significado tem “curar” o Síndrome Metabólico?
A definição clínica de Sindrome Metabolico (MetS) foi criada no sentido de classificar e avaliar esse risco de acordo com os marcadores mais comummente alterados: adiposidade abdominal, dislipidémias (HDL-C baixo e triglicéridos elevados), glicemia em jejum e pressão arterial. Todos estes parâmetros são manifestações fenotípicas da relação entre a dieta e o
background genético de cada um. Convém no entanto nunca esquecer que é um diagnóstico baseado em critérios artificiais que consideram o número de factores de risco presentes. Alguns estudos sugerem que o factor mais relevante seja a resistência à insulina/intolerância à glicose e que este indicador possa por si só prever o sucesso de uma dieta
low-carb.
Como conceito convencionado que é, a definição clínica de Síndrome Metabólico tem mudado bastante desde a sua criação em finais dos anos 90. Um dos critérios mais utilizados foi estabelecido pelo NCEP III e estipula a presença de pelo menos 3 de 5 factores, nomeadamente, HDL-C baixo, triglicéridos elevados, pressão arterial sistólica superior a 13/8.5 e glicemia em jejum >110 mg/dL. Este último valor foi mais tarde revisto para >100 mg/dL. Mas devido ao facto de o NCEP III não considerar a etnia, a Federação Internacional da Diabetes (IDF) estabeleceu em 2004 uma nova definição global para identificar indivíduos em risco acrescido (clique para ampliar):
Joaquín Perez-Guisado e Andrés Muñoz-Serrano utilizaram a convenção da IDF para seleccionar 22 indivíduos com Síndrome Metabólico diagnosticado. Foram recrutados entre os pacientes de uma clínica de emagrecimento, pelos seguintes critérios:
- Uma dieta quotidiana à base de hidratos de carbono (>50% da energia);
- Alcance das metas de peso estabelecidas;
- Função renal e hepática normais;
- Sem antecedentes de gota ou ácido úrico elevado;
- Sedentários (o exercício seria uma variável secundária que se pretendeu minimizar);
- Não-fumadores;
- Sem historial de alcoolismo;
- BMI >30;
- Pelo menos 18 anos de idade e com não mais de 65 anos;
- Que não estivessem a tomar qualquer tipo de medicação.
Esta amostra foi submetida a uma dieta a que os autores chamam “dieta cetogénica Mediterrânea Espanhola”, um regime que incorpora azeite e ómega-3 do peixe como fontes principais de gordura, consumo moderado de vinho tinto, verduras e saladas como fontes de hidratos de carbono, e peixe como fonte principal de proteína. Tal como a maioria das dietas cetogénicas, as calorias não eram limitadas. No entanto, o consumo de hidratos de carbono estava restringido a 30g diários. Exigia-se um consumo mínimo de 30mL de azeite, 200-400 mL de vinho tinto e uma injestão ilimitade do bloco proteico. Este podia ser constituído de peixe ou outras fontes proteicas, garantindo um mínimo de 4 dias por semana em que apenas se consumia peixe.
Para garantir a ingestão pretendida de ómega-3, nos dias em que não se consumia peixe eram fornecidas 9g de óleo de salmão em cápsulas. Todos os participantes tomaram também um multivitamínico de largo espectro.
A intervenção prolongou-se por 12 semanas, com avaliações intermédias dos vários parâmetros metabólicos de interesse. Os resultados são apresentados na tabela seguinte e não podiam ser mais claros (clique para ampliar):
Todos os 22 indivíduos ficaram “curados” do Síndorme Metabólico, ou seja, a melhoria nos parâmetros permitiu que se desenquadrassem do diagnóstico clínico de MetS. Todos os indicadores melhoraram substancialmente, sem excepção. Apesar da notória perda de peso, o BMI médio continuou na categoria de obeso e 77.3% das pessoas mantiveram um índice de risco. Mesmo assim, o sucesso terapêutico da dieta foi total. Foram relatados alguns efeitos secundários menores muito comuns às dietas ditas cetogénicas.
Não é novidade nenhuma que as dietas
low-carb são favoráveis em indicadores de risco metabólico e já aqui apresentei diversas evidências nesse sentido. Também a dieta Mediterrânea é proposta por alguns autores como benéfica em situações de intolerância à glicose e risco cardiovascular. No entanto, não existe uma dieta Mediterrânea e as diferenças inter-regionais e variedade tornam impossível isolar os componentes benéficos desse regime. Em bom rigor, a verdadeira dieta Mediterrânea seria a praticada na ilha de Creta, um regime que não inclui massas e enchidos. É um ponto que convém ficar bem assente. De acordo com os resultados do estudo, o elevado teor em peixe e azeite seriam constituintes favoráveis à saúde metabólica e redução de risco.
Este trabalho vai ao encontro de muitos princípios que defendo, mas não sai daqui sem críticas. Pelo que nos é dado a conhecer da dieta, não estranharia que muitos indivíduos não tivessem entrado realmente em cetose. A cetonúria não foi testada. O elevado consumo de proteína pode bloquear o processo. Suspeito que se trate de mais uma dieta hiperproteica
low-carb, um regime que também se sabe ser extremamente benéfico no Síndrome Metabólico, pelo menos a curto-médio prazo.
Um aspecto ainda mais evidente é a reduzida dimensão da amostra. A selecção dos indivíduos não foi aleatória, tendo sido escolhidos apenas aqueles com um historial de aderência às dietas propostas pela clínica. Mas o mais relevante é a ausência de um grupo controlo, um aspecto que me deixa relutante em aceitar estes resultados como generalizáveis e significativos.
A ideia de suplementar com multivitamínico também não foi feliz. A insegurança em relação à dieta não é justificada. Não fica claro se o aporte acrescido de cálcio ou vitamina D poderão ter influenciado os resultados. Estas duas substâncias foram já associadas à redução de peso (cálcio) e atenuação do risco cardiovascular e metabólico (vitamina D).
O conceito de “dieta cetogénica Mediterrânea Espanhola” é um pouco abstracto e arbitrário. Podia muito bem chamar-lhe “dieta cetogénica Mediterrânea Portuguesa”, ou melhor ainda “dieta hiperproteica Mediterrânea Ibérica”. Apesar de os resultados suportarem muito do que tento transmitir no blogue, seria desonesto da minha parte deixar de apontar falhas metodológicas que considero graves. Mas o que fica para a história é que o sucesso terapêutico foi total. Será uma cura definitiva? Duvido muito…
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Joaquín Perez-Guisado e Andrés Muñoz-Serrano (2011). A Pilot Study of the Spanish Ketogenic Mediterranean Diet: An Effective Therapy for the Metabolic Syndrome.
Journal of Medicinal Food. Epub AOP May 25.
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