Jejum intermitente — Parte 2
Saúde

Jejum intermitente — Parte 2





Como discutido na primeira parte desse post, o jejum intermitente é uma estratégia nutricional normalmente direcionada para a perda de peso, a qual, entretanto, possui diversos outros potenciais benefícios à saúde.

Nessa segunda parte serão abordadas algumas dúvidas frequentes em relação ao jejum intermitente.


Atividade física x Jejum

Esse é um tópico extenso e, ainda, com poucas evidências que podem ser refletidas em recomendações. Em linhas gerais, a princípio não vale a pena realizar exercícios aeróbios em jejum com o objetivo de “queima de gordura”, tendo em vista que os estudos que temos disponíveis não sugerem que tal prática seria mais efetiva na perda de gordura corporal do que se exercitar após uma refeição [1].

Alguns dados da literatura científica sugerem que a realização de exercícios num contexto de dieta cetogênica pode gerar adaptações benéficas no desempenho, especialmente em atividades aeróbios [1,2]. Sabe-se também que o jejum intermitente, desde que realizado de forma  respeitando-se o planejamento de treinamento, a ingestão adequada de calorias e nutrientes, descanso, hidratação etc. , parece não afetar a performance em atletas e praticantes de atividade física, salvo algumas exceções [3,4,5,6]. Assim, como a ingestão de uma dieta cetogênica, devido à sua composição nutricional reduzida em carboidratos, leva o organismo a um estado fisiológico semelhante ao do jejum  com redução na concentração sanguínea de insulina e aumento na utilização de gorduras e corpos cetônicos como fonte de energia , é possível que o exercício realizado em jejum possa trazer adaptações metabólicas semelhantes que favoreçam o desempenho, principalmente em atividades aeróbias de longa duração. Vale ressaltar que tais adaptações, caso ocorram, certamente serão dependentes da correta adequação do indivíduo ao seu treinamento e à dieta  os quais, ambos, poderão potencialmente levar à utilização mais eficiente tanto de carboidratos como de gorduras para a produção de energia durante o exercício [1]; nesse caso, tanto a ingestão de calorias, como a composição da dieta, seriam fundamentais no processo.

Entretanto, para quem não está preocupado apenas com desempenho (quem não é atleta) não precisa se preocupar em fazer exercício em jejum. Realize sua atividade física com segurança e, de preferência, após uma refeição adequada. Além disso, enquanto não estiver no momento de jejum, a atividade física pode, a princípio, acontecer de forma normal para qualquer indivíduo apto a praticá-la.


Adoçantes x Jejum

Durante o período em que o indivíduo está realizando o jejum intermitente, o consumo de alguns alimentos sem calorias, como chás e café, normalmente é permitido. Isso acontece justamente porque tais alimentos não fornecem, ao corpo, nutrientes capazes de gerar energia  não alterando o estado metabólico proporcionado pelo jejum.

Entretanto, surge a dúvida: “Enquanto eu estiver em jejum, posso consumir adoçantes não calóricos junto ao chá ou café?”. A resposta a essa pergunta não é muito simples porque as evidências científicas que temos ainda são inconclusivas ou escassas.

A maior parte dos adoçantes artificiais não calóricos (aspartame, sacarina, acesulfame-K, ciclamato, sucralose) são capazes de estimular a secreção de insulina pelo pâncreas, embora a liberação de insulina não seja de grande magnitude [7,8,9]. O stévia, que é um adoçante natural, também estimula a secreção de insulina ao ser ingerido [10].

Devido ao fato de que boa parte dos benefícios provenientes do jejum intermitente provavelmente é decorrente dos reduzidos níveis de insulina circulante, aumentar a concentração desse hormônio no sangue pode, potencialmente, significar que parte desses benefícios não será obtida.

Porém, até onde sei, ainda não existem estudos que testaram diretamente a hipótese de que o leve aumento na secreção de insulina, pelo consumo de adoçantes (artificiais ou não), poderia “atrapalhar” os benefícios proporcionados pelo jejum intermitente.

Testar de forma individual pode sempre ser uma alternativa para descobrir se, pelo menos em você, determinada estratégia funciona ou não. De qualquer maneira, se acostumar com o sabor natural do café ou dos chás é, na verdade, uma opção ainda melhor, principalmente porque o consumo de aditivos artificiais  como a maior parte dos adoçantes  sempre terá o risco de ser prejudicial à saúde no médio ou longo prazo.


Gorduras (óleo de coco, manteiga etc.) x Jejum

É muito comum, principalmente na comunidade Paleo, que os praticantes do jejum intermitente consumam, durante o período de jejum propriamente dito, café ou chás adicionados de um ou mais dos seguintes itens: creme de leite, óleo de coco e manteiga. 

A lógica para isso é que, como o estado metabólico do jejum já favorece a mobilização e utilização de gorduras com fonte de energia, a ingestão de alimentos que essencialmente fornecem apenas esse nutriente não reduziria os potenciais benefícios provenientes do jejum intermitente. E esse pensamento faz sentido do ponto de vista bioquímico.

Não existem estudos que testaram diretamente o efeito da ingestão de bebidas (café ou chá), adicionadas de uma dessas fontes de gordura, sobre o estado metabólico induzido pelo jejum intermitente. Entretanto, temos evidências de que doses orais de 40 g de gorduras  após o jejum noturno (que não necessariamente é igual ao jejum intermitente mais prolongado, mas ok)  não aumentam, por exemplo, a secreção de insulina; por outro lado, o consumo de tal quantidade de gordura parece ser capaz de inibir a lipólise (mobilização de gordura) do tecido adiposo [11]  o que faz todo sentido, porque o corpo, uma vez que passou a receber substrato energético da alimentação, pode reduzir a utilização dos próprios estoques de gordura. 

Ou seja, ao mesmo tempo em que não ocorre estímulo para o armazenamento de gordura  já que os níveis de insulina permanecem reduzidos , há uma certa redução na "queima" da própria gordura corporal. De qualquer maneira, a quantidade gordura adicionada a chás ou cafés normalmente é inferior à utilizada no estudo mencionado, o que sugere que doses menores de manteiga, óleo de coco ou creme de leite, incorporados a essas bebidas, tenham um efeito não muito pronunciado  ou seja, inibindo menos a lipólise e, assim, levando mais rapidamente o corpo a utilizar a própria gordura como fonte de energia.

Levando esses fatos em consideração, se o objetivo do jejum intermitente for principalmente auxiliar na perda de gordura corporal, o consumo de fontes de gorduras adicionais da dieta  durante o período de jejum propriamente dito  pode não ser a melhor alternativa. Caso os objetivos da prática do jejum intermitentes estejam pelo menos parcialmente dissociados da perda de peso, a ingestão de fontes adicionais de gordura pode até ser benéfica no sentido de garantir que a disponibilidade de substrato energética será "máxima", mesmo no período do jejum propriamente dito.


Massa magra x Jejum

Uma dúvida muito comum em quem ouve falar de jejum é: “Mas eu não vou perder massa muscular?”. Essa é uma preocupação válida, tendo em vista que o objetivo, quando se deseja a perda de peso, é que a redução na gordura corporal seja a maior possível, ao mesmo tempo em que a massa magra seja preservada ao máximo.

Ao analisarmos os estudos comentados no post anterior, é possível perceber que praticamente todos eles mostram que não há diferença estatística entre a massa magra inicial e a massa magra final dos participantes que permaneceram em jejum nesses estudos [12,13,14,15]. Quando ocorre diminuição na massa magra [16], essa redução é relativamente pequena, sendo inclusive inferior (ou, no máximo, igual) à perda de massa magra observada em praticamente qualquer outro tipo convencional de estratégia ou dieta para perda de peso.

Além disso, vale ressaltar que os estudos normalmente avaliam a massa magra como um todo, e não diretamente apenas a massa muscular. A massa magra equivale à soma dos pesos de todos os tecidos que não são gordura. Levando em conta que o jejum, assim como dietas com redução de carboidratos, pode facilmente levar a uma considerável redução nos níveis de glicogênio e, consequentemente, de água  uma vez que o glicogênio é armazenado nos músculos e no fígado ligado a moléculas de água , boa parte da perda de massa magra observada nesses estudos pode ser devido à perda de água, e não necessariamente a uma redução da massa muscular propriamente dita.


Outras considerações sobre o jejum intermitente

Como comentado anteriormente, o jejum intermitente pode ser realizado de diversas maneiras. Não existe uma forma “certa”. O mais importante é que o indivíduo sinta-se confortável, mas jamais num estado de privação ou de “obrigação” para cumprir o período de jejum.

Além das vantagens discutidas no primeiro post sobre jejum intermitente, essa prática pode conferir ainda outros benefícios. São comuns os relatos de maior disposição e clareza mental enquanto o corpo encontra-se no estado de jejum. Vale ressaltar que, em qualquer caso, o jejum intermitente deve ser, e normalmente será  principalmente nas primeiras tentativas , uma experiência muito rica também no sentido de autoconhecimento das necessidades e exigências do próprio organismo.

Vale lembrar que, caso opte por tentar realizar o jejum intermitente, de preferência faça com o acompanhamento ou conhecimento de um profissional de saúde competente. E, além disso, ouça o que seu corpo tem a dizer.




Referências

1. Phinney SD. Ketogenic diets and physical performance. Nutr Metab (Lond). 2004 17;1(1):2.

2. Zajac A, et al. The effects of a ketogenic diet on exercise metabolism and physical performance in off-road cyclists. Nutrients. 2014;6(7):2493-508.

3. Chaouachi A, et al. Effect of Ramadan intermittent fasting on aerobic and anaerobic performance and perception of fatigue in male elite judo athletes. J Strength Cond Res. 2009;23(9):2702-9.

4. Maughan RJ, et al. The effects of fasting on metabolism and performance. Br J Sports Med. 2010;44(7):490-4.

5. Güvenç A. Effects of ramadan fasting on body composition, aerobic performance and lactate, heart rate and perceptual responses in young soccer players. J Hum Kinet. 2011;29:79-91.

6. Chaouachi A, et al. The effects of Ramadan intermittent fasting on athletic performance: recommendations for the maintenance of physical fitness. J Sports Sci. 2012;30 Suppl 1:S53-73.

7. Renwick AG, Molinary SV. Sweet-taste receptors, low-energy sweeteners, glucose absorption and insulin release. Br J Nutr. 2010;104(10):1415-20.

8. Steinert RE, et al. Effects of carbohydrate sugars and artificial sweeteners on appetite and the secretion of gastrointestinal satiety peptides. Br J Nutr. 2011;105(9):1320-8.

9. Anton SD, et al. Effects of stevia, aspartame, and sucrose on food intake, satiety, and postprandial glucose and insulin levels. Appetite. 2010;55(1):37-43.

10. Schiffman SS, Rother KI. Sucralose, a synthetic organochlorine sweetener: overview of biological issues. J Toxicol Environ Health B Crit Rev. 2013;16(7):399-451.

11. Evans K, et al. Effects of an oral and intravenous fat load on adipose tissue and forearm lipid metabolism. Am J Physiol. 1999;276(2 Pt 1):E241-8.

12. Varady KA, et al. Short-term modified alternate-day fasting: a novel dietary strategy for weight loss and cardioprotection in obese adults. Am J Clin Nutr. 2009;90(5):1138-43.

13. Klempel MC, et al. Intermittent fasting combined with calorie restriction is effective for weight loss and cardio-protection in obese women. Nutr J. 2012;11:98.

14. Klempel MC, et al. Alternate day fasting increases LDL particle size independently of dietary fat content in obese humans. Eur J Clin Nutr. 2013;67(7):783-5.

15. Varady KA, et al. Alternate day fasting for weight loss in normal weight and overweight subjects: a randomized controlled trial. Nutr J. 2013;12(1):146.

16. Heilbronn LK, et al. Alternate-day fasting in nonobese subjects: effects on body weight, body composition, and energy metabolism. Am J Clin Nutr. 2005;81(1):69-73.




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