Saúde
Dieta Paleolítica
Nova dieta da moda? Talvez.
A dieta Paleolítica ainda não é tão popular no Brasil, mas tem ganhado significativa atenção desde o ano passado. Por ser relativamente nova e estar ganhando popularidade, a mídia tem se interessado e buscado relatar essa nova tendência no mundo da alimentação e nutrição. A dieta Paleolítica foi inclusive reportagem de capa da revista Época em uma das edições do mês de fevereiro de 2014, além de ter conquistado espaço em reportagens nas revistas Runner’s World e L’Officiel e em sites de revistas, como a Glamour.
Mas o que é a dieta Paleolítica? É saudável? Pode trazer prejuízos?
Vamos conhecê-la um pouco melhor.
Breve história
A ideia da dieta Paleolítica (Paleo, para os mais íntimos) foi inicialmente concebida na década de 70, com a publicação do livro The Stone Age Diet: Based on In-depth Studies of Human Ecology and the Diet of Man, de autoria de Walter Voegtlin. A partir de 1985, com a publicação do primeiro artigo científico acerca do tema — Paleolithic nutrition. A consideration of its nature and current implications —, a Dieta Paleo começou a ganhar um pouco mais de espaço. Boyd Eaton e Melvin Konner, autores desse primeiro artigo científico, publicaram alguns livros nos anos seguintes para disseminar os preceitos dessa nova “velha” forma de se alimentar.
A partir de então, as décadas de 80 e 90 foram palco de diversas pesquisas ao redor do mundo, as quais tiveram como foco a alimentação e saúde de diversas populações “isoladas”, ou seja, comunidades que tiveram mínimo contato com o mundo ocidental. O estudo dessas populações buscava entender como era a saúde de povos tradicionais, com hábitos alimentares muito próximos à alimentação dos nossos ancestrais caçadores-coletores da era Paleolítica. Alguns exemplos dessas populações são os Hiwi, os Onge e os Hadza, que habitam regiões da Colômbia, da Índia e da Tanzânia, respectivamente. Esse foi o momento em que a ciência começou a explorar de fato a relação entre uma alimentação tradicional, e mais próxima à dos nossos ancestrais, com a saúde.
No início dos anos 2000, a dieta Paleo ganhou real popularidade. Mais especificamente em 2002, Loren Cordain, um dos principais expoentes do movimento Paleo e considerado um dos pais da dieta Paleolítica, lançou o livro The Paleo Diet. O livro foi um sucesso de vendas e, assim, caracterizou-se como o primeiro responsável por aumentar, de forma considerável, o conhecimento e a popularidade da dieta Paleo nos Estados Unidos.
Nos anos seguintes, foram publicados outros livros sobre a dieta Paleo. Mas o grande “boom” dessa dieta ocorreu entre 2009 e 2010. Os livros The Primal Blueprint, de Mark Sisson, e The Paleo Solution, de Robb Wolf, levaram a dieta Paleo a outro nível. A dieta Paleo tornou-se possivelmente a dieta mais popular no mundo após os últimos 5 anos, sendo pesquisada no Google, em 2013, mais do que qualquer outra dieta.
Conceitos
A dieta Paleo baseia-se na ideia de que devemos consumir os alimentos que nossos ancestrais consumiam durante a maior parte da evolução humana. Assim, a alimentação deveria se basear nos alimentos mais comumente encontrados e consumidos durante a era Paleolítica, ou seja, de aproximadamente 2.000.000 a 10.000 a.C. — período anterior ao advento da agricultura e da pecuária.
As seguintes são as principais características da dieta Paleo “original” que ficou famosa principalmente a partir do livro The Paleo Diet:
Alimentos permitidos
- Carnes de todos os tipos, de preferência magra
- Hortaliças com baixo teor de carboidratos
- Frutas de baixo índice glicêmico
- Nozes, sementes e castanhas
Alimentos não permitidos
- Cereais (arroz, trigo, centeio, milho, aveia etc.)
- Leguminosas (feijão, grão de bico, lentilha, soja etc.)
- Leite e derivados (leite, queijos, iogurte, manteiga etc.)
- Açúcar e produtos industrializados, processados ou refinados
Alimentos que devem ser evitados
- Hortaliças com maior teor de carboidratos (abóbora, batata inglesa, batata doce, mandioca, batata baroa etc.)
Nutrientes
- Carboidratos: consumo “reduzido” comparado à alimentação ocidental padrão, cerca de 30 a 45% das calorias
- Proteínas: consumo moderado, cerca de 15 a 30% das calorias
- Gorduras: consumo “adequado”, cerca de 30% das calorias
- Gorduras monoinsaturadas: deve ser a principal fonte de gordura
- Gorduras poli-insaturadas: deve ser a segunda principal fonte de gordura, com consumo balanceado entre ômega-3 e ômega-6
- Gorduras saturadas: consumo moderado
- Fibras: consumo elevado através de hortaliças e frutas
Cada restrição da dieta Paleolítica possui uma explicação “evolutiva” apresentada pelos autores, não sendo possível entrar em detalhes em um único post. Por esse e outros motivos, abordaremos alguns desses aspectos em posts futuros. Mas, de forma bem resumida, os autores sugerem que cereais, leguminosas, laticínios, açúcar e produtos processados foram introduzidos muito recentemente na nossa alimentação, não fazendo parte da nossa evolução como espécie. Portanto, segundo os defensores da dieta Paleo, esses alimentos tendem a ser tóxicos para o nosso corpo porque ainda não houve tempo, em termos evolutivos, de nos adaptarmos ao seu consumo.
Dietas Paleo "2.0"
A dieta Paleo se tornou muito popular a partir de 2002, gerando diversas “filhas” ao longo desses últimos 12 anos. Os próprios livros The Primal Blueprint e, principalmente, The Paleo Solution podem ser consideradas dissidências da dieta Paleo “original” proposta no livro The Paleo Diet.
Mas as dietas Paleo não são todas iguais. Cada autor interpreta as evidências (científicas ou não) à sua maneira, revelando, propondo e adicionando novas perspectivas aos conceitos básicos da dieta Paleo.
Nesse sentido, destacam-se autores que buscaram incorporar ideias novas à dieta Paleo: Chris Kresser, Mark Sisson, Kurt Harris, John Durant e Paul Jaminet, entre outros. Nem todos eles chamam suas dietas ou propostas de estilo de vida de Paleo propriamente dito. Entretanto, todos dão ênfase não somente à importância da alimentação sobre a saúde, mas também à influência de diversos fatores sobre o estilo de vida, tais como atividade física, sono, estresse, lazer etc. — sempre sob a partir de uma perspectiva evolutiva.
As principais diferenças das “novas” dietas Paleo em relação à dieta Paleo “original” são:
- Permissão de vegetais ricos em carboidratos (abóbora, batata inglesa, batata doce, mandioca, batata baroa etc.)
- Permissão de alguns cereais, normalmente o arroz branco
- Permissão de leite e derivados, para as pessoas que toleram esse tipo de alimento
- Proteínas: consumo um pouco menor, de 15 a 20% das calorias
- Gorduras: consumo um pouco mais elevado, podendo variar de 40 a 60% das calorias (às vezes até mais)
- Gorduras saturadas e monoinsaturadas: devem ser as principais fontes de gordura da dieta
- Gorduras poli-insaturadas: o consumo total desse tipo de gordura deve ser o menor possível, com ênfase basicamente para as gorduras ômega-3 e redução ao máximo das gorduras ômega-6 — o que implica na exclusão total de óleos vegetais refinados (canola, soja, milho, girassol, algodão etc.)
- Gorduras trans: exclusão total desse tipo de gordura
A recomendação de carboidratos é bastante semelhante entre as diversas dietas Paleo, normalmente variando de 20% a 40% do total de calorias. Alguns autores sugerem maior ingestão desse nutriente para indivíduos que praticam atividades físicas mais intensas.
As “novas” dietas Paleo são mais inclusivas em relação aos alimentos que o ser humano passou a consumir com maior frequência somente após o domínio da agricultura e da pecuária (leite, cereais e, em alguns casos, leguminosas), além de não considerarem a gordura saturada como um vilão na dieta (de forma correta!).
Concordando ou não com os preceitos da dieta Paleo, o mais importante de tudo é o foco que essa dieta traz sobre a ingestão de alimentos de verdade. Praticamente todos os autores enfatizam a importância de consumir alimentos frescos, orgânicos e de boa procedência, além de evitar sempre produtos processados, industrializados e refinados. Ainda, praticamente todos os proponentes, se não todos, dão ênfase à não necessidade de contar calorias ou de se preocupar com a gordura naturalmente presente nos alimentos. E isso tudo é muito importante.
Dieta LCHF
Uma das mais recentes “filhas” da dieta Paleo é a dieta LCHF. A sigla LCHF representa “Low-Carb/High-Fat”, ou seja, uma dieta com redução de carboidratos e rica em gordura. Outras possíveis denominações comuns para a dieta LCHF: low-carb ou cetogênica. Esse assunto provavelmente será explorado em um post futuro.
Vale lembrar que, com exceção do glúten (proteína presente no trigo, no centeio e na cevada) — o qual se recomenda excluir tanto na dieta LCHF como nas dietas Paleo —, as dietas LCHF por vias próprias normalmente não sugerem diretamente a exclusão de todos os cereais, leguminosas e leite como grupos alimentares. A restrição desses alimentos acaba acontecendo “naturalmente”, já que os mesmos são fontes consideráveis de carboidratos.
O mais interessante de tudo é o foco que a dieta LCHF, assim como a dieta Paleo, dá à importância de comer sempre comida de verdade, excluindo alimentos processados e industrializados, como farinha de trigo, açúcar e óleos vegetais refinados (canola, soja, milho, girassol etc.).
Considerações finais
De maneira breve e geral, as dietas Paleo não trazem prejuízos e normalmente são muito efetivas para a perda de peso e gordura corporal. Entraremos em mais detalhes sobre os principais predicados desse tipo de dieta em posts futuros, mas, certamente, as dietas Paleo são extremamente benéficas para a maior parte da população. Tudo isso, obviamente, desde que orientadas e seguidas de maneira correta. (Na verdade, até mesmo se forem seguidas de forma "errada", as dietas Paleo normalmente proporcionarão diversos benefícios e dificilmente resultarão em qualquer malefício).
Entretanto, converse sempre com um nutricionista competente e de confiança antes de começar qualquer dieta nova ou mudar seus hábitos alimentares.
Mas por que falar dessas dietas? Primeiramente, porque já discutimos e ainda discutiremos bastante em textos futuros alguns conceitos e aplicações delas, muitos dos quais contrariam o conhecimento popular e pretendem quebrar alguns dos paradigmas atuais. E isso faz sentido, porque se tudo que sabemos e fazemos nos dias de hoje em relação à alimentação e nutrição estivesse correto, não teríamos tantos e crescentes problemas de sobrepeso, obesidade e doenças metabólicas (como doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2 e câncer).
Mais importante ainda, essas dietas têm resgatado a ideia de focarmos primeiramente na qualidade dos alimentos e não na quantidade de calorias e gorduras, por exemplo. É claro que outros nomes no mundo da alimentação e nutrição, como Michael Pollan e Jamie Oliver, também buscam transmitir mensagens semelhantes. E quanto mais gente fazendo e falando sobre isso, melhor.
Mas uma pequena vantagem que essas dietas (exatamente por serem dietas, porque as pessoas adoram dietas novas) têm é que elas talvez possuam uma maior facilidade de se disseminar pela população, potencialmente facilitando a transmissão das mensagens sobre a importância dos aspectos qualitativos da nossa alimentação.
E, antes de tudo, o foco tem que ser esse: qualidade da alimentação.
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