Saúde
Os estrogénios e a hipertrofia: uma hormona incompreendida
Existe uma ideia generalizada entre os entusiastas do fitness e culturismo de que os estrogénios são por si prejudiciais para uma composição corporal óptima no homem. Muitos atletas focam-se em estratégias para reduzir os seus níveis ao mínimo possível para aquele aspecto "hard" que ambicionam. Embora lhes sejam conhecidas de facto propriedades de retenção hídrica, os estrogénios não o fazem necessariamente engordar, e mais do que isso, potenciam grandemente o processo de hipertrofia. Com este artigo quero apenas revelar o outro aspecto desta hormona tal mal compreendida entre os atletas masculinos.
Uma baixa relação testosterona/estrogénios, com níveis de estrogénios demasiado altos para a testosterona, o ambiente hormonal não é de facto favorável. Mas quando falamos num rácio, estamos a falar de uma relação e não de valores absolutos. Os estrogénios podem de facto inibir fortemente a produção de LH, e desta forma reduzir os níveis de testosterona. Eles elevam também a SHBG, diminuindo a testosterona livre com acção biológica. Mas daí a assumir que os estrogénios são prejudiciais vai uma longa distância. Eles são precisos para maximizar os ganhos, mas na "dose" certa.
Os estrogénios desempenham várias funções no músculo e noutros tecidos. São importantes antioxidantes, estabilizam as membranas celulares, e sensibilizam à acção da insulina, aumentando a expressão e translocação dos GLUT4, transportadores de glicose, para célula. Além disso, os estrogénios parecem desempenhar uma função importante na função e biogénese mitocondrial, aumentando a expressão do PGC-1a e PGC-1b. Estes coactivadores não só estimulam a formação de novas mitocondrias, como também promovem a oxidação de ácidos gordos como substrato energético. No fundo, aumentam a capacidade oxidativa do músculo esquelético. Se queremos que o músculo hipertrofie de forma eficaz, a função e capacidade oxidativa das mitocondrias tem de acompanhar, e os estrogénios parecem desempenhar uma importante função a esse nível.
A ideia de que os estrogénios nos homens fazem engordar é um mito. Água não é gordura. Existe de facto uma correlação entre os níveis de estrogénios e a % de massa gorda, mas isso não significa que seja necessariamente neste sentido. Na verdade, os adipócitos são locais de produção de estrogénios através da aromatização da testosterona. Expressam muita aromatase, a enzima responsável por essa conversão. Portanto, temos muitos estrogénios porque somos gordos, e não somos gordos porque temos muitos estrogénios. Este aumento desmesurado é que pode reduzir os níveis de testosterona, pelos mecanismos que mencionei acima, e desfavorecer o ambiente anabólico que permite optimizar a composição corporal. Não são os estrogénios que estão altos, a relação estrogénios/testosterona que está longe da ideal. Um homem "gordo" pode beneficiar de uma redução dos níveis de estrogénios, porque os poderá ter demasiado elevados, o que não é necessariamente verdade para alguém com níveis de gordura controlados. E na verdade, animais KO da aromatase [link] ou do receptor de estrogénios [link] apresentam mais adipócitos e de maior volume, o que pode até indiciar um efeito protector da obesidade. Nas mulheres é algo semelhante. Apesar da acção regional dos estrogénios, o rácio estrogénios/progesterona é o factor determinante na composição corporal. Lá irei num outro artigo sobre predominância estrogénica.
Mas na minha modesta opinião, o efeito anabólico dos estrogénios é sobretudo evidenciado pela sua acção sobre as células satélite. As células satélite são percursores de miócitos, células musculares. Quando estimuladas, elas proliferam, diferenciam-se em miócitos e fundem-se com as fibras musculares. Desta forma contribuem com as suas próprias fibras contrácteis e núcleo, aumentando o volume e capacidade de gerar força da célula, bem como contribuindo para a regeneração do músculo danificado pelo treino. Tidus e colaboradores [link] contaram o número de células satélite antes e após exercício em ratinhos implantados com um pellet de estrogénios ou placebo.
Como pode observar no gráfico acima, o número de células satélite é claramente superior no grupo com estrogénios, especialmente para o Soleus. Este músculo é caracterizado por um grande número de fibras oxidativas, tipo I e IIa, e são estas as que apresentam maior capacidade de hipertrofia. Resumindo, os estrogénios parecem ter um papel fulcral na proliferação das células satélite, essenciais para o processo de hipertrofia e regeneração do músculo após esforço.
O papel dos estrogénios é evidenciado em estudos com SERMs (Selective Estrogen Receptor Modulators) - tamoxifeno. Estes compostos ligam-se aos receptores de estrogénios mas, ao contrário da hormona natural, não activam a sinalização ou transcrição. Ou seja, bloqueiam a acção dos estrogénios porque os receptores ficam ocupados. A administração de 2 mg/Kg de tamoxifeno a ratinhos parece reduzir significativamente o número de células satélite [link]. Uma dose que parece alta, mas tendo em conta as diferenças no metabolismo e superfície corporal entre o Homem e o modelo estudado, a dose equivalente para humanos seria cerca de 10-12 vezes menor.
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Os estrogénios também são importantes para gerar força de contracção, promovendo a ligação forte da miosina à actina [link]. Promovem a recuperação muscular, fenómeno evidenciado por uma redução em vários indicadores de catabolismo, tanto por meio das células satélite como pela sua acção imunomodeladora. Alguns estudos demonstram uma redução da infiltração de células imunitárias, nomeadamente neutrófilos [link]. Estas células, embora importantes no processo de regeneração muscular em resposta ao dano, podem amplificar a proteólise e degradação de miócitos intactos quando em excesso nos tecidos.
A mensagem é simples. Se o objectivo é ganhar massa muscular, os estrogénios não são o inimigo. Pelo contrário, eles podem ajudar no processo. A utilização de SERMs e especialmente inibidores de aromatase (AIs) tornou-se comum entre os utilizadores de esteróides anabolizantes como forma de obter ganhos mais limpos e reduzir o bloat provocado por algumas drogas aromatizáveis. Por alguma razão, estas drogas também são as que induzem mais ganhos, e não é apenas água como muitas vezes se pensa. Ao inibir drasticamente os estrogénios, muitas vezes até 95% com alguns AIs mais potentes (letrozole) ou em doses mais altas, pode-se comprometer o ganho de músculo em troca de um look mais hard e menos bloated durante o ciclo. Embora possa fazer sentido em fases de cutting, é contraproducente quando o objectivo é por uns Kg de músculo em cima, a não ser em indivíduos propensos a ginecomastia ou quando as doses de esteróides são de facto muito altas. Não com 250 mg de testosterona enantato por semana!
Portanto, dizer que os estrogénios são prejudiciais para hipertrofia é um erro. Prejudicial é uma relação testosterona/estrogénios desfavorável, não os seus níveis absolutos. É bem pior tê-los demasiado baixos, tendo em conta os seus efeitos protectores em condições fisiológicas normais e balanceados com a testosterona. O problema é que a administração de hormonas aromatizáveis não é uma condição fisiológica normal, e a linha que separa o bom do mau é ténue. Falei dos anabolizantes como exemplo paradigmático da função dos estrogénios, mas o objectivo deste artigo é apenas desmistificar um pouco a sua acção e importância no processo de hipertrofia. Eles não são o inimigo, mas um importante aliado quando tudo o resto está no ponto onde devia estar.
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