As dietas hiperproteicas marcam de novo, desta vez contra regimes ricos em fibra
Saúde

As dietas hiperproteicas marcam de novo, desta vez contra regimes ricos em fibra



O debate acerca de qual a melhor composição macronutricional de uma dieta para perder peso ou melhorar determinados factores de risco parece não ter fim. As recomendações oficiais das autoridades de saúde que se baseiam em regimes com um elevado teor de hidratos de carbono (CHO) complexos têm sido recorrentemente postas em causa nos últimos anos. Dietas mais ricas em proteína e até em gordura têm-se mostrado mais eficazes para perda de peso, controlo de factores de risco cardiometabólicos e gestão da diabetes. O potencial em reduzir os níveis de triglicéridos e a tensão arterial, mantendo ou melhorando o HDL-C é particularmente evidente em dietas hiperproteicas. No entanto, ficam algumas dúvidas dos vários estudos comparativos efectuados, especialmente quanto às fontes de CHO que nem sempre correspondem aos alimentos ricos em fibra que se julgam benéficos. Uma equipa neozelandesa encabeçada por Lisa Morenga comparou o efeito de uma dieta rica em proteína com um regime de elevado teor em fibra. Os resultados foram publicados há poucos dias no Nutrition Journal.


A equipa recrutou 74 mulheres com um BMI mínimo de 27 e que tencionavam perder peso. O estudo consistiu numa intervenção dietética de 8 semanas em que as participantes foram aleatoriamente distribuídas em dois grupos correspondentes às duas dietas em teste:

- Dieta hiperproteica (HP): constituida por 30% proteína, 40% CHO e 30% gordura. O plano alimentar básico consistia em 3 doses diárias de proteínas magras e 3 serviços de pão e cereais.

- Dieta rica em fibra (HFib): constituída por 20% proteína, 50% CHO e 30% gordura. Recomendou-se um serviço diário de 100g de proteína magra, 6 serviços de cereais e derivados integrais e uma dose de legumes.

Ambas as dietas permitiam consumos semelhantes de frutas e de gorduras. A gordura saturada foi limitada a 10% em ambas as intervenções. Tanto HFib como HP eram regimes hipocalóricos, com restrições energéticas entre as 500-1000 kcal/dia em relação ao requerimento diário.

Os resultados do estudo demonstram que ambas as dietas conferem benefícios em relação à perda de gordura, perímetro da cintura, adiposidade do tronco, tensão arterial, glicemia em jejum, colesterol total, HDL-C, triglicéridos e sensibilidade à insulina. No entanto, a magnitude do impacto não foi igual em ambas. A dieta HP mostrou uma maior redução na adiposidade, tensão arterial e triglicéridos, com uma melhoria mais acentuada da sensibilidade à insulina. Ao contrário de estudos precendentes, as participantes incluídas no grupo HP não relataram redução do apetite, antes pelo contrário. O consumo calórico total foi tendencialmente superior em HP, embora este grupo tenha perdido mais peso corporal do que HF. Não foram verificadas quaisquer evidências de um efeito deletério da proteína animal nos parâmetros cardiometabólicos estudados.

Uma característica que distingue este estudo de muitos outros é que as participantes não evidenciavam disfunções metabólicas. Embora isto possa ser visto como uma limitação, permite confirmar que resultados positivos anteriores em indivíduos com hipertrigliceridémia ou diabetes também se aplicam à generalidade das pessoas. A duração do estudo, 8 semanas, é curta para estabelecer conclusões robustas, uma vez que certos trabalhos indicam que o efeito benéfico destas intervenções se dilui no tempo. Fica no entanto patente uma prova de princípio que vai ao encontro de um considerável número de trabalhos similares.

Convém sublinhar que a dieta HP utilizada neste estudo não restringe consideravelmente o consumo de CHO e permite o consumo de fontes refinadas. Especulo que esta é a razão para a ausência de um efeito saciante deste tipo de dieta. Por outro lado, a dieta HFib também pode ser considerada hiperproteíca aos olhos das definições actuais. Lembre-mo-nos que a ingestão recomendada de proteínas se situa oficialmente nos 10-15%, e não nos 20% permitidos neste estudo. Existem fortes hipóteses de que a magnitude do efeito das intervenções nos parâmetros metabólicos e antropométricos diferisse substancialmente com um desenho experimental mais coerente. Acredito que uma restrição mais rígida nos CHO em HP, não só no teor como na qualidade, evidenciaria uma maior diferença em relação às dietas ricas em fibra. 

A arquitectura do estudo favorece em tudo a intervenção HFib, mais rica em CHO. Mas independentemente deste bias, a dieta HP, mesmo diferindo apenas em 10% de HFib, mostrou-se consideravelmente mais favorável do que um regime rico em fibra e com maior conteúdo proteico do que o habitual. Os resultados não são de todo surpreendentes, especialmente para quem, como eu, procura manter-se actualizado quanto às pesquisas mais recentes na área. Os indícios têm apontado consistentemente num sentido: por mais voltas que dermos, aumentar o teor proteico de uma dieta tradicional é benéfico para diversos parâmetros cardiometabólicos considerados de risco. Espero que, para bem da saúde pública, se mude o paradigma e deixe de ser dito que "a quantidade de proteina no prato deve equivaler à palma da nossa mão", uma afirmação ainda fresca num qualquer canal de TV proferida pela Profª Drª Isabel do Carmo, por quem tenho o maior respeito mas discordo em vários aspectos nucleares.



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