Saúde
Ómega-3 para perda de gordura
Existem dezenas de produtos para perda de peso no mercado, mas os mais eficazes nem sequer são vendidos como tal. A obesidade é uma "disfunção" de génese multifactorial, mas as suas implicações ramificam-se também a vários sistemas do organismo. E um aspecto central que relaciona tudo isto poderá ser a inflamação. A inflamação causa obesidade ou é uma consequência do excesso de gordura? Provavelmente as duas coisas. Assim sendo, nutrientes de acção anti-inflamatória poderiam facilitar o processo de perda de peso e restaurar funções metabólicas comprometidas no estado obeso. E um dos mais poderosos são os ómega-3 de origem animal, o EPA e o DHA. Será que uma gordura pode facilitar a perda de gordura? É bem provável que assim seja.
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Os ómega-3 têm uma acção directa no adipócito que na obesidade pode restaurar a sua função normal. Apesar de existir um estímulo à beta-oxidação e inibição da reesterificação de ácidos gordos via AMPK, não creio que a sua acção se dê maioritariamente por esta via. O EPA e DHA inibem a produção de citocinas pró-inflamatórias por parte do adipócito por inibição do factor de transcrição NF-kB, nomeadamente IL-6, TNF-alfa e MCP-1. Todos eles iriam contribuir para o processo inflamatório associado à obesidade. Além disso, os ómega-3 também aumentam a expressão da adiponectina, uma adipocina protectora que sensibiliza as células à acção da insulina e exerce uma acção anti-inflamatória.
Uma das principais consequências da inflamação é a resistência à insulina. Embora este processo possa até ser favorável a curto prazo na oxidação de ácidos gordos pelo músculo, a um nível crónico trata-se de uma disfunção metabólica deletéria e obesogénica. Isto acontece quando orgãos centrais como o fígado e hipotálamo são atingidos. A acção dos ómega-3 no fígado está bem documentada. Eles inibem a reduzem a produção de triglicéridos através da inibição dos factores de transcrição SREBP1c e ChREBP, estimulando ao mesmo tempo a sua oxidação hepática via estimulação do PPAR-alfa. O figado torna-se um órgão mais eficaz na utilização de ácidos gordos e com menor produção de VLDL ricas em triglicéridos.
O músculo é também um tecido alvo dos ómega-3 que estimulam a oxidação de ácidos gordos e sensibilidade à insulina. Isto poderá ser devido à acção anti-inflamatória ou à activação da AMPK e estímulo à biogénese mitocondrial. Ao contrário do que acontece com o fígado, os processos que ocorrem no músculo não estão tão bem caracterizados.
Em resumo, os ómega-3 parecem actuar no sentido de reduzir a inflamação sistémica que se origina no adipócito, optimizar o metabolismo lipídico no fígado, reduzir a produção de triglicéridos, e estimular a sua utilização por parte dos tecidos periféricos. Todos estes processos são potencialmente positivos quando o objectivo é perder gordura corporal.
A alimentação moderna, rica em junk food e alimentos de alta palatibilidade, pode alterar a neuroquímica cerebral. A ideia de escrever um pouco sobre os ómega-3 surgiu precisamente hoje de manhã quando encontrei um paper de revisão que abordava o seu papel atenuante do efeito da junk food a nível central. A importância dos ómega-3 para a função cerebral é conhecida. Por outro lado, algumas hormonas que produzimos têm uma acção neuroprotectora que está comprometida na obesidade. A inflamação compromete a transdução do sinal quando estas se ligam ao receptor. Mas além disso, os níveis elevados de triglicéridos impedem a passagem de algumas hormonas através da barreira hemato-encefálica para o cérebro, resultado numa menor actividade central. Ora, como vimos, os ómega-3 podem exercer uma acção bastante positiva nestes dois aspectos. Alguns aspectos da restrição calórica como a neuroprotecção são mimetizados pelos ómega-3, provavelmente através da AMPK.
É bom lembrar que os ómega-3 não existem apenas em cápsulas. Podem ser obtidos através da alimentação, principalmente em peixes gordos como a cavala, sardinha, ou salmão. Apesar deste último ser provavelmente o primeiro em que pensamos quando falamos em ómega-3, seria provavelmente a minha última escolha. O salmão de aquacultura é também muito rico em ómega-6 e os riscos de contaminação com PCBs são consideráveis. O mercúrio não é um problema com a aquacultura mas sim com o salmão selvagem. Temos duas fontes baratas e melhores à disposição, a sardinha e a cavala.
Apesar de existirem boas fontes alimentares, a suplementação com ómega-3 é muitas vezes desejável para atingir as doses necessárias. Ora, aqui temos um problema. Não há consenso relativamente à dosagem indicada, muito menos quando o objectivo é facilitar o processo de perda de gordura. Os efeitos anti-inflamatórios são normalmente observados a partir de 1g/d (de EPA + DHA e não de óleo de peixe) e, portanto, poderemos pensar que é também uma dose adequada para o que queremos. Na verdade eu acho pouco. Normalmente faço doses de 3g/d durante 2 meses e reduzo para 2-1g/d durante o resto do tempo. Isto irá permitir saturar mais eficazmente as membranas celulares com EPA e DHA, local onde estes ácidos gordos exercem a acção que queremos. Convém no entanto salvaguardar o efeito anti-coagulante e interacções medicamentosas a que devemos estar sempre atentos.
Alguns estudos sugerem que os fosfolípidos de ómega-3 são mais eficazes em integrar as membranas celulares e em assumir a sua função metabólica. Daqui podemos pensar que o óleo de krill, mais rico em fosfolípidos, é mais eficaz do que o óleo de peixe, mais rico em triglicéridos de ómega-3. Trabalhos com ratos sugerem até que o óleo de krill é favorável na perda de gordura quando comparado com o peixe. Não é certo se de facto isto se deve às diferenças no tipo de ómega-3 ou à astaxantina presente no krill. São ainda poucos os estudos relativos a esta questão.
Os ómega-3 não são suplementos para perder peso. São nutrientes necessários a um metabolismo saudável, mais eficaz no processo de perda de gordura. As dietas modernas são pobres em ómega-3 relativamente ao ómega-6, um rácio que queremos optimizar. A suplementação é muitas vezes o caminho mais rápido e fácil. Na minha perspectiva, e antes sequer de pensarmos noutros produtos para perda de peso, devemos pensar em criar um ambiente fisiológico propício ao emagrecimento que passa em grande parte pela optimização do teor em ómega-3 das nossas membranas celulares.
Haveria muito mais a dizer mas o texto já vai longo...
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