Saúde
Calorias: um auto-experimento de carboidratos versus gorduras
O conceito de vantagem metabólica oferece suporte à hipótese de que dietas com redução na quantidade de carboidratos (dietas low-carb) são mais vantajosas que dietas com redução de gordura (dietas low-fat) para a perda de peso. Seria possível testar essa teoria na prática? Nesse post começarei a falar sobre um pequeno experimento ao qual me submeti para testar e comparar os efeitos de duas dietas hipercalóricas diferentes: uma rica em carboidratos e outra rica em gorduras.
No primeiro post dessa série foram introduzidos os conceitos principais para se entender o que significam as calorias e como elas são utilizadas e interpretadas pelo paradigma atual da nutrição. No segundo post vimos que, pelo menos teoricamente, o conceito de vantagem metabólica poderia explicar porque dietas low-carb seriam mais vantajosas que dietas low-fat para a perda de peso.
No último post foram apresentados diversos estudos controlados que de fato demonstraram melhores resultados para perda de peso e gordura corporal a favor de dietas low-carb. E isso parece ser verdade quando o consumo de calorias dos indivíduos com dietas low-carb é igual, ou até mesmo ligeiramente superior, ao dos indivíduos que consumiram dietas low-fat. Considerando essas evidências, veremos, a partir desse experimento, que tipo de resultado dietas hipercalóricas — low-carb ou low-fat — podem gerar sobre o ganho de peso.
O experimento
O objetivo principal desse experimento foi verificar se as calorias provenientes de diferentes macronutrientes (carboidratos, proteínas e gorduras) são todas iguais. De acordo com o paradigma atual, não importa de qual tipo de nutriente você obtém suas calorias — elas seriam todas iguais para o ganho ou perda de peso. Nesse contexto, o que realmente seria importante mesmo é o balanço energético (ou balanço calórico):
Ganho/Perda de peso = Calorias ingeridas – Calorias gastas
Como escrevi anteriormente, o conceito vigente diz que se você consumir mais calorias do que gasta, você ganha peso; se consumir menos calorias do que gasta, você perde peso; e se consumir uma quantidade de calorias igual ao seu gasto, você mantém o seu peso. O resultado seria independente da proporção de carboidratos, proteínas e gorduras da sua alimentação, desde que você pense nas calorias ingeridas vs. calorias gastas. Segundo essas ideias, seu resultado final numa dieta consumindo 1000 kcal, por exemplo, seria o mesmo caso você obtivesse 80% dessas calorias a partir de carboidratos ou 80% dessas calorias de gorduras. Mas será que esse conceito se aplica de forma tão simples a um organismo tão complexo como o nosso? Já vimos que é possível que não.
Por isso, durante dois períodos de 21 dias eu me submeti a duas dietas diferentes: uma restrita em carboidratos e extremamente rica em gorduras (low-carb/high-fat) e, posteriormente, outra pobre em gordura e extremamente rica em carboidratos (low-fat/high-carb). Após o término do primeiro período de 21 dias, passei por um mês de “wash-out” (período com uma dieta mais balanceada, de acordo com o que eu normalmente consumo) para que, ao iniciar o segundo período do experimento, eu me encontrasse em condições semelhantes ao início do primeiro período. Isso foi importante para que minha composição corporal inicial no começo de cada período influenciasse minimamente o resultado do experimento. Além disso, para que o consumo de proteínas também influenciasse minimamente qualquer um dos resultados, ele foi essencialmente o mesmo para ambas as dietas.
Figura 1. Fases do auto-experimento.
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Cálculo do gasto energético e das calorias a serem consumidas
Utilizando três fórmulas diferentes para o cálculo das minhas necessidades energéticas diárias, cheguei a um resultado médio final de 2600 kcal. Ou seja, eu precisaria ingerir aproximadamente 2600 kcal por dia para manter o meu peso, considerando minha idade de 23 anos, altura de 1,78 m, peso de 71,0 kg e minha atividade física de musculação 3x/semana. A partir do valor de 2600 kcal, estabeleci arbitrariamente um adicional de 2000 kcal por dia para que meu consumo energético ficasse em 4600 kcal/dia. Todos esses valores foram mantidos em ambos os períodos do experimento, tanto para a dieta rica em gorduras como para aquela rica em carboidratos.
Ganho de peso previsto
Quando ingerimos calorias em excesso das nossas necessidades, nosso corpo tende a converter esse excesso em gordura. O conhecimento atual diz que 1 libra (454 g) de gordura possui 3500 kcal; logo, 1 kg de gordura corresponderia a 7700 kcal. Mas isso não parece fazer muito sentido. Lembra quando falamos que 1 g de gordura possui 9 kcal? Nesse cenário, 1 kg de gordura teria 9000 kcal, e não 7700 kcal.
Então por que consideram 1 kg de gordura como 7700 kcal? Quando vemos o valor de 7700 kcal pode ser que estejam falando sobre a perda de gordura considerando a composição das células de gordura (adipócitos) do nosso corpo. Uma vez que nossos adipócitos são compostos por 80-85% gordura, com água e outras substâncias correspondendo ao restante da composição, é possível que o valor de 7700 kcal — e não 9000 kcal — considerado para a energia contida em 1 kg de gordura seja proveniente dessa lógica. O que não faz tanto sentido, porque nós não perdemos células de gordura no processo de emagrecimento, mas sim apenas a gordura contida dentro dos adipócitos. Além disso, se estamos falando de perda de gordura temos que considerar apenas a perda de gordura, e não de outros eventuais compostos contidos nas células de gordura. Assim, por essa visão, o valor correto a ser considerado para a perda de 1 kg de gordura deveria ser de 9000 kcal. Para fins práticos, consideraremos ambos os valores (7700 e 9000 kcal) para a estimativa de ganho de peso com as dietas hipercalóricas que eu ingeri no experimento.
Com um consumo adicional diário de 2000 kcal em relação às minhas necessidades energéticas, meu ganho de peso estimado para cada um dos períodos de 21 dias seria entre 4,7 kg (considerando 1 kg de gordura = 9000 kcal) e 5,5 kg (considerando 1 kg de gordura = 7700 kcal).
A seguir...
Nos próximos posts vou detalhar um pouco melhor a composição de cada uma das dietas e quais foram os efeitos sobre o meu peso, circunferência da cintura, circunferência do quadril e outros detalhes como saciedade e facilidades/dificuldades em seguir cada uma dessas dietas. Até agora, em resumo, temos o seguinte:
- Idade: 23 anos
- Altura: 1,78 m
- Peso: 71,0 kg
- Atividade física: musculação 3x/semana
- Gasto energético: 2600 kcal
- Consumo energético: 4600 kcal
- Ganho de peso previsto: 4,7 a 5,5 kg
Composição das dietas:
Figura 2. Composição das dietas nas fases 1 e 2 do auto-experimento.
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Parte 1 - Calorias: introdução e conceitosParte 2 - Calorias: são todas iguais?Parte 3 - Calorias: redução de carboidratos ou gordura para perda de peso?Parte 4 - Calorias: um auto-experimento de carboidratos versus gorduras
Parte 5 - Calorias: perda de peso com uma dieta de 4600 kcal rica em gordura e reduzida em carboidratos
Parte 6 – Calorias: ganho de peso com uma dieta de 4600 kcal rica em carboidratos e reduzida em gordura
Parte 7 - Calorias: reflexões importantes
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Calorias: Reflexões Importantes
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