Proteína em excesso engorda?
Saúde

Proteína em excesso engorda?





É muito comum ouvirmos por aí:

“Tudo que você come, em excesso, engorda. Até proteína em excesso engorda”.

Já foi discutido, na série sobre calorias, como a energia proveniente dos diferentes macronutrientes (carboidratos, proteínas e gorduras) pode influenciar de forma distinta aspectos como saciedade e ganho de peso ou gordura corporal. Se você ainda não leu, os links para todos os posts da série podem ser encontrados aqui.

Proteínas possuem calorias? Sim, 4 kcal/g. Assim, na teoria, o consumo “excessivo” de proteína poderia levar ao ganho de peso na forma de gordura corporal. Mas, como explicado na série sobre calorias, nosso corpo é um sistema muito complexo, e a mesma quantidade de calorias de fontes diferentes (por exemplo, 4 kcal/g dos carboidratos vs. 4 kcal/g das proteínas) normalmente terão destinos muito diferentes em nosso metabolismo.

Vamos entender na prática.

Recomendações de proteína na dieta

Atualmente, sabe-se que a necessidade de proteínas na dieta, para adultos, é de aproximadamente 0,8 a 1,0 g/kg/dia [1], ou seja, cerca de 56-70 g de proteína, por dia, para um indivíduo de 70 kg. Essa recomendação não é muito discutida, apesar de alguns pesquisadores sugerirem que o consumo proteico deveria ser ligeiramente superior, por volta de 0,9 a 1,2 g/kg/dia [2]. Essas são as quantidades indicadas para a manutenção da massa magra e das funções fisiológicas do nosso corpo  em indivíduos saudáveis e não praticantes de atividade física.

Vale ressaltar que essa quantidade leva em consideração a ingestão de proteínas de alto valor biológico, ou seja, proteínas que possuem todos os aminoácidos essenciais. E quais são as proteínas de alto valor biológico? Basicamente todas de origem animal: carnes, leite e derivados e ovos. Algumas fontes vegetais, como a soja, também possuem boas quantidades de aminoácidos essenciais, apesar de não serem tão completas como as fontes animais. Assim, dietas vegetarianas que excluem completamente alimentos de origem animal (dietas veganas), caso não sejam bem balanceadas e estruturadas, podem apresentar um desequilíbrio na ingestão de aminoácidos essenciais e, consequentemente, aumentar a necessidade relativa de proteínas na alimentação.

Indivíduos idosos, por sua vez, normalmente precisam ingerir uma quantidade maior de proteínas do que adultos mais jovens, sejam eles sedentários ou praticantes de atividade física. Isso acontece porque a perda de massa magra é um processo natural que ocorre gradualmente com o passar dos anos, aumentando a necessidade de proteína na dieta para contrapor esse desgaste de tecidos musculares e cartilaginosos, entre outros.

Para pessoas que se exercitam, as recomendações normalmente são um pouco maior, podendo variar entre 1,2 e 2,0 g/kg/dia, dependendo do tipo e da intensidade da atividade praticada [3]. Por exemplo, indivíduos que fazem musculação provavelmente precisarão de quantidades entre 1,4 e 2,0 g/kg/dia (ou mais), já que é uma atividade física intensa e que demanda a síntese de proteínas musculares devido às demandas específicas exigidas pelo tipo de atividade. Por outro lado, pessoas que fazem caminhada provavelmente terão suas necessidades supridas com até 1,2 g/kg/dia.


Mais proteína do que isso engorda?

Um estudo publicado nesse ano de 2014 avaliou essa questão, entre outras hipóteses [4].

Indivíduos que praticavam musculação foram divididos em dois grupos: controle (CON) ou elevado consumo proteico (HP). Durante as 8 semanas do estudo, ambos os grupos foram orientados a manter exatamente padrões habituais de atividade física e dieta. Porém, houve um diferencial no grupo HP: a recomendação para o consumo diário de proteína de 4,4 g/kg.

Para garantir que as recomendações foram seguidas, os pesquisadores avaliaram composição corporal, treinamento e consumo alimentar de todos os participantes, tanto no início como no final do estudo.

Naturalmente, os participantes do grupo orientado a aumentar a ingestão proteica (HP) consumiram, no total, mais calorias e mais proteína na dieta quando comparado ao grupo controle (CON):


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Em g/kg/dia, o grupo HP também consumiu mais calorias e proteínas:


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O volume de treino se manteve constante dentro de cada grupo, antes e depois do estudo, e também foi o mesmo quando a comparação foi feita entre os grupos (o grupo CON até treinou “mais”, mas não houve diferença estatística):


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E o que aconteceu com a composição corporal? Não houve qualquer diferença entre os grupos, mesmo considerando o “excesso” de proteína no grupo HP. Não, a proteína “extra” não fez ninguém engordar:


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Não houve qualquer diferença estatística, entre os grupos ou dentro do mesmo grupo (pré-intervenção x pós-intervenção). Entretanto, se pegarmos os valores absolutos para peso, massa magra e gordura corporal, observamos o seguinte:


1) Maior ganho de peso no grupo HP
2) Maior ganho de massa muscular no grupo HP
3) Maior perda de gordura no grupo HP


Ou seja, mesmo consumindo mais calorias e mais proteína, a tendência foi de maior ganho de massa magra e perda de gordura corporal no grupo HP.

Quem disse mesmo que o “excesso” de proteína engorda?


Considerações finais

As calorias não são todas iguais, e isso provavelmente é mais verdade para proteínas do que para carboidratos e gorduras. As proteínas possuem inúmeras funções em nosso organismo, e a última coisa que nosso corpo vai fazer com elas é utilizar seus aminoácidos constituintes para a produção de energia, ou seja, transformá-las em calorias. E mesmo que isso aconteça, a conversão de aminoácidos em ATP é um processo que gasta muita energia [5]. Assim, mesmo quando a proteína em “excesso” ingerida na dieta é utilizada para a produção de ATP, o próprio gasto energético para isso é consideravelmente elevado [6,7].

O grande problema é que os valores calóricas que conhecemos hoje em dia, de 4 kcal para proteínas, 4 kcal para carboidratos e 9 kcal para gorduras, foram definidos por calorimetria. Ou seja, quando queimamos 1 grama de cada um desses nutrientes obtemos esses valores de calorias que normalmente mencionamos. Entretanto, nosso corpo não funciona dessa forma. Ele não simplesmente pega cada um dos macronutrientes e os direciona diretamente para a produção de energia. Tudo vai depender de inúmeros fatores, como estado metabólico, composição da dieta etc.

Precisamos de tudo isso de proteína (4,4 g/kg)? É claro que não... Uma dieta com quantidades entre 1,0 e 2,0 g/kg é mais do que suficiente para suprir todas as nossas necessidades, incluindo aquelas referentes às atividades físicas. Futuramente discutiremos o efeito que o consumo aumentado de proteínas tem sobre a saúde, especialmente no que diz respeito aos rins e ao fígado. Dica: não faz mal.




Referências

1. Institute of Medicine (IOM). Dietary reference intakes for energy, carbohydrate, fiber, fat, fatty acids, cholesterol, protein, anda mino acids. Washington, DC: National Academy Press, 2002.

2. Elango R, et al. Evidence that protein requirements have been significantly underestimated. Curr Opin Clin Nutr Metab Care. 2010;13():52-7.

3. Kreider RB, et al. ISSN exercise & Sport nutrition review: research & recommendations. J Int Soc Sports Nutr. 2010;7:7.

4. Antonio J, et al. The effects of consuming a high protein diet (4.4 g/kg/d) on body composition in resistance-trained individuals. J Int Soc Sports Nutr. 2014;11:19.

5. Bender DA. The metabolism of “surplus” amino acids. Br J Nutr. 2012;108():S113-21.

6. Feinman RD, Fine EJ. "A calorie is a calorie" violates the second law of thermodynamics. Nutr J. 2004;3:9.

7. Manninen AH. Is a calorie really a calorie? Metabolic advantages of low-carbohydrate diets. J Int Soc Sports Nutr. 2004;1(2):21-6.




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