Os suplementos alimentares são inúteis?
Saúde

Os suplementos alimentares são inúteis?



Os suplementos alimentares são eficazes ou não? Esta questão daria lugar a uma discussão apaixonada entre dois extremos: os que os consideram perfeitamente inúteis e os que os acham a solução para todos os males. A verdade é que se nos basearmos apenas nos estudos científicos disponíveis chegamos rapidamente à conclusão de que a grande maioria é ineficaz, senão inútil. Mas eles continuam a ser utilizados, e alguns com grande sucesso. Eu próprio uso e recomendo alguns suplementos que considero bastante interessantes em situações específicas. Onde me posiciono eu no meio desta confusão? Sendo um defensor e "pregador" de ciência, não estarei eu próprio corrompido pelo hype, fé, e marketing?


O que é um suplemento alimentar afinal? Trata-se de uma fonte concentrada de nutrientes ou compostos bioactivos presentes nos alimentos, comercializada em formas farmacêuticas e que actuam em vias metabólicas específicas. Existe um objectivo funcional em cada suplemento, embora nem sempre se traduza em resultados práticos. Por exemplo, se um composto deve actuar em células cancerosas, não há garantia que a administração oral do produto tenha efeito sobre esse alvo em específico. A distribuição não é necessariamente uniforme e a quantidade de composto que lá chega pode não ser suficiente para ter acção. Pode existir uma extensa metabolização hepática por exemplo, uma absorção ineficiente, ou simplesmente pouca receptividade da célula à substância. Isto é também uma razão pela qual não podemos transpor directamente resultados in vitro para o organismo como um todo. A exposição ao composto é completamente diferente.

Infelizmente, os suplementos alimentares são regulados como alimentos, não estando sujeitos a qualquer tipo de aprovação ou controlo de qualidade. Basicamente, comprá-los numa loja traz-nos o mesmo grau de segurança que comprar couves na praça. São regulados da mesma forma, e pela mesma entidade (o Ministério da Agricultura), que se preocupa exclusivamente com a rotulagem e alegações de saúde. Assim sendo, a relação entre o consumidor e a indústria é na base de uma confiança cega, porque na verdade não fazemos a menor ideia do que estamos a tomar, e ninguém está a fiscalizar por nós. Não foram poucos os escândalos que envolveram companhias de suplementos, que muitas vezes optam por "cortar" os produtos, escolher matérias primas de má qualidade, ou têm más práticas de manipulação dessas substâncias. Por exemplo, alguns produtos oxidáveis têm de ser processados em ambientes isentos de oxigénio. Estas câmaras e mão-de-obra especializada custam dinheiro, o que obrigatoriamente se reflete no preço do produto. Boa matéria prima, produzida segundo boas práticas de fabrico, também custa dinheiro. Tal como em tudo na vida, a qualidade dos suplementos alimentares paga-se. Felizmente existem companhias que garantem esse controlo, não porque sejam obrigadas, mas porque isso lhes trará uma vantagem num mercado de consumidores mais informado e exigente, os que estão dispostos a pagar mais um pouco por uma garantia de qualidade. E são as certificações que devemos procurar.

Este é também um dos vários motivos para não nos podermos fiar em exclusivo na investigação científica. Quando analisamos um estudo, não podemos ter apenas em atenção a substância utilizada. É importante saber qual o produto em especifico e a sua rastreabilidade até ao produtor da matéria-prima. Em muitos casos são utilizados produtos comerciais de fraca qualidade para reduzir o custo do ensaio, que é normalmente elevadíssimo. Noutros nem sequer há essa rastreabilidade, ou são utilizados produtos de diferentes fabricantes. Existem diferenças significativas na formulação de cada um, não só a nível da qualidade da matéria-prima mas também na sua biodisponibilidade e biocompatibilidade.

Outro dos problemas dos suplementos alimentares é serem isso mesmo... suplementos alimentares. Tratam-se de substâncias presentes na Natureza, logo não podem ser patenteados. O interesse comercial é limitado porque os direitos de comercialização não estão protegidos. Ao contrário do que acontece com as farmacêuticas, nenhuma companhia de suplementos com juízo irá financiar um estudo em grande escala, conclusivo mas com custos exorbitantes, com uma substância que não pode ser exclusivamente sua. O concorrente iria aproveitar-se desse investimento para seu próprio benefício. Por esta razão, os estudos com suplementos alimentares são de um modo geral de fraca qualidade e pouco robustos, dos quais não podemos extrair conclusões definitivas.

Um dos aspectos que mais encarece o estudo é o número de participantes, de um modo geral muito pequeno nos ensaios com suplementos alimentares. Demasiado pequeno para a potência estatística necessária, o que põe em causa eventuais resultados positivos que sejam verificados. Por outro lado, se o resultado for negativo não nos podemos precipitar e dizer que o suplemento é ineficaz, correndo o risco de cometer um erro tipo 2. O tamanho da amostra pode apenas não ter sido suficientemente grande para detectar um efeito de pequena magnitude, mas existente. O suplemento tem efeito, o estudo é que não foi suficientemente sensível para o encontrar. O tamanho da amostra não era o adequado.

E a magnitude do efeito leva-nos a uma outra questão: as expectativas. Muitas vezes o problema não está no suplemento, mas apenas no que esperamos dele, normalmente mais do que aquilo que nos pode dar. Isto é por demais evidente nos suplementos para perda de peso. Reduções na ordem dos 1-2 Kg aos 6 meses podem ser significativas, mas bem menores do que as expectativas de quem os compra. Isto não significa que sejam ineficazes, mas apenas que não podem ir ao encontro das nossas ilusões. Não são substitutos de uma alimentação saudáveis e exercício, e sem modificações no estilo de vida o efeito dos suplementos é virtualmente nulo.

A variabilidade interindividual de resposta não pode também ser esquecida. Nem toda a gente experiencia os mesmos efeitos, com os mesmos resultados. Isso tem a ver não apenas com o estilo de vida de cada um, mas também com a interacção entre o nutriente/composto e o genoma/epigenoma - falamos de nutrigenética. Infelizmente são poucos os estudos que nos apresentam os resultados em detalhe e não apenas as estatísticas comuns baseadas em médias. Nesses casos raros, é interessante verificar a variabilidade de resposta individual à mesma substância, em condições semelhantes. O resultado do grupo como um todo pode ser nulo, mas e aqueles que experimentaram de facto um efeito positivo? Podemos dizer-lhes que não é real? Não terão eles o direito de beneficiar de algo que de facto teve impacto na sua saúde ou performance? A medicina e nutrição personalizadas são o futuro, baseadas não em tendências centrais mas na dispersão dos resultados. O desvio padrão é tão ou mais importante do que a média se queremos passar para o campo clínico, em benefício do doente que temos perante nós.

Analisar a eficácia de um suplemento alimentar é uma tarefa ingrata, mas que todos os clínicos que orientam a sua prática para o benefício do doente terão de o fazer mais tarde ou mais cedo. Mas isso não se faz a ler o abstract de um paper, ou a confiar nos gurus da Medicina Baseada da Eminência... ups... Evidência. Quando a evidência é de má qualidade, as conclusões são do mesmo tipo, quer para o bem como para o mal. Por exemplo, se analisarmos a evidência científica disponível chegamos à conclusão de que os paraquedas não são eficazes na prevenção de lesão após queda a grande altitude. Isto porque até ao momento não foram efectuados ensaios controlados e duplamente mascarados que o comprovem. Para tal, um grupo de voluntários será aleatoriamente alocado para um de dois grupos: um grupo salta de paraquedas, o outro salta com um que não funciona (placebo). No final faremos a devida análise estatística, e só assim podemos concluir alguma coisa. Alguém se chega à frente?

Há mais para além da evidência científica, e é esta a mensagem que quero fazer passar neste artigo. Às vezes a observação é uma boa ferramenta de estudo, mas sempre regida por um princípio fundamental: plausibilidade biológica. Além disso, a prática, o bom senso, a honestidade, e o espirito crítico são os melhores conselheiros para uma boa decisão quando chega a altura de recomendar ou escolher um suplemento alimentar. Os sintomas e marcadores bioquímicos melhoram ou não? A performance aumenta ou não? São estas as questões que realmente interessam e que se traduzem em resultados práticos. Cabe-nos a nós fazer essa avaliação da eficácia e efeito pretendido, ou se será em primeiro lugar útil naquele contexto em particular. Não nos precipitemos a avaliar os suplementos alimentares, muito menos com base em preconceitos e má interpretação da evidência científica.





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