Saúde
As dietas cetogénicas podem reverter a disfunção renal associada à diabetes
Acordei hoje com uma notícia no correio que dava conta de que uma dieta low-carb pode reverter a disfunção renal que geralmente acompanha a diabetes. Investigadores da escola de medicina Mount Sinai verificaram pela primeira vez que uma dieta cetogénica restaura a funcionalidade dos rins a curto-prazo e modela uma série de genes envolvidos na nefropatia diabética.
Embora a terapia com insulina ou anti-diabéticos e a moderação do teor proteico da dieta sejam estratégias úteis para atrasar o desenvolvimento da nefropatia em diabéticos, não existem indícios de que estas ou outras intervenções revertam a doença. As complicações da diabetes são geralmente resultado de um efeito progressivo e comutativo do metabolismo da glicose que define um padrão biestável de expressão génica. Examinando os mecanismos básicos que integram as respostas moleculares à glicose, a equipa tinha já observado anteriormente que a cetona ácido 3-beta-hidroxibutírico (3-HB) bloqueava o efeito da glicose no hipotálamo. A análise dos efeitos das dietas cetogénicas na expressão génica é consistente com a hipótese de que a cetose direciona o metabolismo da utilização de glicose para combustíveis alternativos, um processo mediado pela modelação de determinados genes.
A equipa do Dr. Mobbs utilizou ratos C57Bl/6J selvagens e modelos de diabetes tipo I e II com 20 semanas de idade. Após confirmação de disfunção renal, os animais foram designados a uma intervenção cetogénica de 8 semanas (5 % CHO, 8 % proteína, 87 % gordura) ou continuaram com a sua ração normal (64 % CHO, 23 % proteína, 11 % gordura).
Em contraste com estudos precedentes em que o controlo da glicémia preveniu, mas não reverteu, a nefropatia em modelos diabéticos, este ensaio mostrou uma regeneração da função renal. Esta reversão foi associada ao restauro da expressão génica induzida por stress oxidativo. No entanto, as evidências hispotatológicas foram apenas parcialmente revertidas, sugerindo que os aspectos funcionais e moleculares regeneram mais rapidamente do que os aspectos morfológicos da nefropatia.
Entre os genes estudados, a indução mais robusta na doença foi de p21, um fenómeno já anteriormente relatado. Sendo uma proteína que actua atenuando o stress, é provável que esta indução se deva apenas ao processo patológico em si. No entanto, Nox1, Nox4, Txnip e Duox1 também verificaram um aumento significativo na diabetes. Estes genes contribuem reconhecidamente para o stress oxidativo e a sua inibição pela dieta cetogénica justifica o seu efeito restaurador. Da mesma forma, Casp-8 foi inibido pela dieta cetogénica nos ratos diabéticos, uma proteína cuja menor actividade se correlaciona com uma progressão atenuada da nefropatia. Mais evidente ainda é o efeito na expressão da nefrina, podocina e ZO-1 que reflecte o restauro da função renal.
Os resultados obtidos apontam para que este efeito regenerativo possa ser mediado por uma redução no metabolismo da glicose. Os autores sugerem que a cetose reverte a disfunção renal através do aumento dos níveis de 3-HB, que reduz subsequentemente o metabolismo da glicose em alguns tecidos, nomeadamente nos rins.
Este estudo estabelece apenas uma prova de princípio de que as patologias renais relacionadas com a diabetes podem ser revertidas com uma simples manipulação da dieta. Torna-se plausível que uma intervenção breve e pontual com uma dieta cetogénica possa restaurar a expressão génica e o processo deletério de uma forma persistente. Além disso, se o mecanismo através do qual a dieta exerce o seu efeito benéfico for a elevação de 3-HB, é possível que uma terapia farmacológica possa reproduzir estes resultados e seja suficiente para reverter a neuropatia diabética, inclusive a suplementação alimentar.
É ainda prematuro extrapolar estes resultados para o tratamento da doença em humanos mas fica patente uma possível intervenção alternativa às limitadas opções que existem actualmente. Não seria intelectualmente honesto da minha parte ignorar o facto de a intervenção cetogénica reduzir bastante o consumo de proteína. Embora não haja qualquer evidência de que a proteína dietética promova nefropatia, o que aliás já foi aqui discutido, sabe-se que a redução no seu consumo ajuda a controlar a doença quando esta já está estabelecida. De qualquer forma, o potencial efeito benéfico destas dietas não fica comprometido e seria interessante passar a um modelo humano e estudar a viabilidade deste tipo de intervenção, bem menos invasivo do que qualquer terapia química comum.
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