Saúde
Gordura e colesterol: 30 anos depois
A gordura está renascendo!
Pena para quem tem medo. Felicidade para quem compreende suas qualidades.
Vamos entender o que aconteceu nesses dois momentos históricos...
1984
Em 1984, foram publicados os resultados do primeiro estudo [1,2,3] a demonstrar que a redução do colesterol sanguíneo por um medicamento, a colestiramina, poderia minimizar o risco de novos casos de doenças cardíacas.
Ou seja:
Colestiramina
ê
Menos colesterol no sangue
ê
Redução no risco de doenças cardíacas
Obviamente, esse estudo ganhou muita atenção na mídia, e por isso foi parar na capa de uma das mais importantes e influentes revistas do mundo: a Time (como pode ser visto na figura acima).
Entretanto, ao invés de falar sobre os reais resultados e implicações do estudo original, a reportagem da revista Time foi muito além — quando certamente não deveria.
A verdade é que o estudo mostrou que a redução no colesterol no sangue, por um medicamento, poderia diminuir o risco de desenvolvimento de doenças cardíacas. Ele não mostrou que reduzir o colesterol no sangue, pela menor ingestão de alimentos ricos em gordura saturada e colesterol, poderia diminuir o risco de doenças cardíacas.
E foi justamente o que a reportagem, e a capa da revista, falavam: não comer ovos, manteiga e outros alimentos ricos em gordura saturada e colesterol.
Esse é um problema de construção lógica. Só porque a redução no colesterol sanguíneo por um medicamente foi efetiva na redução no risco de uma doença, isso não necessariamente significa que a redução no colesterol pela menor ingestão de determinados alimentos resultará no mesmo desfecho.
Conclusão extremamente precipitada por parte dos jornalistas (e profissionais de saúde, cientistas e "especialistas" — os quais certamente foram consultados para a reportagem) da época.
2014
Trinta anos se passaram e muita coisa mudou. Ainda bem. Nesses anos, principalmente nos últimos dez, foram publicados diversos estudos mostrando que a gordura saturada e o colesterol provenientes da dieta não possuem qualquer efeito sobre o risco de doenças cardiovasculares.
E por isso a capa da revista Time também mudou:
"Coma manteiga"
Não vou me estender muito nesse assunto porque ainda pretendo escrever bastante sobre ele no futuro. Mas o estudo mais recente [4], publicado no início desse ano de 2014 — uma revisão e meta-análise de diversos outros estudos anteriormente publicados —, mostrou de forma categórica que essa relação não existe. O estudo não é perfeito, e inclusive já fiz algumas ressalvas em relação a ele. Mas junto com diversos outros estudos publicados nos últimos anos [5,6,7,8,9,10], essa discussão sobre gordura saturada, colesterol e doenças cardíacas já está mais do que encerrada.
É claro que a mentalidade arcaica e praticamente imutável daqueles que condenam a gordura a qualquer custo não vai mudar assim, de uma hora para outra. Mas esse possivelmente é um marco importantíssimo para que, daqui a alguns anos, a história seja complemente diferente. Acredito que daqui a alguns anos a maior parte das pessoas vai perceber que culparam o nutriente errado.
Viva a gordura (saturada)!
Referências
1. The Lipid Research Clinics Coronary Primary Prevention Trial results. I. Reduction in incidence of coronary heart disease. JAMA. 1984;251(3):351-64.
2. The Lipid Research Clinics Coronary Primary Prevention Trial results. II. The relationship of reduction in incidence of coronary heart disease to cholesterol lowering. JAMA. 1984;251(3):365-74.
3. Brensike JF, et al. Effects of therapy with cholestyramine on progression of coronary arteriosclerosis: results of the NHLBI Type II Coronary Intervention Study. Circulation. 1984;69(2):313-24.
4. Chowdhury R, et al. Association of dietary, circulating, and supplement fatty acids with coronary risk: a systematic review and meta-analysis. Ann Intern Med. 2014;160(6):398-406.
5. Ravsnkov U. The questionable role of saturated and polyunsaturated fatty acids in cardiovascular disease. J Clin Epidemiol. 1998;51(6):443-60.
6. Volk MG. An examination of the evidence supporting the association of dietary cholesterol and saturated fats with serum cholesterol and development of coronary heart disease. Altern Med Rev. 2007;12(3):228-45.
7. Ramsden CE, et al. Dietary fat quality and coronary heart disease prevention: a unified theory based on evolutionary, historical, global, and modern perspectives. Curr Treat Options Cardiovasc Med. 2009;11(4):289-301.
8. Mente A, et al. A systematic review of the evidence supporting a causal link between dietary factors and coronary heart disease. Arch Intern Med. 2009;169(7):659-69.
9. Siri-Tarino PW, et al. Meta-analysis of prospective cohort studies evaluating the association of saturated fat with cardiovascular disease. Am J Clin Nutr. 2010;91(3):535-46.
10. Hoenselaar R. Saturated fat and cardiovascular disease: the discrepancy between the scientific literature and dietary advice. Nutrition. 2012;28(2):118-23.
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