Saúde
Creatina ajuda, mas não a todos...
Embora vários estudos comprovem o efeito ergogénico da creatina (Cre), existe um grande conflito de opiniões entre os atletas quanto à sua utilidade no caso particular que lhes diz respeito. É reconhecido por todos que existem grandes variâncias na resposta a certas intervenções nutricionais. Independentemente das nossas características anatómicas e fisiológicas semelhantes, a variabilidade genética e ecológica também influencia a resposta a um determinado composto, entre eles a creatina. A existência de indivíduos sem resposta à suplementação com creatina é conhecida, embora os mecanismos subjacentes sejam ainda obscuros. Com este artigo pretendo mostrar o pouco que se sabe acerca desse assunto.
Os resultados dos diversos estudos realizados acerca da carga com Cre e do seu efeito ergogénico são conflituosos, questionando-se durante algum tempo o seu real benefício para o desempenho atlético. Deparado com esta situação, Greenhaff sugere que o potencial ergogénico da Cre está directamente relacionado com a elevação dos níveis de creatina nas células musculares. Ele calcula que seja necessário aumentar a concentração intracelular de Cre em 20mmol/kg (peso seco da célula) para que sejam obtidos benefícios substanciais no desempenho. Os níveis basais de creatina total, pré-suplementação, situam-se entre os 100-120mmol/kg. Após esta teoria, uma revisão a estudos anteriores permitiu constatar que a ausência de efeito pode ser explicada pela inclusão de indivíduos que não respondem à suplementação oral com creatina (aos quais vou chamar CRE-), ou seja, apresentam um aumento nos níveis intracelulares inferior a 20mmol/kg. As estimativas apontam que cerca de 30% dos atletas sejam insensíveis à suplementação, com elevações inferiores a 10mmol/kg após uma carga com 20g/dia de creatina monohidrato durante 5 dias. Entre os 10 e os 20mmol/kg situam-se os chamados “quasi-responders”, os quais parecem beneficiar ligeiramente com uma dose oral.
Os processos na base destas variações inter-individuais não são conhecidos, embora existam algumas diferenças fisiológicas entre os grupos que merecem consideração. Uma descoberta interessante foi que os CRE-, aqueles cuja resposta à suplementação se traduz num aumento inferior a 10mmol/kg, tendem a apresentar valores basais superiores aos CRE+. Tendo em conta que o aumento de performance é avaliado individualmente, em comparação ao desempenho pré-intervenção, apenas é importante o aumento, variação, dos níveis de creatina e não a concentração final total. Podemos então concluir que aqueles que beneficiam mais da suplementação são os que apresentam níveis basais inferiores, apresentando uma maior margem de aumento. Um outro factor que parece influente é a proporção de fibras musculares tipo II e a sua secção transversal, superior no grupo com resposta positiva. Embora os níveis intracelulares aumentem nos dois tipos, esse aumento é muito mais acentuado nas tipo II. Isto deve-se essencialmente à maior expressão de transportadores de Cre nestas células em humanos. A creatina intracelular aumenta a osmolaridade, provocando um fluxo de água para dentro da célula. Isto resulta num aumento de volume e turgor que justifica parcialmente os seus efeitos no organismo a nível de força e hipertrofia. Por outro lado, as fibras tipo II são notoriamente maiores (em secção transversal) nos CRE+, evidenciando uma maior capacidade de reserva nestas células, o que justifica a variação positiva acentuada na concentração intercelular que se verifica nestes sujeitos. Um terceiro aspecto importante é a % de massa magra, tendencialmente superior nos CRE+. Trata-se de um dado estatístico não totalmente clarificado e compreendido. Portanto, parece que os indivíduos com menor concentração inicial de creatina no músculo e com elevada % de massa magra podem beneficiar mais de uma intervenção nutricional com creatina monohidrato.
Tendo em conta estas diferenças inter-individuais tão evidentes, é tentador especular que a justificação reside nos transportadores no músculo. Existem 2 transportadores conhecidos: CRT1 e CHOT1. Ambos são dependentes de uma ATPase Na(+)-K(+), e, portanto, sensíveis às concentrações de sódio. Mas no entanto, à excepção de algumas condições patológicas, não foi encontrada uma diferença entre grupos que justifique as variações observadas. É ainda cedo para excluir esta hipótese por completo mas pelos dados que dispomos actualmente parece pouco provável. A insulina é uma hormona que parece aumentar a absorção da Cre pelo músculo e as diferenças poderiam residir neste mecanismo. Curiosamente, a administração de creatina com hidratos de carbono simples parece atenuar a variabilidade de resposta inter-individual, sugerindo que de facto há um aumento na capacidade de retenção. Os mecanismos pelos quais a insulina exerce o seu efeito não são conhecidos mas sugerem-se duas hipóteses: aumento da perfusão do tecido muscular e estimulação da ATPase associada aos transportadores de creatina. No entanto, as doses teste de açúcares ou mesmo insulina (por infusão) que sucedem em aumentar o conteúdo intracelular total de creatina são tão elevadas que se questiona o seu valor prático. Um protocolo comum utilizado com sucesso é a combinação de 5g de creatina com 94g de açúcares simples e continua a ser recomendável a sua ingestão conjunta de forma a maximizar a retenção muscular.
Gostaria de dar uma resposta mais concreta sobre a razão de alguns responderem à suplementação com creatina e outros não. Infelizmente a explicação não existe ou é ainda muito turva. Também não existe outra forma de inferir a resposta individual sem ser experimentando. Tendo em consideração os resultados obtidos para os sujeitos que respondem positivamente a uma dose oral de creatina, penso que é proveitoso experimentar e ver por si próprio em que grupo se insere. A creatina continua a estar no top dos suplementos para aumento de rendimento desportivo, um dos poucos cujos benefícios estão bem suportados, embora apenas para alguns privilegiados.
Sérgio Veloso (Jekyll) [FACEBOOK]
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