Na Grã-Bretanha, existe uma instituição, a National Institute for Health and Care Excellence (Nice), que faz uma análise de custo-benefício para decidir se financia ou não alguns medicamentos. A Grã-Bretanha, como diferente do Brasil, não aceita a obrigação de pagar por qualquer medicamento ou tratamento. No Brasil, há um dispositivo constitucional que afirma que a saúde é dever do Estado e direito do cidadão. Assim: simples, taxativo e pronto! O resultado, em muitos casos, é um gasto desmesurado para garantir um pouquinho a mais de vida de quem já viveu muitas décadas, no meio de um sistema de saúde falido, com hospitais sem médicos, sem medicamentos, sem equipamentos e até sem leitos. Uma contradição. Eu sou um daqueles que, pela idade e pela condição (câncer avançado) tenho direito legal a pleitear que o governo financie medicamentos e tratamentos caríssimos que ampliarão um pouco a minha vida. Ampliação pequena, de meses, com sorte poucos anos, jamais décadas. A um custo bárbaro. Felizmente fiz um seguro com a BC&BS há muito tempo que paga a maior parte do custo dos tratamentos que faço, ao custo atual para o meu bolso de mil dólares mensais.
A Grã-Bretanha está enfrentando esse dilema. Gastar mais com os idosos, ou não. Reclamam que a Escócia aprovou o uso da enzalutamida e a Grã-Bretanha não. A enzalutamida, cujo nome na farmácia é Xtandi, custa, mensalmente, duas mil e quinhentas libras, um pouco menos de dez mil reais a preços ingleses. Só Deus sabe quanto seria aqui.
E os benefícios? Xtandi aumenta a sobrevivência, na média, em quase cinco meses. Vale a pena?
Na minha opinião isso depende de quantos benefícios sociais seriam sacrificados para que eu vivesse mais cinco meses. Ou seja, o mesmo cálculo de custo/benefício não se aplica ao Brasil e à Grã-Bretanha. Vejamos os dados do analfabetismo e voltemos à racionalidade no Brasil. Em 2013, a taxa de analfabetismo na Grã-Bretanha era de 4,5 por cem mil; a taxa do Brasil equivalia a 441%. Era de 20 por cem mil, pouco acima da de El Salvador (19), claramente acima das da Jamaica e da Líbia (14 e 12, respectivamente) e muito acima da de Costa Rica e do Chile (9 e 7). Um país que abandonou e abandona a educação.
No Brasil, o trade-off é ainda pior. Não pagamos os cinco meses de sobrevida da população idosa em geral com melhorias na educação e na saúde da população, em geral, de todas as idades. Pagamos a sobrevida dos idosos de classe média e alta com os sacrifícios dos pobres.
Por quê? Os pobres não têm os mesmos direitos?
Têm. No papel. Mas o acesso a bons advogados é essencial para a obtenção do benefício. Cada caso tem que ser litigado. E, no Brasil, pobres, particularmente crianças pobres, de fato não têm acesso a defensores públicos, por ignorância, distância social, ou entraves burocráticos, menos ainda a advogados bons e caros. Essa disposição constitucional multiplica a desigualdade no país.
Não há resposta fácil.
Gláucio Soares IESP-UERJ