Proveniente da combinação de dois extratos da resina da planta Baccharis dracunculifolia, conhecida como Alecrim do Campo, o Cytopropolis Pharmanectar é mais um desses nutracêuticos comercializados que tentam cumprir suas promessas - destacando-se aqui sua propriedade antitumoral. Segundo o fabricante, ele garante propriedades citotóxicas e hematoestimulantes. Será que esse produto é uma biochance, como elucida o rótulo?
A fração aquosa da própolis do Baccharis dracunculifolia é rica em ácido 2-cafeoilquinico (CAPE) e seus derivados, que possuem uma forte ação antioxidante e sequestrante de radicais livres. Tem também ação protetora hepática e das células pancreáticas. Além disso, em concentrações maiores tem ação citotóxica e anticitopênica, acelerando o tempo de redução dos tumores, principalmente pela ação da substância Artepillin C® - presente em maior concentração na composição do produto.
Também foi verificado um aumento da eficácia do método de radioterapia quando cobaias eram submetidas ao pré-tratamento com própolis, além de ser observado uma menor ocorrência de efeitos adversos em conjunto à estimulação das células sanguíneas.
Nutracêutico é um termo que vem sendo usado para um conjunto de substâncias que se situam entre comida e remédio, entre nutriente e medicamento, compreendendo não apenas nutrientes tradicionais, como vitaminas, sais minerais e aminoácidos, mas também não-nutrientes como as fibras, além de um grande arsenal de substâncias que parecem contribuir para a prevenção ou mesmo cura de doenças. Então, muitas vezes, por isso denominados alimentos funcionais - sendo que os mecanismos de ação não estão, na maioria dos casos, plenamente conhecidos, baseando-se as afirmativas mais em dados epidemiológicos do que em ensaios bioquímicos ou fisiológicos. Talvez por essa razão não haja uma legislação exigente como deveria existir para evitar o consumo irracional desses produtos. As informações são poucas. O termo é usado há pouco tempo. Muita gente não sabe o que é nutracêutico, propriamente disso.
O problema é que esse extenso conceito até pode atender a uma preliminar curiosidade dos consumidores, mas não sustenta, nem orienta, as medidas que devem ser tomadas pelos profissionais envolvidos com a questão, que devem, pelo menos, regulamentar a fabricação, a rotulagem e a propaganda destes produtos. No Cytopropolis Pharmanectar®, o único meio do consumidor entrar em contato, por ora mais íntimo com o produto, é através do site do fabricante. Solicitamos o rótulo e informações adicionais aos farmacêuticos da Empresa e só nos foi enviado o prospecto de venda do produto (vendido em mais de 20 países) e dois artigos científicos que não fundamentam os efeitos prometidos das substâncias. Quer dizer, qual o papel das agências reguladoras desses países? Quais suas posturas? Há um vazio regulamentador, quando se fala em nutracêuticos.
O Cytopropolis Pharmanectar®, é apresentado como nutracêutico antitumoral, antibiótico, anti-inflamatório e antimicótico, ou seja, a cura de todos os seus males. Será que é bem assim?
A utilização de própolis para o combate ao câncer foi testada em diversas oportunidades ao longo do tempo, (Scheller et al., 1989; Kimoto et al., 1996, 1998; Chen et al., 2003; Akao et al., 2003), nesses estudos identificou-se que o Artepillin C® é uma das substancias responsáveis pela atividade antitumoral dos extratos. Com base nas informações do produto, o componente presente em maior concentração no Cytopropolis Pharmanectar® é o Artepillin C®. Então, se a substancia antitumoral está presente no produto, este tem sua eficácia comprovada? Não, o que se esquece de mencionar é que todos os testes foram realizados in vitro ou em animais. Não existe nenhum teste clinico comprovando a real eficácia do Artepillin C®
Um segundo ponto que vale a pena ser mencionado seria a concentração adequada para o produto fazer efeito. Nos estudos existentes sobre o Artepillin C® não existe uma padronização da dose utilizada, ou seja, não se sabe qual a quantidade que se deve tomar do produto para que ele realmente faça efeito.
O fabricante especifica que, após duas horas da utilização do produto, se tem um pico na concentração plasmática de aproximadamente 450 ng/mL de Artepillin C® e seus derivados. Como foi mencionado antes, não se tem uma concentração eficaz definida. Porém, comparando com o estudo, podemos observar que a concentração plasmática apresentada no Cytopropolis Pharmanectar® é muito inferior as utilizadas em estudos in vitro e em animais. Portanto, esse fato apenas realça a falta de estudos não só sobre a eficiência do produto, mas estudos farmacodinâmicos e farmacocinéticos, já que esse produto é vendido como um medicamento natural, uma Biochance.
Outros parâmetros importantíssimos não estão elucidados no rótulo. Do prospecto do fabricante, manda-se administrar o produto com cuidado em pacientes portadores de insuficiência renal. Francamente, se você que vai a lojas semelhantes a Mundo Verde (e choca-se com as maravilhas que esse produto promete), você vai pensar no dano renal que ele poderia causar? E mais: você, paciente com câncer, que faz quimioterapia com Paclitaxel e Fluoruracila (5-FU), dois dos medicamentos mais prescritos na oncologia, terá acesso a informação de que o Cytopropolis Pharmanectar® possui interação medicamentosa com esses medicamentos? Não vai. Não adianta que não vai. O tipo de interação medicamentosa nem é citada no rótulo. Se o Cytopropolis Pharmanectar® agir em sinergismo com a terapia oncológica, poderia aumentar os efeitos adversos, que não são poucos, e causar até a morte do paciente. Por outro lado, se inibir a terapia oncológica, podemos não ter um resultado terapêutico desejado.
Portanto, embora nutracêutico seja um termo internacionalmente reconhecido, a verdade é que ainda não existe um consenso sobre o seu significado. Diferentes órgãos regulamentadores, como a Foundation for Innovation in Medicine (FIM) e a Agência de Saúde do Canadá, possuem diferentes definições.
As companhias farmacêuticas, que priorizam o enfoque médico, parecem preferir termos como medical foods, nutraceuticals e functional foods, enquanto as indústrias de alimentos, que priorizam o enfoque nutricional nas suas campanhas de marketing, optariam por nutritional foods e functional foods. Outro conflito bem visível é que enquanto os novos alimentos visam ser vendidos no varejo farmacêutico, os novos "medicamentos" visam ser vendidos nos supermercados e outros pontos de varejo de alimentos, o que parece reflexo natural do conceito adotado para o produto: algo no meio do caminho entre alimento e medicamento.
Frente a tudo isso, portanto, parece óbvio que a construção do conceito NUTRACÊUTICO - e seus conseqüentes desdobramentos, principalmente em termos normativos - mexe com um vasto e complexo conjunto de interesses empresariais, o que complica e dificulta o processo de normatização.
BIBLIOGRAFIA