Saúde
Adoçantes artificiais e a diabetes - existe risco?
Tem aparecido na imprensa internacional uma notícia sobre o aumento do risco de diabetes com os adoçantes artificiais, em particular a sucralose (Splenda). Algumas pessoas alertaram-me para estas notícias com preocupação, em grande parte devido à utilização preferencial da sucralose em suplementos desportivos como a whey, por exemplo. Embora não seja de todo defensor destes aditivos, devo neste caso chamar a atenção para os factos e, mais uma vez, para o sensacionalismo da imprensa de massas - “uma boa notícia é uma má notícia”. A sucralose está associada à diabetes? Talvez sim, talvez não.
Antes de mais, devo começar por reforçar que não sou apologista dos adoçantes artificiais em geral. Já num outro artigo do blogue vos falei das implicações negativas que eles podem ter a nível da saciedade, controlo da ingestão calórica, e termogénese adaptativa em resposta a uma refeição. Muito resumidamente, o açúcar e o sabor doce são sinais orosensoriais de energia. Quando comemos açúcar, vários mecanismos internos são activados no sentido de receber esse aporte calórico percepcionado, entre eles o aumento da saciedade e maior gasto energético. Se ingerirmos adoçantes não-calóricos, estes sinais não são acompanhados de energia e a capacidade de resposta a uma refeição vai-se deteriorando. A longo prazo isto poderá traduzir-se num ganho de peso devido a uma descompensação nos mecanismos fisiológicos de homeostase energética (= manutenção do equilíbrio).
Existem outros motivos que poderíamos evocar contra os adoçantes artificiais. Algumas experiências em animais têm sugerido um potencial carcinogénico, embora a tradução destes resultados para o Homem seja criticável. As doses utilizadas são muito altas para terem significado “ecológico”, para além de a administração ser, na maioria dos casos, intravenosa. Supostamente, estas substâncias não são absorvidas e metabolizadas. Podemos dizer que a sucralose é "toxicologicamente segura". Isto se tivermos em conta os estudos de segurança que têm sido realizados. No entanto, convém sublinhar que os efeitos da exposição crónica são mal conhecidos e que, na verdade, é impossível afirmar com toda a segurança que os adoçantes são totalmente inócuos. Confesso que tenho alguma dificuldade em aceitar limiares de toxicidade nestas condições. E isto é verdade para praticamente todos os aditivos alimentares.
Um outro aspecto que poderia merecer por si a atenção de um artigo seria o efeito que estes químicos terão na microbiota intestinal. Muito pouco se sabe até ao momento, mas existem alguns indícios de que os adoçantes artificiais podem alterar desfavoravelmente a composição bacteriana do intestino. Este efeito não é difícil de conceber dada a grande plasticidade da microbiota em resposta ao que ingerimos. No entanto, as implicações estão ainda longe de serem conhecidas. E como disse atrás, em teoria os adoçantes artificiais não são absorvidos. Mas e em condições de permeabilidade intestinal, não tão raras quanto isso?
Mas pondo de parte estas questões por agora, vamos analisar o estudo que, supostamente, relaciona o consumo de adoçantes artificiais com o risco de desenvolver diabetes. Trata-se de um trabalho elegante pela sua simplicidade, tal como eu gosto. A equipa recrutou um grupo de mulheres obesas e saudáveis para um estudo em modelo crossover no qual, previamente a uma sobrecarga oral com 75g de glicose, ingeriam uma solução de sucralose ou água. O objectivo era estudar vários parâmetros hormonais durante o teste (insulina, glicemia, péptido C, glucagina, GLP-1 e GIP), e verificar se existiam diferenças entre as intervenções. A quantidade de sucralose era semelhante à presente num refrigerante dietético regular. As mulheres não eram consumidoras habituais de adoçantes.
Os resultados revelaram um maior pico de glicemia e insulina após a ingestão de sucralose. A exposição à insulina (AUC) durante a prova de tolerância à glicose foi 20% superior, bem como a taxa de secreção estimada. O pico de péptido C foi também maior, mas sem diferenças significativas na exposição total. A clearance (remoção de circulação) da insulina foi também 7% inferior com a sucralose, uma tendência acompanhada pelo índice de sensibilidade à insulina. Ao contrário de estudos precedentes, não foram encontradas diferenças nos níveis das incretinas GIP e GLP-1. Portanto, traduzindo em miúdos, a sucralose pode gerar hiperglicemia e hiperinsulinémia em resposta a uma refeição rica em hidratos de carbono. Como tal, poderá aumentar o risco de desenvolver diabetes no futuro. Será assim tão linear?
Na verdade, os autores são bem mais cautelosos do que a imprensa na comunicação das suas conclusões, referindo que a implicação destes resultados ainda não está esclarecida e que os mecanismos não são de todo claros. E eu concordo. Em primeiro lugar, deixemos uma vez por todas de pensar na secreção de insulina como uma coisa má. Na verdade, a incapacidade de gerar uma resposta adequada e imediata de insulina após a ingestão de hidratos de carbono (a secreção de primeira fase) é sim uma característica da pré-diabetes e motivo de preocupação. O aumento rápido permite suprimir a glucagina e produção hepática de glicose. Se isto não se verifica, teremos hiperglicemia nas horas que se seguem, acompanhada de uma maior secreção compensatória de insulina. E isso sim não é bom.
Devemos no entanto olhar com atenção para a evolução da glicemia (gráficos em baixo). Com a sucralose, a glicemia é mais elevada dos 60 aos 120 min, e cai mais acentuadamente daí por diante. Esta hipoglicemia reactiva, mais marcada do que com a água, pode sugerir fome precoce com a ingestão de adoçantes artificiais (sucralose neste caso). As consequências a nível do aporte energético total, aliadas aos factores que já referi, podem ter um significado no risco de obesidade. Na verdade, o consumo de adoçantes está associado ao aumento de peso, e não ao contrário como nos tentam fazer acreditar. Mas relembro: associação não é causalidade.
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E porque temos hiperglicemia? A resposta pode ser bem simples. Os adoçantes artificiais podem aumentar o número de transportadores de glicose, GLUT-2 e SGLT-1, na membrana apical das células intestinais. Isto aumenta a capacidade e velocidade de absorção, gerando picos de glicemia. Os resultados deste estudo mostram que a insulina aumentou de forma a acompanhar a hiperglicemia, embora não o suficiente para manter a glicose a níveis pós-prandiais “normais”. Isto poderá ser devido a uma resistência à insulina periférica, comum em indivíduos obesos como estes. Tratavam-se de mulheres Afro-americanas obesas (N=17), com um IMC médio de 42. É bem sabido que a obesidade está relacionada com a resistência à insulina, o que pode explicar a dificuldade em lidar com o maior aporte de glicose. O pico de glicose, embora não atinja os 200 mg/dL considerados um indicador de diabetes, ultrapassa os 140 mg/dL que poderemos considerar funcionalmente aceitável (aprox. 180 mg/dL). Isto é um sinal de má tolerância à glicose. Mas na verdade, mesmo com a ingestão prévia de água a glicemia atinge valores acima dos 150 mg/dL, já excedendo o óptimo e sugerindo um problema subjacente. Gostaria de ver estes resultados replicados em indivíduos com peso normal.
Uma característica relevante da amostra é que as mulheres não eram consumidoras habituais de adoçantes artificiais - menos de uma lata de refrigerante por semana ou uma colher de adoçante. Há razões para crer que a ingestão frequente levaria a adaptações fisiológicas que atenuariam a diferença entre as condições experimentais. Em concreto, o número de transportadores de glicose deveria estar cronicamente elevado, independentemente da ingestão prévia de água ou sucralose. Por este motivo, é provável que os consumidores habituais apresentem picos de glicémia aumentados em resposta a refeições ricas em hidratos de carbono.
Independentemente das elações que possamos tirar deste estudo, uma coisa é certa. A sucralose não é inerte. Tem um impacto na nossa fisiologia que deve ser aprofundado. Mas este estudo não é suficientemente robusto para concluir sobre o aumento do risco de diabetes. No entanto, a epidemiologia reforça esta hipótese, e o consumo de adoçantes artificiais parece de facto associado ao risco de diabetes em algumas populações (mas associado não significa...). Devemos estar atentos a novos desenvolvimentos científicos, que não tardarão certamente.
Para terminar, queria apenas fazer uma breve consideração à stevia. Ao contrário da sucralose, este adoçante é natural. Por este motivo, muita gente decidiu optar por ele quando foi liberado na Europa como aditivo alimentar no ano passado. Convém no entanto compreender que natural não significa seguro. Existem muitos venenos na Natureza. Os efeitos a nível da desregulação da homeostase energética também são verificados com a stevia, e tudo aponta para que não seja muito diferente dos artificiais no que respeita ao potencial risco de disfunções metabólicas e obesidade. A sua utilização como aditivo alimentar é demasiado recente para atestar a segurança.
Concluindo, não sabemos ainda o real impacto dos adoçantes artificiais no organismo. Mas sabemos que têm. Pode até ser bom, no aumento da resposta insulínica imediata, ou mau, na hiperglicemia e exaustão do pâncreas. Não considero que haja para já um motivo forte para abandonarmos o consumo moderado, e sublinho o moderado, destes aditivos. O problema é que o suposto “prazer sem consequências” leva rapidamente aos abusos, e a ingestão crónica pode sim desregular os mecanismos fisiológicos de homeostase. Não é fácil enganar o nosso corpo, nem há motivo para tal.
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