Neste trabalho iremos analisar o suplemento alimentar para crianças Fortini, produto da marca Danone. O mesmo alega que é rico em energia, vitaminas e minerais e não contém lactose ou glúten podendo ser consumido via oral ou por sondas.
Fundamentos Bromatológicos:
Através da observação da tabela nutricional e ingredientes da formulação verificamos que existem proteínas, carboidratos, vitaminas, minerais, compostos nitrogenados não proteicos entre outros na composição.
Carboidratos: É informado com grande destaque ao consumidor que o produto não contém lactose, para bebês com intolerância a lactose, que desde os primeiros meses de vida provavelmente tiveram que estabelecer uma dieta especial, é interessante, mas para os demais que durante a amamentação consumiram como fonte de carboidrato prioritário a lactose através do leite materno não implica nenhuma vantagem. Este é dentre todos os mono e dissacarídeos o que apresenta o menor grau de doçura, porém no lugar dele adicionam a sacarose que além de contribuir para doenças como cárie dental e obesidade intervém na percepção organoléptica das crianças podendo gerar influências negativas durante seu desenvolvimento de hábitos e gostos alimentares. Outro tipo de carboidrato contido nesta formulação é a maltodextrina que é um polímero de glicose, possui uma cadeia complexa e é sintetizada industrialmente, por ser um polímero sua absorção no organismo é gradativa e lenta.
Proteínas: verificamos em letras bem miúdas no rótulo que a formulação é contraindicada para crianças que possuem alergia a proteínas do leite de vaca, nos dando a entender que as proteínas são derivadas do soro do leite de vaca. Como já citado no início deste tópico existem países que não aconselham a administração do leite de vaca a crianças menores de 2 anos de idade devido ao seu alto poder alergênico, além da maior dificuldade de digestão, porém mesmo assim estes tipos de proteínas são utilizadas na formulação. Observando os ingredientes concluímos que o tipo de proteína utilizado na composição do produto são derivados da caseína, concluindo que o predomínio é de aminoácidos aromáticos que dificultam a digestão.
Formas nitrogenadas não proteicas: o leite humano apresenta outras formas nitrogenadas não proteicas, por este motivo adicionam taurina na formulação, porém os estudos das vantagens destes componentes não são ainda conclusivos.
Os demais componentes como minerais, vitaminas e lipídios irão variar dentre quantidades necessárias a serem suplementadas de indivíduo para indivíduo, dependendo da dieta materna, dos tipos de alimentos consumidos pela criança e da cultura local. Nem sempre existe necessidade da reposição de todos os minerais e vitaminas listados, somente de um ou outro que está sendo mais difícil administrar através da dieta diária. Os pais e profissionais de saúde tem que avaliar as necessidades da criança com muito cuidado ao prescrever ou administrar este tipo de produto, pois o consumo em excesso desses componentes pode gerar problemas a saúde da criança.
Legislação:
A regulamentação de fórmulas infantis é regulada por diversos órgãos tanto a nível internacional, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), e pela FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), através do Codex Alimentarius Commission, quanto a nível nacional pelo Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Saúde (CNS) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).
O produto em questão segundo a Resolução CNS 31/1992 poderia se encaixar na seguinte definição: “Alimento complementar é qualquer alimento industrializado para uso direto ou empregado em preparado caseiro, utilizado como um complemento do leite materno ou de leites infantis modificados, quando qualquer um deles se tornar insuficiente para satisfazer as exigências nutricionais dos lactentes. Tal alimento é também denominado "alimento do desmame".
A definição pela Portaria 34/98 - SVS/MS seria a seguinte: “alimento de transição para lactentes e crianças de primeira infância é qualquer alimento industrializado para uso direto ou empregado em preparado caseiro, utilizado como complemento do leite materno ou fórmulas infantis, introduzidos na alimentação de lactentes e crianças de primeira infância com o objetivo de promover uma adaptação progressiva aos alimentos comuns e de tornar esta alimentação balanceada e adequada às suas necessidades, respeitando-se a sua maturidade fisiológica e o seu desenvolvimento neuropsicomotor. Tal alimento é também denominado "alimento complementar" “.
Quando a fórmula infantil for indicada para lactentes e para crianças de primeira infância, conforme previsto no parágrafo único do artigo 4º das Resoluções RDC n. 43, 44 e 45 de 2011, alguns requisitos de rotulagem previstos na Lei n. 11.265/2006 devem ser atendidos:
“É vedado, nas embalagens ou rótulos de fórmula infantil para lactentes e fórmula infantil de seguimento para lactentes:
I - utilizar fotos, desenhos ou outras representações gráficas que não sejam aquelas necessárias para ilustrar métodos de preparação ou uso do produto, exceto o uso de marca ou logomarca desde que essa não utilize imagem de lactente, criança pequena ou outras figuras humanizadas;
II - utilizar denominações ou frases com o intuito de sugerir forte semelhança do produto com o leite materno, conforme disposto em regulamento;
III - utilizar frases ou expressões que induzam dúvida quanto à capacidade das mães de amamentarem seus filhos;
IV - utilizar expressões ou denominações que identifiquem o produto como mais adequado à alimentação infantil, conforme disposto em regulamento;
V - utilizar informações que possam induzir o uso dos produtos em virtude de falso conceito de vantagem ou segurança;
VI - utilizar frases ou expressões que indiquem as condições de saúde para as quais o produto seja adequado;
VII - promover os produtos da empresa fabricante ou de outros estabelecimentos.”
Devem ser atendidos todos os requisitos de rotulagem e também de promoção comercial definidos na Lei n. 11.265/2006 para fórmulas infantis para lactentes (artigos 4º e 10). Ressalta-se que para fins de atendimento à Lei n. 11.265/2006, um produto somente pode ser classificado como fórmula infantil de seguimento para crianças de primeira infância quando for destinado exclusivamente a crianças de 12 meses a 3 anos de idade.
Porém, ao realizarmos uma pesquisa no site da Anvisa para confirmarmos com que fim o produto Fortini foi registrado verificamos que o mesmo não é uma fórmula infantil e sim um alimento para suplementação de nutrição enteral ou oral. Sendo assim, o mesmo não segue a legislação de fórmulas infantis e sim a resolução nº 449, de 9 de setembro de 1999 que aprova o regulamento técnico referente a alimentos para nutrição enteral, alimentação para Nutrição Enteral - alimento para fins especiais, com ingestão controlada de nutrientes, na forma isolada ou combinada, de composição definida, especialmente formulada e elaborada para uso por sondas ou via oral, industrializada, utilizada exclusiva ou parcialmente para substituir ou complementar a alimentação oral em pacientes desnutridos ou não, conforme suas necessidades nutricionais em regime hospitalar, ambulatorial ou domiciliar, visando a síntese ou manutenção dos tecidos, órgãos ou sistemas. O SAC da empresa fornecedora do produto informou que a fórmula é considerada infantil pois foi desenvolvida de acordo com as necessidades da criança.
Discussão:
No produto em questão houve uma dificuldade na conclusão da faixa etária no qual o produto se destina, tanto no rótulo quanto no site do produto não é clara a idade, somente pesquisando imagens de rótulos anteriores verificamos que havia a faixa etária de 1-10 anos que foi retirada após reformulação da embalagem. Mesmo a marca Danone tendo um espaço virtual que alega que o produto participa de uma linha de nutrição especializada, não conseguimos obter informações sobre estes detalhes essenciais para mães e pais leigos que não possuem idéia de que a introdução precoce de alimentos complementares ao leite humano aumenta a morbimortalidade infantil como consequência de uma menor ingestão dos fatores de proteção existentes no leite materno. Recomenda-se em alguns locais postergar até o segundo ano de vida a introdução de alguns alimentos altamente alergênicos, como o leite de vaca, no qual não é recomendado o seu consumo antes dos 9-12 meses de vida.
Se a criança não cresce satisfatoriamente até os 6 meses de vida recomenda-se, antes da adição de uma alimentação complementar a dieta da criança, realizar uma avaliação criteriosa para ver se não está ocorrendo uma ingestão reduzida de leite materno devido a uma má técnica de amamentação.
Como também iniciar uma alimentação complementar tardiamente não é indicado pois o crescimento da criança pode ficar lento ou parar tendo um risco maior de desnutrição e deficiência de micronutrientes.
Para um crescimento saudável uma criança deve ter um acompanhamento contínuo de um pediatra e outros profissionais da saúde que irão orientar os pais acerca do tempo de amamentação, época ideal para adição de alimentos complementares, a forma de fazer esta transição e a dieta ideal a ser seguida para a situação. De forma que o bebê possa ter uma boa aceitabilidade dos novos alimentos que estão sendo apresentados, pois é normal a criança os rejeitar, tendo em média que ser exposta de 8 a 10 vezes ao mesmo alimento para aceitar. Crianças amamentadas tendem a ter uma maior aceitação a novos alimentos pois através do leite materno foram expostas a diversos sabores e aromas diferentes que vão de acordo com a dieta da mãe.
Todo esse cuidado irá impactar nas escolhas alimentares futuras da criança, podendo predizer uma boa ou má alimentação ao longo de toda a sua vida.
Embora o produto em questão esteja registrado como alimento para suplementação de nutrição enteral ou oral, ao observar o rótulo podemos verificar que com o objetivo de caracterizar o mesmo como um produto infantil a marca utiliza animais com aparência de crianças segurando um copo de leite com canudinho. Fazendo um paralelo com a legislação pertinente para alimentos infantis não se pode usar imagens de crianças ou bebês com isso a empresa utiliza filhotes humanizados para burlar a legislação e não descaracterizar o produto.
Também verificamos, em mais de uma sequência, que existem mais de 30 vitaminas e minerais na formulação, a mesma é rica em nutrientes e seria uma nutrição balanceada para crianças. Também nos dando uma enorme tabela com uma série de vitaminas, aminoácidos e nutrientes para compor com mais força a imagem da quantidade de nutrientes que a formulação contém.
A informação que o mesmo seria um suplemento alimentar, uma das informações mais importantes que é o carro chefe do produto, se encontrava em letras miúdas na rotulagem. Com isso o produto aparentemente tenta passar uma imagem pelo rótulo de que através dos vários nutrientes presentes na sua formulação o mesmo é indispensável para a nutrição balanceada das crianças independente dos alimentos que consome e da idade.
Conclusão:
Devido aos fatores citados concluímos que os suplementos alimentares infantis em pó devem ser utilizados só em casos de extrema urgência ou especiais, no qual a criança não está podendo se alimentar oralmente, se encontra em um estado de desnutrição ou falta de nutrientes severo ou então em casos em que a criança possui aversão a grande parte dos alimentos essenciais para uma dieta balanceada. Não devendo administra-lo sem o acompanhamento de um profissional da saúde habilitado para verificar as reais necessidades nutricionais da criança e balancear com os nutrientes contidos no produto.
Infelizmente verificamos que grande parte das informações necessárias para um esclarecimento dos pais referentes a saúde infantil e uso indiscriminado deste tipo de suplementação não são esclarecidas para os consumidores através do rótulo ou site do produto em questão.
Referências Bibliográficas:
- Codex Alimentarius Commission. Joint FAO/WHO Food Standards Program. Codex Standard for Processed Cereal-based Foods for Infants and Children (Codex Stan 74-1991). In: Codex Alimentarius, v.4, Ed 2. Rome, 1994.
- Monte CMG, Giugliani ERJ. Recomendações para a alimentação complementar da criança em aleitamento materno. J Pediatr (Rio J). 2004;80(5 Supl):S131-41.
3. DE CARVALHO, L.E.R., DIAS,M., Identidade e Legislação de Alimentos Infantis. Disponível em: <http://www.aleitamento.com/amamentacao/conteudo.asp?cod=1531>. Acesso em 04/12/2014.
4. BRASIL. Ministério da Saúde. Aleitamento Materno, Distribuição de Leites e Fórmulas Infantis em Estabelecimentos de Saúde e a Legislação. Disponível em: <http://www.ibfan.org.br/legislacao/pdf/doc-750.pdf>. Acesso em 04/12/2014.
5. BRASIL. ANVISA. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Perguntas e Respostas sobre Fórmulas Infantis. Disponível em:<http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/1b72ce0043163045ac68bde6ad24d25c/Perguntas+e+Respostas+sobre+F%C3%B3rmulas+Infantis_3a+vers%C3%A3o_fev+2014.pdf?MOD=AJPERES>.Acesso em 04/12/2014
- Site do Produto. Disponível em: <http://www.fortininet.com.br/> Acesso em 04/12/2014.
7. 7. BRASIL. ANVISA. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Consulta de Produtos – Alimentos. Disponível em http://www7.anvisa.gov.br/datavisa/consulta_produto/Alimentos /frmConsultaAlimentos.asp >. Acesso em 04/12/2014.
- RDC45/2011.http://www.ibfan.org.br/site/wp-content/uploads/2014/06/Resolucao_RDC_ n_45_ de_ 19_de_ set embro_de_2011.pdf
- RDC 44/2011. http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/b11b30804aaa974f9e ffde4600696f 00/Resolucao_RDC_n_44_de_19_de_setembro_de_2011.pdf?MOD=AJPERES
- RDC 43/2011.http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/d8361b804aaa96d79ef6de4600696 f00/Resolucao_RDC_n_43_de_19_de_setembro_de_2011.pdf?MOD=AJPERES
Autoras: Mariana Telles e Nathalia Lobo
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