No passado dia 11 de Março estreou mais um filme sobre a alimentação e as "doenças da abundância". Depois do "Super Size Me", "Food Inc", "Fast Food Nation" e outros que não me recordo ou não conheço, é a vez de Forks Over Knives". Mas este é diferente. Trata-se de propaganda pró-vegetarianismo (quase no Vegan já) e conta com a colaboração de reconhecidas autoridades deste movimento como Caldwell Esselstyn, MD, e T. Colin Campbell, PhD, ambos consultores da Whole Foods Market que financia o filme.
Fartos de dietas milagrosas estamos nós, especialmente da arrogância de algumas que se assumem como a única forma de viver um vida saudável e plena. Esta é uma delas, afirmando que a alteração do menú moderno no sentido de aumentar o consumo de vegetais e excluir os alimentos de origem animal e processados é a solução para a maioria das doenças metabólicas e câncro. Como sabem, embora concorde com os benefícios da restrição de produtos altamente processados, não posso alinhar com a ideia de que os alimentos animais são fonte de problema. Nos países mais pobres, com um PIB per capita inferior a 5000 USD, o consumo de produtos animais é irrisório e não deixam de ser um grupo com um grande crescimento da obesidade e doenças associadas. Os hidratos de carbono processados ou subsidiados, extremamente baratos e acessíveis, são o alimento preferencial dos menos favorecidos. É o que chamamos de "ocidentalização". O consumo de produtos animais está relacionado com a riqueza do país/família, tal como as gorduras. Curiosamente, a proteína total mantém-se constante independentemente dos recursos de cada um. Se houve grupo nutricional que aumentou de importância na última metade do século XX foram os hidratos de carbono, particularmente os cereais, e os lacticínios. A % energia derivada de gorduras até tem vindo a diminuir, tendo sido substituídas pelos hidratos de carbono refinados e açúcares simples, um fenómeno que tem sido associado a um impacto negativo em parâmetros cardiometabólicos.
Eu acredito que existem várias abordagens viáveis para o problema. Não há soluções únicas nem formatadas que sirvam a todos. No entanto, a limitação do relevo que os cereais e açúcares têm na dieta actual tem-se mostrado benéfica a vários níveis. Isto não é possível numa dieta vegetariana. Satisfazer os requerimentos energéticos humanos com uma dieta exclusivamente à base de plantas é muito difícil sem cereais e derivados, o que aumenta consideravelmente a carga glicémica da dieta, um parâmetro fortemente associado às "doenças da civilização". Um argumento contra as dietas vegetarianas é a falta de proteína de elevado valor biológico, algo facilmente rebatido pelos seus defensores. Como disse anteriormente, o consumo de proteína, a um nível populacional, não parece variar com a importância dos produtos animais na dieta e uma dieta à base de plantas bem estruturada não tem carências a este nível. Mas e quanto a vitaminas do complexo B e ferro biodisponível? Muitas das farinhas que nos chegam hoje em dia são enriquecidas com vitaminas ou então temos acesso aos multivitaminicos. Mas... se é preciso suplementar a dieta, não está algo de errado à partida? Não deveria ser suposto ter de o fazer! Temos ainda o caso da vitamina D cuja presença nos alimentos é restrita a algumas espécies marinhas e lacticínios. É bom que um vegetariano apanhe muito sol. Um outro que posso mencionar são os ácidos gordos essenciais. Uma dieta vegetariana não obtém EPA e DHA. O n-3 dominante é de longe o ALA, mas mesmo assim superado em larga escala pelo ácido linoleico (LA). Embora o EPA e DHA possam ser sintetizados a partir de outros PUFA, sabe-se que um elevado consumo de LA diminui a concentração tecidual de EPA e DHA através de uma menor conversão de ALA em EPA ou produção de DHA (competição pela desaturase) e por inibição da incorporação de n-3 na membrana celular. Este é um aspecto que diz respeito tanto aos vegetarianos como à dieta moderna e que pretendo abordar brevemente.
Mas a minha intenção aqui é apenas dar conhecimento de um filme que, apesar de discordar à partida com o que defende, considero um exercício interessante e que merece atenção. Gostaria um dia de ver um filme sobre as recomendações dietéticas modernas e impacto na saúde humana. Infelizmente, é um tema que não teria grande suporte por parte da indústria, a fonte principal de financiamento. Não tenhamos dúvidas. O vegetarianismo tornou-se um lobbie, e um lobbie altamente financiado com subsídios à produção de milho e soja, hoje presentes em quase tudo o que é alimento. Isto permite que sejam vendidos abaixo do custo de produção e elimina a concorrência,
A minha filosofia em relação à "guerra" entre dietas é simples e moderada. Quando existem duas posições extremistas, a verdade deve estar algures entre elas. Tanto os alimentos vegetais como os animais acompanharam a evolução humana e só nas últimas décadas se tem assistido a dicotomia entre ambos. Princípios morais ou culturais são perfeitamente legítimos para defender o vegetarianismo. Mas alegar a defesa da saúde humana é negar milhões de anos de evolução e aquilo que fez de nós o que somos hoje.
Aqui ficam dois trailers do filme que não deve estrear em Portugal ou em qualquer país europeu, se bem que isso hoje em dia não é problema para quem o quiser ver...
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