Saúde
Depoimento de ex paciente
"Tenho planos para os próximos 20 anos"
Equipe Oncoguia
Última atualização: 30/11/2010
Giselle Senoi tem 45 anos e trabalha, desde os 18, na área de comunicação e marketing de empresas nacionais e multinacionais. Casada e com um filho, em 2007, ela descobriu um adenocarcinoma no pulmão, depois de ter passado por diversos especialistas.
“Ninguém descobria o que eu tinha até que um pneumologista pediu uma tomografia de tórax e disse que eu estava com uma bola enorme no meio do peito”.
Depois do diagnóstico, ela passou por 36 sessões de radioterapia e 16 de quimioterapia. Apesar do longo tratamento, para ela essa experiência não foi tão ruim quanto esperava inicialmente, “todos os sintomas foram ruins, mas eu esperava que fossem bem piores, há muita fantasia sobre o tratamento do câncer”.
Hoje, Giselle não apresenta mais o tumor e, embora saiba dos riscos de ele voltar, não deixa de fazer planos, “já tenho planos para os próximos 20 anos”. Confira entrevista abaixo.
Portal Oncoguia - Como foi que descobriu que tinha câncer de pulmão?
Giselle - Antes do diagnóstico, passei por 16 médicos das mais variadas especialidades e ninguém descobria o que eu tinha. Até que um pneumologista me pediu uma tomografia e constatou que eu estava com uma bola enorme no meio do peito. Ele me aconselhou a procurar um cirurgião imediatamente.
Descobri a doença em dezembro de 2007. O tumor, um adenocarcinoma, era inoperável e tinha o tamanho aproximado de 4 por 2 centímetros. No início, meu marido e eu ficamos perdidos e transtornados.
Hoje, eu não sofro mais de câncer de pulmão. Passou, virei a página, isso é passado, tenho apenas lembranças e agradeço a Deus todos os dias por estar muito bem. Mesmo tendo outros problemas de saúde.
PO - Por que decidiu procurar um médico, que sintomas estava apresentando?
G - De repente, fiquei rouca, era quase impossível ouvir minha voz e também fui ficando muito cansada. Caminhar longas distâncias começou a se tornar muito difícil. Fui visitar uma amiga e a mãe dela me disse que rouquidão por mais de 5 dias poderia ser um sinal perigoso. Procurei vários médicos, um me pediu uma endoscopia, outro uma tomografia de pescoço, outro um raio-x de tórax, outra médica me deu remédios para o estômago, fiz ainda exame de sangue, manometria esofágica e assim, sucessivamente. Fiz dezenas de exames e tomei um monte de remédios sem apresentar nenhuma melhora na voz. Fui fazer uma entrevista de emprego, a consultora ficou penalizada e me deu o nome de um pneumologista, que finalmente me pediu uma tomografia de tórax descobriu o tumor.
Quando finalmente achei um bom oncologista, foi difícil para ele também pois eu estava revoltada e desconfiada de tudo que me diziam.
PO - Quando você começou o tratamento para atacar o tumor?
G - Comecei em janeiro de 2008, fiz 36 radioterapias e 16 quimioterapias.
PO - Quais foram os efeitos colaterais do tratamento?
G - Fisicamente eu tive enjôos moderados, meu cabelo caiu, o intestino ficou preso, sofria de cansaço, falta de ar e o, pior, engordei 10 quilos. Psicologicamente, no começo eu fiquei revoltada e depois muito triste. Todos os sintomas foram ruins, mas eu esperava que fossem bem piores, há muita fantasia sobre o tratamento do câncer. Uma paciente me disse no começo do tratamento que tudo ia passar, para eu ter paciência e fazer sempre o que médico mandasse. Ela tinha razão, estou aqui. E olha que meu caso foi considerado em belas palavras, gravíssimo.
PO - E depois do tratamento, o tumor desapareceu?
G - Em abril de 2008, meu tumor no pulmão havia desaparecido e eu continuei a levar uma vida normal. Em outubro de 2009, porém, senti meu lado esquerdo paralisado, pensei que fosse um derrame. Fui para o hospital mais próximo e detectaram um tumor cerebral de aproximadamente 3 por 5 centímetros. Dessa vez, eu ia ter que operar.
Um cirurgião chegou a me dizer que havia entre 25 e 45% de chances de eu ficar com sequelas motoras, perda dos movimentos, visão e audição do lado esquerdo. Outro cirurgião, o que na realidade me operou, disse que as chances eram de 0 a 15%. Graças a Deus e aos médicos, não fiquei com nenhuma seqüela. Fisicamente, engordei de novo e fiquei com a cabeça muito inchada. Emocionalmente, fiquei muito triste e desanimada.
Em dezembro de 2009, fiz 5 radioterapias diretamente sobre o local da cirurgia. Perdi cabelo na região tratada, já era certo que o cabelo não cresceria novamente em grande parte da cabeça. Cheguei a procurar um tatuador para disfarçar as partes brancas. Mas alguns meses depois, o cabelo voltou a crescer normalmente.
PO - Como foi ter que enfrentar essa nova situação?
G - Eu estava muito mais “tranquila”, fui muito bem assistida pelos médicos, que assumiram 80% dos meus problemas. Um mês depois eu voltei para minha vida normal, fazendo caminhadas e palavras cruzadas. Claro que foi traumático, mas nada parecido com a descoberta do câncer no pulmão. Em partes, da primeira vez foi pior porque demorei muito a receber orientação adequada. Desta vez eu tinha histórico, e os médicos sabiam como me tratar como paciente e como ser humano.
PO - Desde então não teve nenhuma recidiva?
G - Quando eu pensei que a vida seguiria seu curso novamente, em agosto de 2010, fiz uma ressonância magnética que apresentou um tumor de 1 cm no local onde eu havia operado em outubro de 2009. Fiz uma cirurgia de emergência e retirei o tumor. Emocionalmente eu fiquei histérica, louca e rebelde. A cirurgia foi mais leve, não precisei fazer radio nem quimioterapia e uma semana depois já estava fazendo planos, caminhando, lendo e querendo pintar o cabelo.
Sei que na teoria, a doença pode voltar a qualquer momento. Mas para quem já passou e viveu coisas que nem a imaginação mais fértil poderia pensar, acredito que nada é impossível. Já tenho planos para os próximos 20 anos.
PO - Qual é a sua percepção sobre a doença?
G - Câncer ainda é uma palavra "maldita" para todos, é pior para quem está de fora do que para o próprio paciente. É mais comum você ver o paciente forte e otimista e os parentes e amigos fragilizados. No fim, você acaba tendo de ser forte para não penalizar os outros. Eu saia da quimio e ia tomar café no shopping com os meus pais para mostrar que estava tudo bem. É mais comum você ler artigos nas revistas e na internet para quem tem parentes com câncer do que para os próprios pacientes. Uma situação de mau gosto! Já vi vários títulos do tipo “Como superar a perda”. Gente, o doente nem morreu ainda, nem tem data prevista...
Quem está de fora, olha para o paciente como se ele estivesse à beira da morte, uma pessoa careca é tratada como um ET. O tratamento é agressivo e visível por causa da queda de cabelo. Como eu usei peruca, ninguém notava, mas ficava visivelmente horrorizado quando eu contava que tinha câncer. Ninguém conhece a doença e não quer se informar para evitar "contágio".
Nem todos os pacientes morrem ou viram zumbis, mas levam suas vidas normalmente. Nada é impossível. Outro fator importante, o médico tem que acreditar no paciente e não na doença. A postura médica determina o estado psicológico do paciente.
PO - E a sua família, de que forma foi importante?
G - Acho importante falar sobre maridos, companheiros, namorados. Mesmo com todos os problemas, notícias assustadoras, os altos e baixos do meu humor, meu marido nunca saiu do meu lado. Não consigo imaginar como as coisas seriam sem ele. Ele conseguiu ocupar um vazio que nem mesmo a minha família conseguia preencher. Eu imagino quantas vezes ele quis sair correndo ou sumir, mas acho que ele disfarça muito bem. Ele me ensinou a dividir os problemas.
Minha trajetória profissional foi planejada e sempre consegui cumprir minhas metas e objetivos. Sempre fui a senhora "certinha" e perfeccionista, tinha uma vida redondinha. Depois que passei por tudo isso, descobri finalmente que não sou perfeita, nem uma super mulher, não tenho o poder de mudar o que está definido, nem controlar meu destino. Temos que ser humildes e encarar a situação, sempre juntos, sem nunca desistir.
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