Saúde
Qual a melhor altura do dia para treinar?
Se tivéssemos o dia a nosso dispor e pudéssemos escolher a hora do treino, qual seria a melhor para maximizar a performance e obter os melhores resultados no ginásio? Esta é uma pergunta recorrente que me fazem e na verdade bem difícil de responder. Mas considerando a nossa cronobiologia individual e respostas fisiológicas normais ao treino, podemos inferir sobre o momento do dia em que estamos mais preparados para o exercício físico, e como consequência em que os resultados do nosso esforço terão a maior gratificação.
De uma forma ou de outra, o nosso equilíbrio hormonal e genética, na sua interacção activa com o meio, ditam os resultados que obtemos do treino, por mais romântico seja pensarmos o contrário. Embora seja por demais simplista reduzirmos a apetência anabólica ao balanço entre o cortisol e testosterona, estas são de facto as duas hormonas mais estudadas e com um papel crítico no turnover proteico e massa muscular. A primeira com um efeito catabólico, embora essencial no processo de recuperação do treino, e a testosterona com uma acção anabólica reconhecida. Embora ambas respondam em geral de forma positiva ao treino de força, e não só, os seus níveis são essencialmente regulados num ritmo circadiano orquestrado pela nossa glândula pineal.
Começando pelo cortisol, ele obedece a um ritmo circadiano ideal com um pico pela manhã e tendência decrescente ao longo do dia, com pequenas oscilações em resposta a eventos de "stress" ou mesmo refeições. Faz parte da nossa "awakening response" que nos desperta pela manhã e nos mantém activos. Este ritmo fisiológico normal pode sofrer alterações quando levamos um estilo de vida disruptivo, seja perder noites de sono ou demasiado stress no dia-a-dia, por exemplo. Quanto à testosterona, ela apresenta um ritmo semelhante ao cortisol, com um pico sensivelmente pela mesma altura do dia.
Tento em consideração o efeito catabólico reconhecido ao cortisol, poderiamos numa primeira apreciação dizer que manhã cedo não é a melhor altura para treinar. No entanto, a testosterona também está no seu pico, o que de certa forma poderá balancear o impacto negativo do cortisol na massa muscular. Na verdade, o rácio testosterona livre/cortisol e não o cortisol em si tem sido apontado por alguns como um indicador do ambiente fisiológico propício ao anabolismo, entenda-se hipertrofia. Quando há um decréscimo nesta relação num atleta, superior a 30%, é normalmente um sinal de overtraining e altura para abrandar.
Um outro aspecto a considerar é a nossa temperatura corporal, que vai aumentando até meio da tarde e decresce desde aí preparando-nos para dormir e possibilitando a secreção de melatonina. É no pico de temperatura, sensivelmente entre as 16-17 horas, que o fluxo sanguíneo aos tecidos periféricos está maximizada, e como tal a nutrição muscular. Também a pool de nutrientes tem o contributo não só de uma refeição, pequeno-almoço, mas de todas as que foram feitas num espaço de 5-8 horas, dependendo das fontes alimentares. Como tal, podemos especular com plausibilidade que será a altura certa para um treino com fins de hipertrofia.
Além disso, as respostas hormonais ao treino parecem diferenciais entre a manhã e o meio da tarde. De manhã, o aumento da testosterona e cortisol são menores pois é também o momento em que estas hormonas estão mais elevadas. No entanto, à tarde parece haver uma resposta mais acentuada da testosterona do que do cortisol, sugerindo uma melhor resposta anabólica nesta altura do dia, provavelmente com maior contributo das adrenais para este aumento da testosterona verificado. Mas convém também sublinhar que um treino intenso ao fim da tarde/noite pode ter um impacto negativo na exposição à testosterona durante a noite e sono. Como podemos observar no gráfico abaixo, verifica-se uma diminuição nos níveis de testosterona livre e total, potencialmente contraproducente quando o objectivo é ganhar massa muscular. Isto aliado a um expectável aumento do cortisol.
Portanto, até aqui podemos concluir que, pela nossa fisiologia, estamos mais preparados para esforços intensos a meio da tarde, e que à noite ou final do dia podem até ter um efeito negativo. Para ser honesto, não considero que os aumentos hormonais transientes e ligeiros após o treino tenham um impacto significativo nas adaptações gerais, entenda-se aqui ganho de massa muscular, mas a redução dos níveis de testosterona no período de sono sim. É importante encarar o processo de hipertrofia como um continuum e não uma fotografia do período pós-treino e da tal "janela anabólica" tão difícil de definir, se é que existente. E na verdade, basta uma refeição pré-treino para quase abolir estas flutuações hormonais, algo que dificilmente vemos como negativo na prática corrente. No treino, e bem, damos mais importância à performance do que propriamente às hormonas.
Mas mais importante do que tudo isso é mesmo a monitorização da performance do atleta. Existe uma grande variabilidade inter-individual no rendimento circadiano que deve ser sempre tida em consideração, bem como o momento habitual em que as provas ocorrem, se for o caso. Haverá sempre atletas que rendem mais de manhã, e outros mais à tarde. De uma melhor performance podemos esperar melhores resultados.
Mas nos "atletas da vida", aqueles a quem me dirijo essencialmente e cujo exercício é uma actividade complementar e recreativa das suas vidas preenchidas, raramente a escolha do horário do treino poderá ser feita com todo o dia no horizonte. Ou treinam antes do trabalho, ao almoço, ou depois do trabalho, no final da tarde. A janela das 15-18 horas está normalmente fechada como hipótese, o que não implica certamente resultados medíocres. Apesar de tudo o que falámos até aqui, escolheria a manhã como momento preferencial, ou o almoço num período alargado que não implicasse uma correria para o trabalho depois do treino e uma refeição em cima do joelho. À noite o "risco" de faltar à sessão é maior, seja por cansaço ou um qualquer imprevisto inadiável. E mesmo indo, não é expectável um rendimento elevado. Ao final do dia é momento de relaxar e aliviar o stress que já tivemos suficiente.
Às vezes o ideal não é exequível e temos de optar pelo menor dos males, ou pelo melhor entre o pior. O ajuste dos horários de treino deve ser sempre enquadrado na realidade individual de cada um, e no momento em que a sua resiliência for máxima e as implicações mínimas para a caga alostática global [LINK]. O final do dia é geralmente um período débil e em que os esforços exigentes não fazem sentido do ponto de vista fisiológico da nossa espécie diurna. É momento de relaxar e não "excitar". Mas certamente que treinar é melhor do que não treinar de todo, e muitas vezes precisamos de fazer um compromisso com o ideal para obter os resultados possíveis, e garantir que o nosso sistema está preparado para violar o que para ele é "o normal".
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