Uma pesquisa feita na Suécia analisou os dados de oitenta mil pacientes para os quais foram receitados medicamentos anti-psicóticos entre 2006 e 2009. Houve períodos durante os quais foram receitados esses medicamentos e períodos durante os quais eles não foram. Graças à integração de bases de dados diferentes (estamos muito longe disso) foi possível relacionar esses períodos aos registros criminais. O resultado indica que ter recebido uma receita reduz o risco de cometer crimes violentos (e serem condenados) em 45%. É uma pesquisa relevante e, até prova em contrário, fortalece a hipótese.
Dito isto, há duas preocupações metodológicas que devem ser expostas. A primeira é um alerta: ter recebido uma receita não garante que o medicamento seja tomado. Para avançar nessa direção seria necessário mais um passo: uma pesquisa que perguntasse aos que receberam uma receita se a usaram, sendo possível aperfeiçoar a informação, incluindo outros itens, para reduzir a margem de erro, devido a esquecimento e outros fatores, havendo a possibilidade de não ter tomado intencionalmente o medicamento. Pesquisas semelhantes foram realizadas em diferentes países e não são baratas. Infelizmente, não eliminam o erro. Para melhor averiguar a relação entre a prescrição médica e o consumo do medicamento, necessitaríamos de observadores externos. Esse controle só é possível com pessoas hospitalizadas ou que se dirijam aos hospitais e postos de saúde para consumir o medicamento, um procedimento muito, muito custoso e nada prático. A outra preocupação se refere ao viés de seleção: os períodos em que anti-psicóticos foram receitados não seriam amostra aleatória de todos os períodos, sendo intuitivo que, durante esses períodos, a doença estaria mais grave e os pacientes em nível mais perigoso. Não obstante, esse viés, se existente, operaria no sentido de ocultar a relação e não de salientá-la. Os que receberam receitas de anti-psicóticos seriam pacientes mais avançados, com maior risco de cometerem crimes violentos.
Não obstante, até agora estamos explicando diferenças em condenações por crimes violentos. E os crimes violentos e/ou as prisões por crimes violentos, levem ou não a condenações? O efeito do consumo de anti-psicóticos continua, ainda que menos significativo.
O articulista, John Gever, Editor de MedPage Today consultou alguns especialistas, cujas opiniões/pareceres contribuem para nosso entendimento. Sheilagh Hodgins, médica da Universidade de Montreal, afirmou que a pesquisa fornece uma plataforma para pesquisas clínicas futuras sobre como anti-psicóticos e outros medicamentos semelhantes podem ser usados para reduzir comportamentos agressivos. Por sua vez, Elspeth C. Ritchie, conhecido psiquiatra americano, afirmou que a pesquisa fortalece o que se achava sobre o tratamento de esquizofrênicos e bipolares – que são menos perigosos e oferecem risco mais baixo de cometer crimes e violências se seguem tratamento contínuo.
Para evitar os erros que os pacientes às vezes cometem (pulando doses, tomando doses dobradas etc.) e muitos inconvenientes, vários medicamentos usam uma forma de longa duração, chamada de depot. Um relatório recente demonstra que uma forma de longa duração de paliperidona reduzia novas prisões e condenações em pacientes que acabavam de sair da prisão.
Há muitos senões e desafios nessa área. Essa pesquisa não fornece “respostas”, nem afirma políticas públicas com base em seus resultados; não obstante assinala as possibilidades de redução de crimes, vítimas, condenações e muito mais através do controle das crises de pacientes com esquizofrenia e com depressões bipolares, sobretudo os primeiros.
GLÁUCIO SOARES IESP-UERJ