O "Peso Pesado": o estranho caso dos enlatados
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O "Peso Pesado": o estranho caso dos enlatados



Eu não quero fazer deste espaço um blogue do “Peso Pesado” mas ontem passou-se algo que não poderia deixar de comentar. Falo obviamente do encontro com a fisiologista, que disse que os alimentos enlatados eram mais adequados para os concorrentes do que os vegetais frescos. Eles ficaram tão surpreendidos como eu porque o senso comum nem sempre engana. Se já achava o programa uma sombra do seu original, hoje penso que pode até ser “perigoso” para quem o assiste e procura ali um modelo para o seu próprio regime de perda de peso.


Como já aqui disse, o meu interesse pelo programa é limitado e vejo-o mais como uma oportunidade de incutir hábitos saudáveis nos Portugueses. Infelizmente isso parece cada vez mais longe. Quando o “Peso Pesado” começou, a minha intenção era abordá-lo pela positiva, como um exemplo de esforço e didicação. Começo no entanto a pensar o contrário. Um exemplo do que não se deve fazer e o que está de errado na mentalidade das pessoas e de quem as orienta. Ora vejamos o excerto do encontro com a fisiologista Teresa Branco:



Começamos bem. A exaltação dos fenomenais resultados obtidos pelos concorrentes na pessagem de Domingo. Noutro enquadramento seriam de facto bastante interessantes, mas já tive oportunidade de comparar com o que se consegue nos EUA e não restam dúvidas de que ficaram bastante aquém. “Vê-se que foram rígidos com o plano”, disse ela. Pois… isso é que me assusta. “Foi muito fácil perder peso e agora é que começam as dificuldades”, acrescentou a fisiologista. Se a “especialista da matéria” tiver razão, então vai ser tempo perdido para todos os participantes menos um. Aquele que ganhar o prémio.

Se eu não conhecesse os aspectos nucleares da dieta e treino até podia comprar a ideia de que se pretende promover perdas de peso sustentáveis e não um espírito de competição. Mas ser competitivo faz mal a alguém? Na maior parte dos casos é um ingrediente do sucesso. Até parece nobre por parte da produção mas até agora só mostraram que pretendem explorar a vertente de reality show. Os Portugueses choram muito e lutam pouco pelos seus objectivos…

Não fugindo muito ao assunto principal, os enlatados vs vegatais frescos, deixem-me so salientar um ou outro ponto que me parecem relevantes neste momento. Segundo parece, os concorrentes não cozinham as próprias refeições e não participam na sua preparação. Não são ensinados a avaliar porções (o que é essencial numa dieta deste tipo, as que não funcionam) nem tão pouco aprendem a cozinhar de forma saudável. Se são hábitos a manter em casa, seria bom que os aprendessem não? Ou vai alguém da produção fazer-lhes o almoço todos os dias a casa?

Depois temos os treinos (ou devo chamar-lhes sessões de aeróbica?). Sinto-me desolado por ver o tipo de treino que já se percebeu ter sido adoptado. Cardio, cardio e mais cardio. Esporadicamente lá vemos um ou outro peso de 2 Kg. Depois de ver os concorrentes Americanos a treinar HIIT e crosstraining, a fazer agachamentos, peso-morto e até power cleans, o que posso dizer em ralação à versão Portuguesa? Felizmente as palavras têm pouca importância à luz dos resultados comparativos obtidos no Domingo. Os concorrentes que digam adeus à sua massa muscular e se preparem para um rebound quando o programa terminar.

De volta ao “estranho caso dos enlatados”, vejamos o que se passou. Os concorrentes foram confrontados com uma escolha entre dois frigoríficos. Um cheio de vegetais frescos (vi couve-flor, pimentos, espinafres, feijão-verde, alface, etc) e outro cheio de conservas enlatadas (grão, feijão, ervilhas, salsichas, etc). A minha primeira pergunta é: que raio fazem os enlatados no frigorífico? Eu pensava que só a minha mãe o usava como dispensa. Os concorrentes seguiram o senso comum e escolheram os vegetais frescos. Quantos não o fariam? Eu certamente que sim. Mas parece que a fisiologista tinha outra coisa em mente. Pois é… as conservas são melhores para eles.

O quê? Por mais “rebelde” que se seja, como é que alguém, “especialista na matéria” ou não, diz que as conservas são mais adequadas do que produtos frescos? A justificação dada foi que continham mais proteína e que seriam um melhor sustento para o esforço físico dos concorrentes. Portanto, suponho que a alimentação desta semana seja exclusivamente à base de enlatados e que as fontes proteicas sejam as leguminosas e salsichas (talvez estejam por ali umas latas de atum). Carnes frescas e peixe tão fora do menu. Se os concorrentes ficassem com os vegetais frescos também não teriam acesso a estes alimentos e iam comer apenas “erva” a semana toda. Concluindo, os concorrentes vão estar sujeitados a fontes proteicas de baixo valor biológico e com uns aditivos tipo nitritos e sal a acompanhar um cariz ácido da dieta. E para suprir a carência, comam umas barras proteicas. São óptimas. Docinhas e sabem a chocolate. Portanto, uma pessoa que quer perder peso ou ter uma dieta mais saudável pode subsistir à base de conservas e barras proteicas. Para quê alimentos frescos quando temos salsichas, atum, feijão, milho e, porque não, uma dobrada enlatada? Sei que há umas muito boas da Nobre (aceito patrocínios da marca a partir de agora). “Eu gosto muito de grão-de-bico e milho”, disse uma concorrente. Pois é amiga… mas se soubesses alguma coisa de nutrição não estavas ai.

Não acredito que alguém com o mínimo de sanidade mental lhes vá dar uma dieta à base de conservas e foi apenas um mal-entendido. Se não houver fontes de proteína frescas, então o programa é um crime. Havendo-as, qual das duas opções seria a melhor, mas a milhas? Os vegetais obviamente. Nem sempre o senso comum está errado. Dizer que alimentos processados são melhores do que os naturais é um disparate de dimensões épicas. Pelo menos que cozinhassem os feijões e isso, já que os vão comer, em vez de usar os enlatados. Pelo que vi tempo não lhes falta… Uma alimentação saudável passa inevitavelmente por cozinhar e procurar alimentos “a sério”, frescos e naturais. Em vez de promoverem estes hábitos, fazem precisamente o contrário. Vamos optar pelo fácil e acessível. Mas não foi isso que os concorrentes fizeram até aqui? Os resultados não estão à vista?

Já ando a escrever demais sobre o “Peso Pesado” quando há tantos outros temas interessantes para debater. De qualquer forma já reparei que são os artigos mais lidos do blogue. Isto mostra que as pessoas têm mais interesse no programa no que na “conversa fiada” de outros artigos meus. Assim sendo, talvez seja inteligente da minha parte utilizar o “Peso Pesado” para fazer passar algumas noções do que considero ser um estilo de vida saudável e harmonioso. O meu passado de adolescente obeso sensibiliza-me em relação ao tema e revolta-me quando pessoas influentes induzem o público em erro e dizem disparates que ficam impunes. Não peço que se atirem de cabeça à minha abordagem pouco convencional nem que a aceitem sem contestação. Pelo contrário. Espero que tenham muitas dúvidas e pensem por vós próprios à luz da ciência virgem, livre de interpretações condicionadas e lobbies. Mas onde é que o convencionalismo e a cultura de rebanho nos trouxe? A um ponto em que o excesso de peso passou de excepção a regra. A um mundo doente e decadente que criámos para nós próprios.



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