Insónias e sintomas depressivos em dietas low-carb: a hipótese do triptofano
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Insónias e sintomas depressivos em dietas low-carb: a hipótese do triptofano



Os sintomas de que as pessoas mais se queixam quando iniciam um regime low-carb e hiperproteico são o mau humor, sintomas depressivos, fadiga, dificuldade de concentração e, especialmente perturbações no sono. Todos estes aspectos são controlados pela serotonina, uma neurohormona sintetizada a partir do triptofano (TRP). Seria lógico pensar que numa dieta abundante em proteína a síntese de serotonina aumentasse, ou pelo menos não diminuísse, devido ao aporte acrescido de triptofano na dieta. Mas na verdade acontece precisamente o inverso.


A disponibilidade do triptofano para o cérebro depende da sua concentração relativa a outros aminoácidos neutros, TRP:AA. Estes competem com o triptofano por mecanismos de transporte comuns na barreira hematoencefálica. O triptofano é o aminoácido menos abundante nas proteínas e, consequentemente, uma refeição rica em proteína vai baixar o TRP:AA. A síntese de serotonina é severamente comprometida nestas condições.

Após uma refeição rica em hidratos de carbono, especialmente se tiverem um elevado índice glicémico, os níveis de insulina aumentam consideravelmente e os nutrientes em circulação (aminoácidos e glicose) são transportados para os tecidos. Mas há um que escapa à acção da insulina: o triptofano. Este circula no sangue ligado à albumina e a insulina não afecta a sua quantidade absoluta. No entanto, os restantes aminoácidos são absorvidos pelos tecidos periféricos e a sua concentração desce de forma drástica. Em consequência, o rácio TRP:AA aumenta consideravelmente e a produção de serotonina é estimulada.

Este mecanismo explica também o desejo por açúcares, doces e junk food em estados depressivos caracterizados pela depleção de serotonina. Após um pulso acentuado de insulina, os níveis relativos de triptofano aumentam momentaneamente e produz-se serotonina no cérebro, o que induz uma sensação de bem-estar temporária. Não se trata de um capricho, mas de uma necessidade orgânica. Os vegetarianos sofrem particularmente destes desejos impulsivos já que os produtos vegetais têm muito pouco triptofano.

Algo muito semelhante se passa quando iniciamos um regime low-carb, muitas vezes acompanhado por um aumento considerável no consumo de proteína. O rácio TRP:AA diminui (os aminoácidos neutros estão presentes numa quantidade bem superior) e limita a síntese de serotonina. Instala-se um ambiente propício a sintomas depressivos e mau humor, bem como uma ânsia por açúcares a que muitos não conseguem resistir.

Mas as insónias são muito provavelmente o sintoma mais relatado. A longo prazo podem ser um problema sério e muito limitativo. Meses a fio sem descanso adequado é um factor de risco para várias doenças metabólicas, para além de um cansaço permanente que afecta com severidade o dia-a-dia e qualidade de vida. O sono é também regulado pela serotonina e, como tal, uma baixa concentração relativa de triptofano vai afectar a qualidade do sono e o próprio adormecer. Quando os baixos níveis de insulina, típicos dos regimes low-carb, se aliam a um elevado consumo de proteína (lembre-se que o triptofano é o aminoácido presente em menor quantidade), a produção de serotonina é limitada e compromete o descanso nocturno.

Infelizmente não há muito que se possa fazer sem medicação, mas com o tempo parece que os sintomas são atenuados naturalmente (naqueles que os experimentam). Talvez haja algum mecanismo adaptativo compensatório. De qualquer forma, convém lembrar que alguns aminoácidos estimulam a produção de insulina, mas que ao mesmo tempo estão relacionados com a resistência à insulina por activação a jusante do mTOR. A hiperaminoacidémia é comum em insulino-resistentes obesos e foi recentemente considerado um factor de risco para o desenvolvimento futuro de diabetes.

Mas uma estratégia eficaz para combater as insónias é fazer precisamente o contrário do que é habitual: comer os hidratos de carbono ao jantar. Uma refeição com uma carga glicémica elevada 4h antes de deitar parece ser eficaz na melhoria da qualidade do sono. Como já foi aqui falado, esta é provavelmente a melhor altura para os consumir quando os restringimos durante o resto do dia. Comer hidratos de carbono à noite não engorda. É mais um de muitos mitos criados quando a disciplina da nutrição se afastou da ciência para se tornar uma religião, baseada em fé e crenças, mas não em factos.



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