Dietas cetogénicas e low-carb no controlo do apetite
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Dietas cetogénicas e low-carb no controlo do apetite



Existe uma grande controvérsia relativamente à eficácia e segurança das dietas very-low carb ou cetogénicas para perda de peso. Uma relação de amor e ódio. Uns defendem-nas com unhas e dentes, outros acham-nas mais uma fad diet muito perigosa e no limiar da loucura. Outros ainda, como eu, posicionam-se a meio termo. A verdade é que os estudos a médio-longo prazo que comparam um regime hipocalórico convencional a uma dieta restrita em hidratos de carbono, quando todos os outros parâmetros estão controlados (consumo energético, adesão, actividade física, etc), têm falhado em mostrar uma superioridade das dietas low-carb numa janela de 2 anos, os estudos mais longos que dispomos. Uma é tão ineficaz como a outra quando deixamos as pessoas por sua conta. A adesão ao programa diminui com o tempo, bem como a receptividade metabólica à intervenção. Mas quem está "no campo" sabe que a restrição em hidratos de carbono favorece uma perda de peso mais rápida, embora esse peso seja recuperado muito rapidamente quando voltamos a um regime convencional. Este efeito favorável na gestão do peso tem sido atribuído a uma "vantagem metabólica", em que eu não acredito para ser sincero. Na verdade, tudo se parece resumir ao seu efeito altamente saciante, que se traduz numa redução espontânea da ingestão energética. Um estudo agora publicado no Eur J Clin Nutr aponta precisamente nesse sentido [link].


Quem já seguiu um regime muito restrito em hidratos de carbono certamente experimentou aquela perda de peso inicial muito rápida. A verdade é que a maior fatia deste peso não é gordura, mas uma perda de líquidos devido à deplecção das reservas de glicogénio e menores níveis de insulina que favorecem a excreção de sódio e água. Mas embora não se trate essencialmente de gordura, essa perda de peso inicial é extremamente motivante e facilita a adesão ao processo a curto prazo. Esta componente psicológica também deve ser considerada numa intervenção.

Mas contrário do que muitos alegam, a perda de peso não é apenas água, o que pode ser facilmente comprovado com uma avaliação da composição corporal. Infelizmente há uma componente de músculo associada, como em qualquer dieta embora aqui possa ser mais elevada, que pode ser minimizada com um aporte substancial de proteína, exercício de força, ou redução dos hidratos de carbono a um limiar que permita entrar em cetogénese. A pior dieta para o músculo é uma que nem é "carne nem peixe", uma low-carb que ainda não permita entrar em cetose. A cetose favorece a manutenção da massa magra via utilização de 3-hidroxibutirato como substrato, aumento da hormona do crescimento (devido à diminuição dos níveis de glicose), utilização de glicerol como substrato neoglucogénico, redução da actividade da T3, e até pelo aporte acrescido de proteína que normalmente se verifica nas dietas cetogénicas.

No entanto, a perda de água e músculo não explica de todo a redução do peso e melhoria da composição corporal. A gordura também é perdida, e isso observa-se facilmente na prática. Esta perda de gordura, mais rápida e evidente do que com regimes hipocalóricos convencionais, é geralmente atribuída a uma "vantagem metabólica" que nunca ninguém soube explicar de forma convincente. A insulina não é o inimigo que tentam criar, nem tão pouco o único factor que contribui para a acumulação de gordura. Além disso, os problemas começam quando nos tornamos resistentes à insulina, o que não depende exclusivamente da acção da hormona em si. É essencialmente um estado de inflamação crónica.

Embora não acredite nessa "vantagem metabólica", uma coisa sei que é verdade. A restrição de hidratos de carbono ajuda a controlar o apetite em dieta, especialmente em pessoas com um metabolismo ineficaz na gestão da glicemia - com algum grau de insulino-resistência. Já aqui falámos sobre isso [link]. Numa pessoa "normal", os níveis de glicemia nunca excedem os 120-140 mg/dL após uma refeição rica em hidratos de carbono. A verdade é que muita gente, e não necessariamente obesos ou diabéticos, observam valores mais elevados que regra geral atingem o seu pico aos 60 min. E estamos a falar de valores na ordem dos 150-180 mg/dL, fora de um quadro de diabetes. O nosso cérebro tem glucoreceptores que monitorizam constantemente os níveis de açúcar no sangue e activam a resposta contra-regulatória (que estimula o output de glicose para a circulação) quando a glicémia cai abruptamente. Mas estes glucoreceptores não são sensíveis a glicemias absolutas, mas a flutuações nos níveis de glicose. Mesmo não havendo hipoglicemia reactiva após uma refeição, um pico elevado vai gerar uma grande variação na amplitude glicémica e activar a resposta contra-regulatória. Um dos elementos dessa resposta é a fome precoce. Não nos sentimos saciados mas com uma fome constante, e temos necessidade de comer com muita frequência, o que não acontece numa dieta restrita em hidratos de carbono. Porquê? Porque não há grandes flutuações na glicemia, que está sempre baixa...

Um estudo agora publicado sugere que isto não é a história toda [link]. Existe também um efeito sobre as hormonas que controlam o apetite e homeostase energética. Um grupo de indivíduos obesos foi submetido a uma intervenção com dieta cetogénica durante 8 semanas. No final desse período tinham perdido 13% do peso inicial, o que é um resultado bastante positivo em apenas 2 meses. Os níveis de corpos cetónicos aumentaram significativamente durante esse tempo como esperado, um aumento acompanhado por uma redução dos níveis de grelina. A grelina é uma hormona orexigénica, ou seja, estimula o apetite. Numa dieta hipocalórica convencional, os níveis de grelina aumentam durante o período de restrição, induzindo fome. Segundo o resultado deste estudo, isso não parece acontecer numa dieta cetogénica, o que favorece um estado de saciedade e menor ingestão calórica espontânea, o que aliás é recorrentemente comprovado em vários estudos.

Outra observação interessante, embora nada surpreendente, é que os níveis de grelina aumentam durante o refeeding (transição para uma dieta convencional). Quem já passou por isto sabe bem do que se trata. Quando se aumenta o consumo de hidratos de carbono abruptamente a fome é constante e os cravings muito difíceis de controlar. O músculo recupera os níveis de glicogénio e acumula água. Tudo isto contribui para um aumento de peso quase igual ao que se perde, se não maior. As dietas cetogénicas só são eficazes se assumir a restrição em hidratos de carbono como um compromisso para a vida. Isso nem sempre é fácil ou adequado, especialmente quando a performance está em jogo. Mas isso é outra história... Por alguma razão o Gary Taubes não gosta muito de exercício físico...

Eu não sou particularmente adepto das dietas cetogénicas, embora o seja de uma restrição em hidratos de carbono no paradigma actual do que é "uma dieta saudável". Felizmente esse conceito está a mudar, simplesmente porque contra factos não há argumentos. Acredito nos hidratos de carbono (de fontes densas - amido) como um nutriente funcional que fornece energia quando e para o que é necessária -  actividade física intensa. Cerca de 50-70% do total diário deve estar no período peri-treino ("à volta" do treino), o momento em que o nosso corpo está mais capacitado para lidar com eles. Fora desse contexto, sugiro um limite máximo de 20-30 g por refeição de forma a não afectar substancialmente a glicemia, especialmente em pessoas com uma capacidade de metabolizar os hidratos de carbono longe da ideal, que representam uma fatia significativa do universo das pessoas que lutam para manter ou perder o peso. Mas alguns afortunados não têm de ser preocupar muito com isso...

Quando existem duas posições extremadas em relação a um tópico, a verdade deve andar algures pelo meio. Isso nunca foi tão verdade como no caso das dietas cetogénicas. Amadas por uns e odiadas por outros, a sua eficácia parece ser relativa e não fogem aos mecanismos já conhecidos para perda de peso: uma restrição calórica que advém de um efeito saciante que não se consegue numa dieta convencional. Não é voodoo science. Os problemas começam quando se dá a transição para um regime "normal", em que os resultados podem ser catastróficos. Algo que deverá ter consciência antes de iniciar uma.





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