Betacaroteno sem limites
Saúde

Betacaroteno sem limites



Por Nathalia Hammes

Suplementos vitamínicos são muito utilizados com a desculpa de falta de tempo para uma alimentação balanceada. Entre eles, estão as cápsulas de betacaroteno, vendidas em farmácias e lojas de produtos naturais. O betacaroteno é precursor de vitamina A e pode ser encontrado em frutas e vegetais amarelos-alaranjados e vegetais com folhas verdes escuras. Tem propriedades antioxidantes e é muito utilizado com a promessa de ser eficaz no bronzeamento.
A Natural Wealth disponibiliza cápsulas com 15 mg de betacaroteno para serem consumidas uma vez ao dia. Mas segundo o próprio rótulo isso corresponde a 1250 % da ingestão diária recomendada, mais de 10 vezes o necessário! Qual a justificativa para esse excesso? Mesmo que o produto seja considerado “seguro” pelo fabricante, uma quantidade abusiva de betacaroteno não traz riscos ao organismo? Uma alimentação correta não seria o suficiente para prover a necessidade dessa pró-vitamina?


A Natural Wealth produz cápsulas gelatinosas moles com 25000 UI de betacaroteno em cada cápsula, que corresponde a 15 mg do mesmo (1 mg = 1667 UI, para o betacaroteno). No rótulo consta a informação de que essa quantidade de betacaroteno corresponde a 1250 % da ingestão diária recomendada.

O veículo do produto é composto por óleo de soja, gelatina, glicerol, cera de abelha amarela e lecitina de soja. O fabricante informa que o betacaroteno é uma pró-vitamina A, que estimula o sistema imune e é antioxidante. A ingestão diária recomendada para adultos é de 1 cápsula por dia, sendo que o frasco comercializado contém 100 cápsulas.

A propaganda do produto em sites de produtos naturais também informa que o betacaroteno é uma forma segura de suplementação de vitamina A, que é eficaz no bronzeamento e que gestantes e crianças devem procurar orientação de nutricionista ou médico para consumir esse produto.


O betacaroteno, presente em certas frutas e vegetais como cenoura, abóbora e mamão, é o principal carotenóide precursor de vitamina A. No organismo, ele é convertido em vitamina A por reações enzimáticas, conforme a necessidade. O fígado é o responsável pela detecção dos níveis de vitamina A e são as suas enzimas que catalisam essa reação, assim como enzimas específicas presente no intestino delgado, que clivam o betacaroteno.

A deficiência de vitamina A pode causar cegueira noturna, ressecamento da pele e dificultar o crescimento; essa vitamina também tem a capacidade de auxiliar na formação da melanina, que protege a pele dos raios ultravioletas e confere o bronzeamento. O excesso de vitamina A (hipervitaminose A) é tóxico ao organismo, podendo causar náuseas, tonturas, dores de cabeça e até lesões hepáticas.

O betacaroteno é chamado de uma fonte “segura” de vitamina A, pois quando os níveis da vitamina no sangue atingem o máximo, o fígado detecta e diminui a conversão. O excesso de betacaroteno não possui tantos efeitos adversos quanto o de vitamina A. O principal sintoma é o aparecimento de uma cor amarelada na pele, devido ao acúmulo do betacaroteno, sendo que essa coloração desaparece com a diminuição ou interrupção do uso. Também já foram feitos estudos (AHMED, 1994) que demonstram que o uso excessivo de betacaroteno em etilistas pode potencializar os riscos de lesões hepáticas causadas pelo etanol, já que esses dois componentes juntos podem sobrecarregar o fígado. Em tabagistas esse excesso pode aumentar a incidência de câncer de pulmão, embora esse mecanismo ainda não tenha sido bem elucidado.

Apesar de muitas vezes ser visto apenas como um precursor da vitamina A, novos estudos demonstram que o betacaroteno em si tem propriedades de capturar radicais livres (propriedade antioxidante) e seu uso diminui a incidência de câncer.


Na Legislação Brasileira é possível observar como os efeitos do betacaroteno são desconsiderados. A Portaria nº 33, de 13 de janeiro de 1998 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) trata da Ingestão Diária Recomendada (IDR) de proteínas, vitaminas e minerais. Nela está presente o valor de 800 mcg RE (micrograma de retinol equivalente) para a IDR de vitamina A (para adultos) apenas com uma nota de rodapé indicando que 1 UI (unidade internacional) corresponde a 0,3 mcg de retinol ou 1,8 mcg de betacaroteno.

Mesmo que o betacaroteno praticamente não promova efeitos adversos, seus efeitos benéficos já são comprovados e sua IDR deveria fazer parte dessa lista.

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) possui uma Tabela de Composição Nutricional de Hortaliças constando as principais vitaminas e minerais. Novamente, apenas o teor de vitamina A está presente e ao betacaroteno só é delegado seu valor correspondente a essa vitamina (0,6 mcg de betcaroteno = 1 UI de vitamina A).


A partir desses dados é possível calcular a IDR do betacaroteno: se 0,3 mcg de vitamina A correspondem a 1,8 mcg de betacaroteno, 800 mcg do primeiro equivalem a 4800 mcg da provitamina. Assim, é possível concluir que a IDR de betacaroteno equivale a 4,8 mg por dia, sendo que esse valor corresponde a 8000 UI (1 mg = 1667 UI).

Mesmo que as cápsulas de betacaroteno sejam importadas dos EUA, a informação de que 25000 UI equivalem a 1250 % da necessidade diária está equivocada. Se fosse assim, a necessidade diária de betacaroteno seria de 1,2 mg, muito abaixo do recomendado, já que eles adotam o mesmo valor de IDR para vitamina A que o Brasil. Na verdade, esse produto apresenta 312,5 % da necessidade diária recomendada. Pesquisas americanas sobre o assunto alegam que a população estadunidense consome cerca de 1,5 mg de betacaroteno por dia, valor abaixo do necessário. US National Câncer Institute (NCI) e US Department of Agriculture (USDA) são órgãos que tem recomendado o consumo de alimentos ricos em betacaroteno.

Outros estudos (DIMITROV, 2011) indicam que apenas o consumo diário de mais de 30 mg de betacaroteno pode provocar o aparecimento da cor amarelada na pele. Por esse ponto, as cápsulas de 15 mg não provocariam nenhum tipo de reação. Mas esse suplemento é realmente necessário? Como um exemplo, a cenoura é um dos vegetais mais ricos em carotenóides: cada 100 g contém cerca de 6 mg de betacaroteno. Observando somente por esse aspecto, 100 g de cenoura por dia seriam suficientes, não? Não. Estudos já comprovaram que a biodisponibilidade do betacaroteno é bastante variável (DIMITROV, 2011). Apenas 5 % do betacaroteno presente em alimentos é absorvido, enquanto em suplementos alimentares até 70 % dessa pró-vitamina pode ser absorvida (betacaroteno sintético). Desse modo, seriam necessários 2 kg de canoura por dia para atingir a IDR! A absorção do betacaroteno também é influenciada pelo cozimento do alimento e aumenta se ele for ingerido com alimentos ricos em lipídios, já que ele é lipossolúvel.


A quantidade de 15 mg de betacaroteno por dia está acima do recomendado (312,5 %), mas pode ser justificada pela absorção errante. Visto que não foram demonstrados efeitos tóxicos para esse antioxidante, teoricamente essa quantidade pode ser consumida sem problemas. É curioso observar que a Natural Wealth produz cápsulas de betacaroteno de até 40 mg, o que poderia provocar o indesejável efeito da pele amarelada, que é ainda menos querido por quem usa esse produto para obter um bronzeado mais rapidamente. Não é possível entender qual o objetivo desse excesso, se é causado por desconhecimento ou má fé, já que um frasco custa entre 40 a 70 reais. Um preço alto a se pagar por um bronzeado perfeito. Parece mais um desperdício de dinheiro, considerando que boa parte do excesso é eliminada sem ser absorvida.

Por mais que o produto seja dito “seguro”, vale ressaltar que ele deveria vir com as contra-indicações para fumantes e pessoas que consomem muito álcool. Pessoas que fazem uso de betacaroteno e estão passando por sessões de bronzeamento artificial não devem se expor ao sol, correndo riscos de queimaduras solares. Mulheres grávidas, crianças e lactentes também não devem usar esse produto indiscriminadamente porque possuem necessidades diferentes das dos adultos. Enquanto grávidas e lactentes precisam de uma quantidade maior, crianças necessitam de uma quantidade menor de betacaroteno (em relação aos adultos).

Considerando a quantidade de betacaroteno que pode ser absorvida pela alimentação ou suplementos vitamínicos e também observando a realidade do cotidiano das pessoas, pode ser mais indicado o consumo desses suplementos para obter a necessidade diária dessa pró-vitamina, desde que não seja em excesso e sob a orientação de um médico ou nutricionista. Mas a preferência ainda deve ser dada a uma alimentação mais balanceada possível, contendo todos os nutrientes necessários para o dia.

A Legislação Brasileira deveria preconizar a IDR de betacaroteno e não apenas de vitamina A, pois já foram comprovados os efeitos benéficos do betacaroteno e observada sua importância na alimentação.


- Referências bibliográficas

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AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Portaria nº 33, de 13 de janeiro de 1998. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/legis/portarias/33_98.htm. Acesso em: 13 de dez. 2011

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