A genética da obesidade
Saúde

A genética da obesidade



Durante este fim-de-semana e o anterior, estive na Universidade Lusófona a leccionar a cadeira de Genética da Obesidade no âmbito da Pós-Graduação em Gestão do Peso. Os meus agradecimentos aos alunos que me aturaram durante tanto tempo, o que não é fácil... Foram fantásticos :). Mas o que é isto da genética da obesidade? Apesar de toda a gente falar do assunto como se fosse algo banal, a verdade é que ninguém sabe até que ponto os genes podem determinar o risco de ser obeso. Ora vejamos...

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Se pretendemos estudar a influência dos genes na obesidade, ou outra qualquer característica (fenótipo), a população ideal é obviamente os gêmeos homozigóticos (MZ). Se eu sujeitar pares de MZ a uma mesma intervenção ou a um ambiente semelhante, posso calcular a variância "inter-pares" e "intra-pares". Estudos já antigos apontam para valores na ordem dos 70% para a influência dos genes, embora não seja consensual entre a comunidade científica. Alguns autores acreditam que este número esteja inflacionado e sugerem algo mais próximo dos 30-40%.

Neste ponto talvez seja útil passar por alguns conceitos. Um gene é uma região do DNA que codifica um produto funcional, seja proteína ou RNA. Apesar de todos termos os mesmos genes, eles apresentam variações inter-individuais a nível da sequência de nucleótidos (bases Adenina, Guanina, Citosina, e Timina que constituem o DNA). A cada forma chamamos alelo e cada gene é representado por 2: um da mãe e outro do pai. As variantes são designadas por polimorfismos se forem algo frequentes na população. Cada um de nós pode ter vários polimorfismos em diferentes genes.

A obesidade como fenótipo de base genética pode ser dividida em duas vertentes: a sindrómica e não-sindrómica. A obesidade sindrómica surge associada a atrasos no desenvolvimento e a forma mais comum é o Síndrome de Prader-Willi, com uma prevalência de 1/25000. São casos extremos e raros que merecem ser tratados a um outro nível. Por seu lado, a obesidade não-sindrómica é a forma mais comum, em que o desenvolvimento é normal mas marcado pelo excesso de peso e gordura corporal.

A causa genética da obesidade pode também ser distinguida como monogénica, causada por uma mutação ou polimorfismo num só gene, e poligénica, como resultado do pequeno contributo de polimorfismos em vários genes. Esta última parece ser de longe a forma mais comum. Aliás, como fenótipo contínuo que é, o peso corporal será o resultado da influência de multiplos genes e da sua interação com o ambiente.

Se a causa de obesidade for monogénica, a influência do ambiente é reduzida e o fenótipo revela-se desde muito cedo no desenvolvimento. Até ao momento foram identificados 11 genes cuja alteração pode originar obesidade. Todos eles sem excepção estão envolvidos nos mecanismos de regulação central do apetite e dispêndio energético no hipotálamo. O MC4R é o mais comum e, mesmo assim, parece representar não mais de 2% da obesidade. Este receptor celular está presente no hipotálamo e a sua activação resulta na sensação de saciedade, inibição da secreção de insulina, estímulo às hormonas da tiróide, activação do sistema nervoso simpático, etc. A hiperfagia e ganho de peso desde a infância são transversais independentemente do gene em causa. Mas convém sublinhar que a penetrância não é completa. Em genética, penetrância significa a probabilidade de ter uma característica na presença de uma determinada variante. Existem pessoas que têm mutações nestes genes e não são obesas. Além disso, a obesidade monogénica é bastante rara para assumir grande importância na epidemia que vivemos hoje.

Como vimos, o peso corporal, como característica contínua que é, resulta do pequeno contributo de vários genes, cada um deles com um pequeno efeito. Assim, a soma de pequenas variações resultado da interação com o ambiente traduzem-se numa grande influência do meio no nosso peso. Na grande maioria dos casos a obesidade é de facto poligénica. Mas será determinada?

Existem várias formas de identificar os tais genes de susceptibilidade para a obesidade. Uma é a abordagem do gene candidato, em que, sabendo à partida a função do gene, vamos testar a hipótese de ele ser diferente num indivíduo obeso. Desta forma foram já identificados vários polimorfismos como no PPARG, ADBR2, ADBR3, GNB3, UCP1, entre outros. Todos eles estão envolvidos em processos metabólicos que poderão implicar a acumulação de gordura. No caso do PPARG, ele foi dos primeiros a ser identificado e é muitas vezes referido como o "gene poupador". Isto deve-se ao seu efeito inibidor da leptina que, por esta via, leva à conservação de energia pelo organismo. Em períodos de escassez, uma actividade aumentada do PPARG seria vantajosa e seleccionada pela Natureza, aumentando o risco de obesidade num ambiente de abundância como o actual.

Uma outra forma de encontrar variantes de risco é através dos Genome-Wide Association Studies (GWAS). Estes estudos de epidemiologia genética assentam na hipótese "característica comum - variante comum". Traduzindo, um fenótipo comum como a obesidade deverá ser causado por polimorfismos com uma frequência elevada na população. Uma vantagem desta análise é não precisarmos de conhecer a função do gene já que a associação é meramente estatística. No entanto, ela é potente a identificar variantes com um efeito pequeno mas não tanto para variantes raras e com um efeito acentuado no peso. Através dos GWAS, foram até ao momento identificados 32 loci (locais genéticos) associados à obesidade, entre os quais o FTO e o MC4R (mas uma variante diferente da anterior) são os que apresentam maior robustez no efeito.

Mas imaginemos que eu tenho uma ou mais dessas variantes de risco (e provavelmente tenho). Em quanto aumenta a probabilidade de eu ser obeso? A verdade é que se eu pegar em todos os 32 loci associados à obesidade nos GWAS, eles em conjunto explicam menos de 2% da variância no IMC (índice de massa corporal). Isto é com certeza resultado da grande influência de factores externos como a alimentação e actividade física.

Nesse aspecto os estudos têm sido consistentes. A influência da genética é mais patente quando o estilo de vida é ele próprio obesogénico. A dieta e exercício físico parecem diluir o efeito dos polimorfismos de risco mais comuns e a diferença genética torna-se quase insignificante. À excepção de alguns casos raros, a genética não é desculpa para o excesso de peso desde que estejamos dispostos a um esforço adicional para atingir um peso saudável (física e mentalmente). Para alguns será mais duro do que para outros, mas possível. Eu fui obeso e venho de uma família em que a obesidade corre gerações. Eu acredito nisto e vivi isto. Mas é uma total alienação da realidade dizer que toda a gente tem a mesma capacidade em gerir o peso. E que a obesidade é apenas o mero resultado de comer demasiado e sem controlo. Não esqueçamos que a própria fome é um instinto fisiológico sujeito a variabilidade inter-individual, e grande parte poderá ser determinado pelos genes.

O teste genético para identificação destas variantes de risco é para já inútil, uma vez que não acrescenta nada à terapia já existente: dieta e exercício. Mas num futuro próximo julgo que será possível optimizar estratégias de intervenção e dar início a uma nova fase da terapia clínica: a nutrição personalizada. Mas ainda não é o tempo. Faltam estudos que nos indiquem um caminho a seguir consoante o genótipo que nos é apresentado. Lá chegaremos...

Quando o genoma humano foi sequenciado, e já lá vão 10 anos, a comunidade científica imaginou uma autentica revolução no conhecimento da biologia humana. Não podia estar mais enganada. A verdade é que os resultados práticos que daí advieram têm sido modestos. Olhar apenas para a sequência de DNA é demasiado redutor já que mais importante do que os genes em si é a forma como são expressos. Esta regulação da expressão sofre uma influência brutal do meio e constitui uma ciência emergente - a epigenética. Um autentico mundo para lá dos genes...

Estes foram apenas alguns dos aspectos tratados na aula. Foi uma tarefa ingrata tratar de um aspecto tido como do senso comum mas que na verdade tão pouco se sabe. E tão pouco consenso existe. Mas em Abril terão de me aturar novamente, desta vez sobre suplementação e farmacoterapia! Aqui a história é outra...



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