Saúde
FORTIFICAÇÃO DE ALIMENTOS COM FERRO: PODE SER PREJUDICIAL?
Introdução
O Ferro é um elemento de origem mineral, encontrado nos alimentos em duas formas, como Ferro heme (orgânico) presente nas carnes, vísceras (fígado, coração, rim) e embutidos e ferro não heme (inorgânico) presente nos folhosos, leguminosas, sementes, cana-de-açúcar ou gema de ovo. É um nutriente essencial para o crescimento humano, desenvolvimento e manutenção do sistema imunológico. Porém, o envolvimento do ferro em reações de oxidação e a associação do acúmulo de ferro em tecidos, com processos patológicos e envelhecimento precoce, alertam para sua toxicidade.
Diversos produtos alimentícios disponíveis no Brasil, voltados para diferentes públicos, são enriquecidos com Ferro.
A ingestão máxima recomendada ou os riscos do consumo de ferro em excesso não deveriam estar disponíveis nos rótulos?
Fundamentos Bromatológicos:
Figura 1: Informação nutricional Farinha de trigo Granfino Enriquecida com Ferro e Ácido fólico. Apresenta 2,1 mg/50g o que corresponde à 4,2mg/100g.
Figura 2: Tabela Nutricional do Leite Ninho: apresenta 5,2mg de Ferro para cada 26g do produto, o que corresponde a 21.5 mg de Ferro em 100 g do produto.
Figura 3: Tabela Nutricional do Nescau: apresenta 2,1mg de Ferro para cada 20g do produto, o que corresponde a 10,5mg de Ferro em 100g do produto.
Segundo a ANVISA, a Ingestão Diária Recomendada para o Ferro é de 14mg e para um alimento ser considerado fortificado/enriquecido, deve conter no mínimo 4,2 mg de ferro/100g.
A OMS também recomenda a ingestão de no máximo 45mg de Ferro por dia, podendo ocorrer variação em casos específicos. Em mulheres na menopausa o índice cai para 18mg/dia.
A deficiência de ferro, incluindo a sua forma mais severa, a anemia, é a carência nutricional mais comum no mundo, prevalecendo nos grupos de pessoas que requerem mais ferro. E dentre as estratégias utilizadas para prevenção da anemia por deficiência de ferro, encontra-se a fortificação de alimentos, apontada como melhor abordagem para aumentar ingestão desse mineral.
Assim, a fortificação dos alimentos como, leite, farinha de cereais, arroz, entre outros produtos que compõem a dieta básica de populações alvo, vem sendo utilizada como alternativas para o combate à carência de ferro, que melhor se adapta às condições de cada região.
A homeostase do ferro é um processo bioquímico, regulado de modo complexo, visando o equilíbrio do mineral. O qual está presente nos alimentos como hidróxidos férricos, complexos proteicos férricos e complexos heme proteínas, onde numa dieta média que contenha de 10 a 15 mg de ferro/dia, 5 a 10% são normalmente absorvidos e em estados carenciais esta absorção pode aumentar para 20 a 30%.
O ferro é essencial por sua capacidade de receber e transferir elétrons, participando como catalisador das reações redox nas células. Porém, por sua alta reatividade, o ferro torna-se potencialmente tóxico, uma vez que catalisa a formação de espécies reativas de oxigênio (EROs), que podem promover a oxidação de diversas moléculas e organelas gerando danos celulares.
O acúmulo de ferro tem sido associado a diversos processos patológicos, tais como câncer, doenças hepáticas e cardíacas, diabetes, disfunções hormonais e do sistema imunológico e mesmo doenças crônico-degenerativas.
O fígado, sendo o principal sítio de armazenamento de ferro, é um dos órgãos mais afetados pelos altos níveis desse elemento no organismo, assim, ingestão em excesso pode levar a uma disfunção hepática. Além disso, danos no DNA causados pelos radicais livres gerados, podem induzir uma proliferação e diferenciação desordenada das células tronco-hepáticas, resultando em carcinoma hepático.
Elevados estoques de ferro também têm sido associados com um risco aumentado de infarto do miocárdio, assim como desenvolvimento de processos neurodegenerativos, como o Mal de Alzheimer.
Legislação:
Devido à anemia ferropriva, a mais comum das anemias, representar uma importante questão de saúde pública no Brasil foi publicada, em 2000, a RDC nº 15, essa Resolução obrigava a fortificação de farinhas de trigo e de milho com ferro, porém em 2002, essa RDC foi substituída pela RDC nº 344 de 13 de dezembro de 2002, que torna obrigatória a fortificação dessas farinhas, não apenas com ferro, mas também com ácido fólico, estabelece que toda farinha de trigo e de milho vendida no Brasil deve ser enriquecida com ferro (Fe) e ácido fólico (vitamina B9) e cada 100g de farinha devem conter 4,2 mg de Fe. A legislação brasileira apresentou um importante avanço em 2000, com a RDC nº 94, na qual a rotulagem nutricional, que era obrigatória apenas para alimentos que destacavam alguma propriedade nutricional ou alimentos com propriedades específicas, passou a ser obrigatória para todos os alimentos e bebidas embalados, por meio da RDC nº 94, que revogou a Portaria nº 41.
A Legislação Brasileira considera como alimento fortificado aquele em que é permitido o enriquecimento ou fortificação desde que 100mL ou 100g do produto, pronto para consumo, forneçam no mínimo 15% da IDR (Ingestão Diária Recomendada) de referência, no caso de líquidos, e 30% da IDR de referência, no caso de sólidos. Podendo ser considerado fortificado ou enriquecido e declarado no rótulo “alto teor” ou “rico”, conforme o Regulamento Técnico de Informação Nutricional Complementar (AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA, 1998).
Discussão e Conclusão:
A técnica de fortificação de alimentos tem obtido sucesso na redução da prevalência de anemia no Brasil e no exterior, sendo utilizada como uma forma fácil, segura, de baixo custo e efetiva em curto e médio prazo, além de melhorar a qualidade dos alimentos disponibilizados à população. Entretanto não substitui necessariamente a suplementação com ferro nem as orientações sobre mudanças na dieta, mas, em longo prazo, pode ocorrer um aumento das reservas orgânicas de ferro de uma população. Nos programas de fortificação, há necessidade de identificação de uma fonte de ferro biodisponível não reativo e veículos alimentares adequados à fortificação, podendo ser dirigida a grupos específicos.
Mas, quais são os riscos que a fortificação de alimentos com ferro pode gerar? Quais são os possíveis riscos a saúde?
A fortificação com ferro é um método complexo, pois as formas biodisponíveis são quimicamente reativas e podem produzir efeitos indesejáveis quando adicionadas aos alimentos. A complexidade na fortificação do ferro consiste na seleção de um composto que seja discreto e bem absorvido, ressaltando que os compostos solúveis são mais bem absorvidos e quimicamente mais reativos, enquanto os compostos com fosfato são pouco reativos e apresentam baixa biodisponibilidade em seres humanos.
O consumo frequente de alimentos enriquecidos pode levar ao acúmulo de alguns nutrientes, gerando intoxicação aguda ou crônica. A ingestão máxima tolerável pelo organismo, ou seja, o máximo que pode ser ingerido diariamente, sem que se causem danos ou reações adversas, são valores determinados, devendo ser fundamentalmente observados para prevenção de possíveis intoxicações.
Fatores fisiológicos e nutricionais podem interferir na absorção, no transporte e no armazenamento dos micronutrientes essenciais, possibilitando o aumento da suscetibilidade à deficiência ou toxidade.
Sendo assim, possibilidades do risco de problemas que podem ocorrer no acréscimo de vitaminas e minerais aos alimentos, durante o processamento industrial deve ser lembrada. E medidas de fiscalização são necessárias para garantir o controle de qualidade da fortificação para alimentos, dentro de parâmetros de segurança.
Seriam interessantes campanhas de informação para a população sobre os riscos tanto da falta quanto do excesso dos nutrientes. Avisos de possíveis danos também poderiam ser informados nos rótulos dos alimentos para maior controle da ingestão pelos próprios consumidores.
Gabrielle Salles e Ana Carolina Jabour
Referências:
- MARQUES, M.F, et al, Fortificação de alimentos: uma alternativa para suprir as necessidades de micronutrientes no mundo contemporâneo. HU Revista, Juiz de Fora, v. 38, n. 1, p. xx-xx, jan./mar. 2012.
- FERREIRA, A.B, et al, Legislação brasileira referente à rotulagem nutricional de alimentos. Rev. Nutr. vol.20 no.1 Campinas Jan./Feb. 2007.
- ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária - RESOLUÇÃO - RDC Nº 344, DE 13 DE DEZEMBRO DE 2002
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