Saúde
Qual o custo, para os demais, de uns meses de vida a mais?
Não são noticias e posturas agradáveis para nós idosos e cancerosos. Não obstante, tenho que divulgá-las e temos que pensar a respeito.
Peter Bach, do Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, em Nova Iorque acaba de revelar que entre 1990 e 2008 os custos de tratar os cânceres aumentaram de 27 para 90 bilhões de dólares. É um crescimento insustentável. Isso, nos Estados Unidos.
O que o provocou? Mudanças nos tratamentos, em boa parte. Novas técnicas e novos medicamentos são caros. As patentes exclusivas, enquanto duram, garantem um mercado cativo para os fabricantes, que calculam quanto podem cobrar a partir da maximização dos lucros e não dos benefícios e das curas. Esses novos medicamentos, novas técnicas cirúrgicas, inclusive as robóticas, novas técnicas de radiação, aumentaram muito os custos e aumentaram algo, talvez não tanto, os benefícios e as chances de cura.
Em alguns casos, aumentou o número e tipo de pacientes que poderiam ser beneficiados. Pacientes idosos e enfraquecidos que não poderiam suportar algumas das técnicas e medicamentos mais antigos foram os principais beneficiados. As cirurgias ficaram mais exatas, menos radicais; as radioterapias ficaram mais bem guiadas, atingindo mais tumores e menos áreas vizinhas. O mesmo vale para a químio: alguns usos ficaram mais toleráveis e outras drogas que reduzem os efeitos colaterais possibilitaram o tratamento quimioterápico a pacientes antes excluídos. Por exemplo: entre 1991 e 2002, a proporção das pacientes com câncer de mama que usavam químio dobrou, assim como o custo de (e/ou para) cada paciente, atingindo perto de 12 mil dólares.
O envelhecimento da população (e o crescimento das custosas doenças degenerativas) faz com que os países gastem mais e mais com a saúde dos idosos. Em muitos países, parte dos custos é distribuída pelo tempo e de forma privada, através de seguros de saúde de longo prazo, muitos deles institucionais - parcial ou totalmente mantidos por empresas.
No Brasil, a Constituição determinou que a saúde é direito do cidadão e obrigação do estado. Sem limitações. Através de ações judiciais, o acesso a tratamentos caríssimos, de ponta, é obtido e pago pelo estado. Mas, quem realmente recebe o benefício? Quem pode pagar um advogado. E quem, realmente, paga por isso? Os que não têm acesso a advogados. Os pobres. Os excluídos, que ficam mais excluídos. O cacoete estatista do legislador brasileiro esqueceu de que alguém tem que pagar a conta. E o que observamos foi uma mudança na composição dos gastos na saúde, com os tratamentos extremos, cada vez mais caros e pesados, ocupando uma fatia cada vez maior, e o tratamento de “doenças de pobre” e a prevenção perdendo espaço. Os gastos derivados de ações judiciais somente com a aquisição de medicamentos estão explodindo: em 2005 foram R$ 2,5 milhões, em 2006 quase triplicaram, para R$ 7 milhões, dobrando em 2007, para R$ 15 milhões. Em 2008, somente de Janeiro a Julho, foram R$ 48 milhões, dezenove vezes mais do que em todo o ano de 2005.
Porém, os mais prejudicados são os estados, alguns dos quais gastam perto de dez por cento do orçamento com ações judiciais. São Paulo gasta cerca de 32 milhões de reais mensalmente com essa rubrica, e o Rio Grande do Sul cerca de sete milhões. Boa parte desses gastos se refere a medicamentos ou procedimentos que não são parte dos normalmente oferecidos pelo SUS; no caso de cânceres são tratamentos recém lançados no mercado, vários dos quais não são curativos e somente aumentam a sobrevivência, usualmente por pouco tempo. Evidentemente, esse recurso judicial tem um forte viés de classe, pois poucos são os pobres que têm conhecimento da sua existência e, por definição, nenhum tem como pagar um advogado do próprio bolso.
Para garantir alguns meses a mais de vida para nós, cancerosos, sacrificamos vários anos de vida de populações mais jovens e mais pobres, que deveriam ser as principais beneficiadas pela saúde pública num sistema preocupado com a justiça social. Muitos dos que usam os tratamentos caros poderiam pagar o custo, em parte ou no todo, do próprio bolso.
Não é justo.
Escrito por Gláucio Soares
Publicado no Correio Braziliense
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