Saúde
Dieta do hCG: não faça!
As dietas da moda sempre surgem ou ressurgem. Mas algumas delas, como a dieta do hCG, jamais deveriam ter sido propostas...
Uma coisa é você fazer dietas de jejum dia sim/dia não, ou comer apenas maçã ou qualquer outra fruta por uma semana (quem consegue fazer isso?); outra coisa é você utilizar um hormônio dentro de um plano para emagrecimento.
E não é um hormônio qualquer, como veremos a seguir, mas um que só está fisiologicamente presente no corpo em quantidades significativas quando mulheres se encontram em período gestacional.
O que é o hCG?
A gonadotrofina coriônica humana, ou hCG, é um hormônio secretado principalmente após a fertilização do óvulo em mulheres. Quando isso acontece, a concentração de hCG no sangue na mulher aumenta consideravelmente. A principal função hormonal do hCG é criar um ambiente favorável para que o corpo lúteo — estrutura celular responsável por auxiliar e favorecer o desenvolvimento fetal — se mantenha no ovário da mulher durante o primeiro semestre de gestação, para que haja produção adequada do hormônio progesterona durante esse período.
Tanto homens como mulheres não grávidas também produzem pequenas quantidades de hCG, em concentrações que vão de não detectáveis até, normalmente, 5 mUI/mL. Mulheres grávidas, por sua vez, podem atingir níveis de hCG no sangue por volta de 300.000 mUI/mL.
O hCG é utilizado como marcador para dizer ou não se uma mulher está grávida, podendo ser mensurado no sangue ou na urina — ambos são bastante efetivos. Os próprios testes de gravidez vendidos em farmácias funcionam a partir da mensuração dos níveis de hCG na urina da mulher.
Devido ao importante papel que o hCG exerce sobre o desenvolvimento do feto, esse hormônio é às vezes utilizado em mulheres que tentam ter filhos mas que já perderam bebês em gestações anteriores. Entretanto, as evidências científicas que corroboram o uso do hCG para essa finalidade ainda são questionáveis [1].
Como funciona a dieta do hCG?
A dieta do hCG não é nova. Ela foi proposta ainda nos anos 1950 pelo médico britânico Albert Simeons, que já dizia que os pacientes que faziam uso dessa dieta perdiam uma proporção maior de gordura do que músculos durante o processo, mobilizando gordura principalmente da região abdominal, quadris e coxas, além de sentirem menos fome e irritação durante a restrição de calorias imposta pela dieta [2].
Ela funciona da seguinte forma: você ingere ou injeta o hCG por alguns dias, normalmente por 25 a 40 dias, e “fecha a boca”. Isso mesmo, você deve seguir uma dieta extremamente hipocalórica de apenas 500 kcal/dia e, além disso, buscar outras formas de gastar calorias (atividade física consumindo apenas 500 kcal?!). Seria esse um comportamento semelhante ao de alguns transtornos alimentares?
Alguns relatos na internet sugerem que a forma oral (sublingual) do hCG, a qual o paciente ingere através de gotas, pode nem ter o mesmo suposto efeito que a forma injetável do hormônio.
De qualquer maneira, será que a perda de peso vem a partir da administração do hCG ou da enorme restrição calórica ao qual o paciente é submetido? Pra se ter uma ideia de quão severa é a restrição energética, nem mesmo pacientes com obesidade mórbida são recomendados a consumir menos de 800 kcal/dia.
Os defensores do hCG dizem que esse hormônio é capaz de duas coisas que auxiliam ainda mais na perda de peso: 1) aumentar a mobilização de gordura corporal para que o organismo a utilize como fonte de energia; e 2) diminuir a sensação de fome que uma dieta tão restrita invariavelmente produz. Mas baseado no que eles dizem isso?
O que as evidências científicas dizem?
Não adianta nem procurar por evidências científicas acerca do efeito positivo do hCG na diminuição da sensação de fome, porque não há. Os estudos disponíveis sobre essa dieta dizem que o hCG não exerce efeito algum sobre o apetite [3,4]. Você pode até ouvir, a partir de relatos de pacientes que se submeteram a esse processo, que a redução na sensação de fome ocorre, assim como você também pode ouvir o contrário, ou seja, que os pacientes sentem fome mesmo utilizando o hCG. De qualquer forma, a supressão do apetite por meios medicamentosos ou hormonais é algo completamente não fisiológico, e quem sabe quais são os possíveis efeitos deletérios desse tipo de prática em curto ou longo prazo.
Em relação ao aumento na mobilização de gordura corporal, também não há qualquer estudo que evidencie isso. Provavelmente talvez nem existam mecanismos fisiológicos plausíveis que poderiam explicar tal efeito. Mas só porque não há evidências de maior mobilização de gordura, isso não quer dizer que não aconteça.
Ok. Então os pacientes que usam hCG perdem mais peso que aqueles que não usam?
Não...
Uma meta-análise de 24 estudos que avaliaram o efeito do hCG sobre a perda de peso, comparando pacientes que usaram o hormônio contra pacientes que não usaram, concluiu [3]:
“We conclude that there is no scientific evidence that HCG causes weight-loss, a redistribution of fat, staves off hunger or induces a feeling of well-being. Therefore, the use of HCG should be regarded as an inappropriate therapy for weight reduction [...]”
Em tradução livre:
"Nós concluímos que não há evidências científicas que demonstrem que o hCG causa perda de peso, redistribuição de gordura, reduza a fome ou induza sensação de bem-estar. Portanto, a utilização do hCG deve ser considerada como uma terapia inadequada para a perda de peso [...]"
Problemas com o hCG
Diversas células cancerígenas produzem hCG, sendo que a detecção de concentrações aumentadas desse hormônio podem indicar a presença de câncer antes mesmo de alterações histológicas ou clínicas dessa patologia [5]. Em muitos casos, a detecção de níveis elevados de hCG no sangue indicam câncer em estágio avançado e um prognóstico ruim para o paciente [5,6,7].
Não se sabe exatamente porque há aumento na produção de hCG nos mais diversos tipos de câncer. Entretanto, a principal hipótese é de que o hCG seria um fator consideravelmente importante para a promoção do desenvolvimento tumoral, facilitando o crescimento e inibindo a morte de células cancerígenas [7,8].
Se o hCG tem esse potencial de favorecer o desenvolvimento de tumores, seria uma boa ideia alguém ingerir ou injetar ainda mais hCG em seu corpo? Eu arriscaria “não” para essa pergunta... Sem contar outros possíveis efeitos colaterais de longo prazo que ainda são desconhecidos, mas que podem existir.
Com hormônios não se brinca.
Considerações finais
O hCG promove perda de peso ou de gordura adicional? Não... O hCG reduz a sensação de fome? Não... O hCG melhora a irratabilidade ou aumenta a sensação de bem-estar? Não... O hCG pode favorecer o desenvolvimento de câncer? É bem possível que sim.
Com nenhum benefício e a possibilidade de um sério efeito adverso, por que alguém deveria apostar suas fichas nesse hormônio? Talvez seja no mínimo irresponsável por parte de profissionais de saúde recomendarem ou endossarem o uso de hCG para a perda de peso.
Uma dieta de 500 kcal/dia já não é nada saudável, ainda mais junto com um hormônio.
Dieta do hCG: não faça! Nunca adote estratégias "milagrosas". Procure um nutricionista competente que possa te acompanhar e orientar a perder peso de forma saudável e sustentável. Adote um estilo de vida saudável e coma comida de verdade.
Referências
1. Morley LC, et al. Human chorionic gonadotrophin (hCG) for preventing miscarriage. Cochrane Database Syst Rev. 2013;1:CD008611.
2. Robb-Nicholson C. By the way, doctor. I've been trying to lose weight for a long time and nothing seems to work. What do you know about the HCG diet. Harv Womens Health Watch. 2010;17(9):8.
3. Lijesen GK, et al. The effect of human chorionic gonadotropin (HCG) in the treatment of obesity by means of the Simeons therapy: a criteria-based meta-analysis. Br J Clin Pharmacol. 1995;40(3):237-43.
4. Lovejoy JC, Sasagawa M. An unfortunate resurgence of human chorionic gonadotropin use for weight loss. Int J Obes. 2012;36(3):385-6.
5. Stenman UH, et al. Human chorionic gonadotropin in cancer. Clin Biochem. 2004;37(7):549-61.
6. Cole LA. hCG, the wonder of today's science. Reprod Biol Endocrinol. 2012;10:24.
7. Cole LA. Biological functions of hCG and hCG-related molecules. Reprod Biol Endocrinol. 2010;8:102.
8. Banerjee P, Fazlebas AT. Extragonodal actions of chorionic gonadotropin. Rev Endocr Metab Disord. 2011;12(4):323-32.
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